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quarta-feira, 14 de maio de 2025

Pepe Mujica (1935-2025)

 

O que significa dar sentido à vida?

É ter uma coisa principal que preencha 

os capítulos e as preocupações da nossa existência.

No meu caso, é o sonho de lutar por um mundo um pouco melhor.


                                                                                                         Pepe Mujica


 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Uma Senhora que é uma Senhora


 

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Os meios de comunicação portugueses descobriram que Maria Teresa Horta é uma mulher excepcional. E não se cansam de o repetir. Mas, como sempre, não chegaram lá sozinhos. Souberam-no pela BBC, que acaba de a incluir na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo, na actualidade.

Mas eu já sabia há muito tempo. Em Setembro de 2012, a propósito de uma da suas atitudes inspiradoras, dediquei-lhe uma posta - que dizia assim:

Maria Teresa Horta é uma escritora que é dona de um atributo raro em Portugal (sobretudo entre homens): coragem cívica.

Mas não é de agora. Ela tem um vasto curriculum na defesa militante da condição feminina (e da justiça em geral) que vem do tempo em que o fazia jogando não só a liberdade, mas também a reputação.

E escreveu belos versos de um erotismo livre e sem pudor.

Recentemente escreveu também uma biografia de outra mulher notável (a Marquesa de Alorna, sua avó em quinto grau) e venceu o prémio literário D. Dinis. E, tal como este bom rei de Portugal, ela fez exactamente “quanto quis”: recusou-se a recebê-lo das mãos do “senhor” primeiro-ministro Passos Coelho porque, muito judiciosamente, o acha um biltre..

Isto não “é de homem”.

Porque Maria Teresa é uma senhora. Uma Senhora.

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quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Em jeito de proclamação (especial)

Pedro Santana Lopes admite querer candidatar-se à presidência da república, avançou o canal NOW. O canal que garante informação privilegiada adiantou ainda que “o autarca da Figueira da Foz considera que tem a experiência necessária”. Diz que só lhe faltam sondagens favoráveis.

Então é assim. Como ele já tem tudo o que é preciso, e só está mesmo à espera da vaga de fundo, eu permiti-me contribuir graciosa e desinteressadamente para a superação do seu piqueno handicap. Tomei a liberdade de redigir uma espécie de manifesto, ou proclamação que, dirigida especialmente a indecisos, confusos, recalcitrantes e ao povo em geral, talvez ajude a formar a hola!


Afixe-se.

Santana a presidente

manifesto panegírico

em forma de pequeno ensaio

sobre uma grande figura

com notas de rodapé


Ele não para e nunca dececiona os seus adetos indefetíveis; sempre recetivos a qualquer dos seus atos, quaisquer que sejam as aceções destes ou o aspeto que aparentem. Sob esta ótica, ele é um político fraturante, de fação, de rutura, de reação, de fato. Um olfato venatório, um tato circunspeto, um caráter percetivo, um instinto matador e um génio disrutivo temperado de eletricidade estática ininterruta permitem-lhe projetar epifenómenos de um afeto entusiasmado, anticético e abstrato, num trajeto muito adjetivado arquitetado em perfuntórias perspetivas que adotam sempre novas direções.

O parágrafo que acabastes de ler foi laboriosamente redigido para vosso exclusivo prazer e deleite. A pura verdade, como o evangelho, no mais puro português de lei. Dir-se-ia du Padre Vieira, mas sem espinhas; depurado e palatável: com menos consoantes mudas e mais vogais surdas. Reconheço que o logrei concluir, deste modo ortograficamente correto, com muita dificuldade.

Mas felizmente existe agora mais do que apenas uma geração que já se exprime assim com toda a naturalidade. Toda uma basta gente instruída e alfabetizada deste modo admirável.

E isto deve-se a um português ímpar1. Sim, .-porque são poucos, cada vez menos ou nenhuns, os que, através de uma acção benemérita e desinteressada logram influir assim, de modo estruturante e perdurável, na formação e edificação de gerações futuras.

Trata-se de alguém cujo contributo voluntarioso e pertinaz foi fundamental para tornar exequível este aggiornamento, este desabrochar2 da língua, este milagre do português redivivo, enfim, este épanouissement da escrita de expressão lusitana.

