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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Apeller un chat un chat

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Vasco Gargalo está a ser, ao que sei, ameaçado de morte. 
E quem é Vasco Gargalo’, perguntais vós. 
-Vasco Gargalo é um cartoonista. Alguém que faz desenhos.
E que desenhos faz Vasco?, perguntais vós. 
-Pois faz desenhos satíricos. Vasco faz caricatura, crítica social, sátira política, uma coisa que ele pensava (e tiens, eu também) que era razoavelmente tolerada e até legal neste país. 
E que é uma caricatura?, perguntais vós também. 
-Pois uma caricatura é um desenho exagerado. Funciona assim (enfim, maisoumenos): quando um artista quer realçar, ou tornar mais evidente, um facto, uma situação ou um pormenor, exagera-o quanto quiser, por vezes até ao limite do credível ou mesmo do absurdo. A quantidade de exagero permitida nesta arte é completamente livre, o que faz dela uma arte particularmente divertida (para quem faz e para quem aprecia) e por isso mesmo é habitualmente associada à categoria de humor – o humor gráfico. 
O humor, para quem não saiba, é um artifício da inteligência que permite a um espírito sensível identificar o mal – apontá-lo