Mas deixemos-nos de galicismos, itálicos e rodriguinhos: foi este bravo que, confessadamente, tomou por missão patriótica o desígnio de Cavaco de fazer aprovar o acordo ortográfico de 1990.

Ele integrava então, como secretário d'estado da cultura, o governo que na mesma época também eucaliptizou o país (Cavaco, considerava - certamente bem informado, como sempre - que o eucalipto seria o “nosso” petróleo verde).

Muitos anos depois, o país não se tornou exactamente um petro-estado mas a verdade é que arde sempre mais um pouco a cada ano - o que prova que o nosso petróleo, se não é tão carburante, é pelo menos tão inflamável como o dos outros. E é ainda mais verdade que a nossa língua escrita, e até a falada, não só nunca mais foi a mesma como nunca há-de voltar a ser simplesmente uma língua como as outras.

Trata-se, já adivinhastes, do inefável, imarcescível, inimitável, inconfundível, inolvidável, imprescindível, inimputável, inamovível, imperturbável, irredutível, incontornável, e insubstituível...

Pedro Santana Lopes.

Mas o desempenho do actual e recidivo presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz não se ficou apenas pelo brilharete na ortografia da língua; o que, num país reconhecido, já seria suficiente para lhe ser concedida a honra vitalícia de empunhar o estoque de Condestável ou, no mínimo, de conselheiro de estado. Somos uma república ingrata, essa é que é essa.

Santana, que recentemente confidenciou a um canal de televisão que se sente com qualidades para o desempenho do cargo de presidente da república de Portugal, já prestou muitos outros, bastos e relevantes, serviços à pátria, desempenhando sempre as mais variadas presidências – sempre eleito, por convite ou nomeação: a do Sporting; a da Santa Casa da Misericórdia; a do município de Lisboa, a de um partido político, por si mesmo criado para o efeito e ao qual se referia sempre no feminino; até a do mesmíssimo Governo de Portugal. Sempre com o mesmo aprumo e sainete3, amplamente reconhecidos, e igual impacto estruturantemente decisivo e perdurável no devir de todas as felizes instituições contempladas.

Ele é um homem nascido para mandar, para decidir, para influir, para dirigir. Porque não para presidir à república portuguesa? Sim, porque se a república é ingrata, o povo, esse, é muito agradecido e penhorado. O coração do povo é como um diamante dentro de um cofre-forte e Santana é um desses, poucos, predestinados (como o Cavaco e o Marcelo) que lhe conhecem o segredo. Eu conto-vos como ele abriu o cofre do povo da Figueira e se apoderou do coração daquela terra.

Em 1997, a Figueira vivia amancebada há mais de quinze anos com um velho dinossauro4 xelentíssimo e sucialista, numa relação tóxica que arrefecia. A Figueira é como a loura das telenovelas; ciumenta como uma leoa mas volúvel como uma borboleta: só tá bem onde não tá, só quer o que não tem, sempre à espera do príncipe encantado que, segundo um psicólogo social local5, há-de vir um dia em manhã de nevoeiro. Quando Santana chegou, estava nevoeiro e não se via nada. Bom, não era nevoeiro, era fumo; estava a Naval a arder6, mas era de manhã e não se via nada. Quando ela finalmente o lobrigou, ele era o príncipe encantado que sempre desejara, jovem e garboso e bonito como o galã cafajeste das novelas que mata cabras só com o olhar. E assim foi. Mal ele lhe pôs a vista em cima, foi de caixão à cova; fulminante: paixão recíproca e amor, fatal. Foi o início de uma chanfana intensa, que dura até hoje, cheia de peripécias e infidelidades. Uma vez ele chegou mesmo a trocá-la por outra (outra câmara municipal7) deixando-a para trás a ver navios e com um montão assim de dívidas para pagar8. Mas ela perdoa-lhe tudo e acolhe-o sempre de volta, com os braços quentes de carinho, no seu leito sempre ardente de paixão. Mas vai-e-volta ele diz que vai. E ela então diz-lhe Não venhas tarde, meu torresmo. E ele vem sempre mais tarde, porque não sabe fugir de si mesmo.


Notas de rodapé:

1--ímpar quer dizer raro, ou ainda mais, único. 

2 – desabrochar, neste contexto específico, quer dizer tirar da boca. 

3 - qualidade agradável ou que causa prazer = GOSTO, GRAÇA, PIADA. 

4 – Manuel Alfredo Aguiar de Carvalho, presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz entre 1982 e 1997. 

5 – António Tavares, professor no Liceu, vereador eleito e escritor premiado. 

6 – Aconteceu mesmo. No dia 4 de julho de 1997. 

7 – a de Lisboa, essa galdéria. 

8 – facto que ele finalmente assumiu mas reconhece como “despesas de investimento”

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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

O poder, o jornalismo que faz carreira sem carteira e (ou) o charme discreto da burguesia


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Montenegro quer jornalismo sustentável, tranquilo, menos ofegante e sem perguntas sopradas (título de uma notícia do Correio da Manhã).

O primeiro-ministro falava no final da intervenção com cerca de trinta minutos, feita de improviso, na abertura da conferência sobre " O futuro dos Media" em Lisboa, perante uma plateia com muitos presidentes de empresas de orgãos de comunicação social nacionais e de dezenas de jornalistas.

Logo a seguir, Montenegro concedeu uma entrevista no seu gabinete a esse ícone do jornalismo sustentável, tranquilo, menos ofegante e sem perguntas sopradas que é Maria João Avillez. A senhora Avillez é realmente uma figura incontornável, não exactamente daquilo que eu considero jornalismo mas de todo um outro género: o que faz carreira sem carteira, e até já mereceu uma posta neste blogue, em 2014, com retrato, verbete, e tudo.

No entanto, e apesar de apesar, o incrível pastoreio de improviso que o senhor Montenegro acaba de cometer diante de toda a gente não é nada que o senhor Santana Lopes já não tenha perpetrado, também de improviso porém mais recatadamente, ao seu nível, na regional (estou a referir-me ao jornalismo regional, na Figueira da Foz). Como também referi aqui, a 15 de dezembro de 2022, Santana também reuniu com os presidentes de empresas de órgãos de comunicação social local e disse-lhes, timtim por timtim, como gostava do jornalismo, sustentável, tranquilo, menos ofegante e sem perguntas sopradas. Depois disso, só concede entrevistas ao Jot'Alves, do "jornal" Asbeiras que, não desfazendo, também são uns ícones, mas também não exactamente daquilo que eu chamo jornalismo.

Ou seja, a vida do senhor Santana Lopes na Figueira agora é um descanso e o seu desempenho na câmara municipal um passeio de fim-de-semana (sustentável, tranquilo, menos ofegante e sem perguntas sopradas).

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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Parabéns a vocês


 

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Hoje não há desenhos. Faço sessenta e dois anos.

O pugrama das festas é coisa pouca. Envolve, além de tentar não fazer nenhum corno durante todo o santo dia, um jantar lauto porém íntimo (só prá família e alguns amigos mais próximos) e depois cinema ao ar livre (no meu quintal, com projecção na parede cá de casa). 

O cartaz, escolhido pla mnha filha, inclui um filme de animação, A Sufi Tale, de Gayle Thomas; uma curta do Pasolini, La Ricotta, diz que com Orson Welles e, como pièce de resistance, As noites de Cabíria, do Fellini.

No mais, prometo portar-me bem. Estou de olho em vós.

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quarta-feira, 10 de julho de 2024

A ditosa pátria (farsa em três actos e uma cena triste)

 


Um tal estado de civilização faz gemer a moral

Stendhal



Um golpe palaciano derruba um primeiro-ministro eleito com maioria absoluta. Logo a seguir é-lhe oferecida de bandeja uma sinecura no estrangeiro. Ninguém se espanta nem melindra: nem os que o haviam sufragado há menos de dois anos e com o mesmo entusiasmo aclamam agora o seu adversário, nem o próprio, contentinho e convencido, o desinfeliz, de que terá caído para cima.

O golpe, um pouco subtil parágrafo final num comunicado, foi desferido a partir do palácio Palmela, pla mão de uma abadessa pesada e ríspida que, em seis anos de actividade nunca foi questionada por nenhum orgão de comunicação social – o que, se diz algo da inefável senhora procuradora, diz tudo da comunicação social portuguesa, corroborando aliás a constatação do alarve Cavaco de que "temos uma imprensa muito suave”. Quando finalmente se decide magnânima, a conceder uma entrevista, a matrona, imperturbada, dita a sentença do fundo da sua altivez inapelável: tudo está bem assim e não podia ser de outra maneira.

Entretanto, nas redes sociais, o povo baixo (como se lhe refere Ana Gomes, outra matrona inflexível, mas do entretenimento) o povo baixo, dizia eu, comove-se, arrepiadinho de fervor patriótico, com o capitão de equipa de futebol, um marmanjo quarentão e milionário que chora baba e ranho por tudo, por nada e porque falhou um penalty.

Em fundo, ouve-se um coro frouxo a marchar contra os canhões enquanto a bandeira verde-rubra esvoaça os seus simbolozinhos medievais.

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quinta-feira, 27 de junho de 2024

O calvário de Julien Assange

 Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. 

Todo o resto é publicidade

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Julien Assange está finalmente livre. Depois de treze longos anos de calvário. Em 2012 fiz-lhe este “retrato”, quando se encontrava confinado na embaixada do Equador em Londres e o seu calvário ainda estava no início. Depois, haveria de ser vergonhosamente entregue aos bifes e encerrado nas masmorras da pérfida Albion perante a indiferença cínica dos meios de comunicação a quem ele tinha oferecido gratuitamente notícias frescas e verdadeiras.

O mesmo país que se recusou a extraditar Pinochet para ser julgado no seu país e andou anos a ameaçar extraditar Assange para os Estados Unidos da América, onde se arriscava a uma pena perpétua, concedeu-lhe finalmente a liberdade; sob a condição de se considerar culpado... de ter violado a lei de espionagem – dos Estados Unidos da América.

É claro que Assange, como Galileu Galilei, confessou o “crime”: "Quando trabalhei como jornalista, incentivei a minha fonte a fornecer informações consideradas confidenciais para que eu pudesse publicá-las” e também pode ter suspirado algo muito semelhante: “e no entanto, são todas verdadeiras”.

Assange é aquele género de jornalista que além de publicar factos que são verdade, mesmo quando eles são muito confidenciais e a sua divulgação considerada muitíssimo inconveniente, também publica as provas.

- Sem Julien Assange, nunca saberíamos dos inúmeros crimes de guerra e violações dos direitos humanos perpetrados pelo exército e pelos serviços secretos dos Estados Unidos da América no Iraque e no Afeganistão, por exemplo.

- Sem Assange nunca saberíamos, por exemplo, que em Portugal, o presidente Cavaco deu aval à sórdida trasfega de carne humana para Guantánamo congratulando-se, na sua cândida e malévola imbecilidade, porque o país “tem uma imprensa muito suave.

- Sem Assange nunca saberíamos que os serviços secretos dos Estados Unidos Da América fizeram escutas secretas grosseiras e ilegais a estadistas de países aliados, como o Brasil ou a Alemanha, por exemplo.

- Mas Assange deu-nos a saber mais, muito mais, coisas que nunca saberíamos só pelos jornais. E até coisas que os nossos jornais, com os seus mui suaves critériosinhos d’oportunidade, nunca divulgaram; mesmo quando lhes foram oferecidas, de graça, por Julian Assange.

Eu, por exemplo, ainda estou à espera da lista dos “jornalistas” avençados do senhor Salgado. Bem sei que posso fazê-lo sentado; ainda que sinta que nunca estarei tão confortável e impassível como a nossa imprensa de referência a assistir ao calvário de Julien Assange.


Nota de rodapé: A frase em epígrafe é com frequência atribuída erroneamente a George Orwell. A citação também costuma ser atribuída a William Randolph Hearst. Porém, na referência mais antiga da citação de que se tem notícia (1918), a autoria da frase é desconhecida.

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segunda-feira, 10 de junho de 2024

Camões


Nunca vi coisa mais para lembrar, e menos lembrada, que a morte:

sendo menos aborrecida que a verdade, tem-se em menos conta que a virtude.

Luis de Camões



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terça-feira, 14 de maio de 2024

quatrocentas figueirinhas


 

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Esta figurinha, algo estouvada e petulante - que criei há uns anos para, do mesmo modo singelo e numa espécie de alegre crónica social e política, me poder ir divertindo com as bizarrias da vidinha pública na Figueira da Foz - perfaz hoje o bonito e redondo número de quatrocentas vinhetas. Podeis aceder a quase todas sob a etiqueta “charge”, na prateleira da barra lateral.

Trata-se da rubrica mais popular deste magnífico blogue (as estatísticas assim mo sugerem) e, em simultâneo, não menos estranhamente, a menos comentada. A mim, tal como ao personagem de Douglas Adams - o detective holístico Dirk Gently - “perturba-me imenso quando descubro que sei coisas que não sei porque sei”. 

De qualquer modo, é para continuar. A partir de agora numeradas. Espero que continuem a divertir-se tanto como eu – enfim, sem que a perturbação da perplexidade vos embote demasiado o riso, e o entendimento.

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terça-feira, 30 de abril de 2024

O generalínssimo


 

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(em memória de Augusto Cid)

Sempre que o general Eanes aparece na televisão, lembro-me do grande cartunista Augusto Cid (tão talentoso como reaccionário, benza-o deus) que, a partir de uma simples figura triste e medíocre - e apenas com o seu génio sulfuroso e implacável - criou dois dos mais inesquecíveis e majestáticos personagens da nossa democracia: O Superman e Eanito, el estático, cujos álbuns chegaram a ser apreendidos judicialmente e tudo.

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sexta-feira, 19 de abril de 2024

HEITOR CHICHORRO (07/07/1944 - 18/04/2024)


 

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O mundo está a ficar  mais imbecil e absurdo; e a vida, cada vez mais incompreensível e insuportável. Heitor Chichorro morreu ontém.

Não éramos muito próximos. A última vez que estivemos juntos foi quando, sempre pródigo e generoso, se deu ao trabalho de visitar a exposição que fiz no Tubo d'Ensaio de Artes, em 2012. Mas ia sabendo dele através do Facebook, onde ele partilhava algumas das suas maravilhas. Chichorro trabalhou sempre, até ao fim de uma vida admirável. Dono de um sentido de humor categórico e desinteressado, extravagante (pouco dado a reticências, eufemismos piedosos ou encomiasmos superlativos) tenho para com ele uma inesquecível, e impagável, dívida de gratidão, que expliquei aqui

Há poucos homens assim, que eu respeite sem reservas. Agora ainda menos.

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domingo, 14 de janeiro de 2024

O homem albardado


 

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Congressista: - Eu sinto e penso exactamente o que André Ventura pensa.

Entrevistador: E o que pensa o dr. André Ventura?

Congressista: - O André Ventura... Ele pensa... O que é ele deve pensar?... Eu não leio os pensamentos das pessoas.

Este “tesourinho deprimente” é bem capaz de ficar, para memória futura, como a marca registada do mais recente congresso do partido Chega. Trata-se de um retrato do corpo inteiro de um homem sem cabeça. A verdadeira imagem de marca do homem-Chega.

Mas a imagem visual deste curioso tipo de cidadão comum, um certo tipo de português médio – o homem albardado - tão acéfalo como candidamente orgulhoso e satisfeito – continua a ser o retrato gráfico, muito gráfico mas fiel, que reproduzo acima, desenhado à pena pelo grande Rafael Bordalo Pinheiro e publicado em 1880 no seu Lanterna Mágica.

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domingo, 17 de setembro de 2023

Fernando Botero (1932-2023)


 

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Lo que me interesa no son los seres, sino la manera en que sus volúmenes se inscriben en el espacio. Veo la vida en volúmenes.

Fernando Botero

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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Camilo e os (des)encantos do Porto patarata


 

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O Eclesiastes, no cap. 1º, falava profeticamente do meu Porto, quando escreveu: o número dos tolos é infinito.

Camilo Castelo Branco


A propósito da telenovela da remoção do monumento a Camilo, o mínimo que se pode dizer é que os portuenses actuais esforçam-se como nunca para merecer a opinião que deles tinha o genial escritor.

Quanto à minha opinião sobre o monumento de que tanto se fala, escrevi-a aqui, em 2016, numa pequena crónica a propósito de uma viagem ao Porto.

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domingo, 9 de abril de 2023

Notícias do (fim do) Bloqueio*

 

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Desde Março de 2020 que me era impossível partilhar o que edito neste blogue na rede social Facebook. Supostamente por que “outras pessoas” denunciaram o seu conteúdo como "abusivo.

Ora bem, o bloqueio que, sem aviso nem explicações, o Facebook infligiu a este pobre blogue foi, aparentemente, levantado. Fui alertado para tal por um leitor bem mais atento do que eu e fiquei, como calculam, encantado. E radiante. Este blogue está, pois, des-certificado.

Resolvi comemorar re-editando o mesmo desenho com que ilustrei a posta que, na altura, supus estar na origem da “denúncia por conteúdo abusivo”. Como podem ver, o desenho não perdeu pertinência nem actualidade, tendo em vista a mais recente performance do estado de Israel: o forrobodó nocturno promovido pelo senhor Benjamim Netanyahu na mesquita de Al-Aqsa.

Por tanto, a partir de hoje, os meus leitores do Facebook deixam de estar privados do acesso a outros tantos maravilhosos “links” para tantas outras não menos sumptuosas postas deste imarcescível blogue.

* com a licença (e um pedido de desculpas) ao poeta Egito Gonçalves

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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Isaltino ou o “perfeccionismo” vicioso


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Em 2017, Isaltino Morais tinha saído da Carregueira, onde havia cumprido uma pena de cinco anos, e preparava-se para se candidatar de novo à presidência do município de Oeiras. Na altura, editei esta mesma caricatura, ilustrada com a seguinte legenda: 

O candidato à Câmara Municipal de Oeiras disse a um jornal que, e cito textualmente: “a prisão deixou-me ainda mais preparado para ser autarca”. Assim. Nem mais nem menos.

Ora tomando como certo que foi a sua actividade como autarca-modelo que o deixou preparado para a cadeia, também será legítimo supor que, caso seja eleito, isso deixá-lo-á ainda mais preparado para voltar de novo à Carregueira, como detido-modelo. E assim sucessivamente. 

A vida de Isaltino é um círculo – vicioso; ou virtuoso, dados os seus pruridos de perfeccionismo e de excelência.”

Tal como receei, Isaltino foi re-eleito e depois re-re-eleito. Sempre com maiorias absolutas cada vez mais confortáveis. Todavia, como era também fácil de prever, está outra vez na iminência de ir dentro. Por prevaricação, outra vez. E outra vez por ter prejudicado a sua autarquia em milhões de euros. A vida de Isaltino é mesmo um círculo, patológico. Ou um circo triste. 

A verdade, porém, é que se houvesse justiça neste mundo, Isaltino não seria detido sozinho. 

Isto dito, é de acrescentar que é uma lástima que a maioria absoluta da população adulta de Oeiras não caiba, também, na Carregueira.

Porque é impossível que a complacência com o crime não seja tão eminentemente crapulosa como a conivência, ou a cumplicidade. 
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quarta-feira, 8 de junho de 2022

Paula Rego (1935-2022)


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“-O que a leva a pintar? Porque pinta?

- Pinto para dar face ao medo, como acabei de dizer a uma professora de Artes Plásticas que me fez a mesma pergunta.

– Mas hoje já não há medo aqui. Havia nos anos em que pintou estas obras?

Acha que não há medo agora? Não sente medo? Eu sinto.

– Sente medo ou medos, de quê?

– Sinto muito medo!”

 Paula Rego, ao “Correio da Manhã 

 

Paula Rego é alguém muito invulgar.
Como artista, é peculiar. Nestes tempos em que tudo é cada vez mais conceptual, Paula faz compulsivamente (com as mãos ambas) algo tão físico que já quase nenhum artista faz: desenhar.
Como portuguesa, também é uma excepção incaracterística: não faz aquilo que distingue os portugueses: rodriguinhos, eufemismos, paninhos quentes. Paula escarafuncha na ferida exposta com a curiosidade mais infantil, o rigor mais cirúrgico e o deleite mais conspícuo.

Paula não tem frio nos olhos. O seu trabalho tem uma característica manifesta que partilha com Picasso: uma consciente, sincera e explícita crueldade.
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Paula Rego morreu hoje, aos 87 anos, em Londres.

O desenho, tal como o texto, é de 2008.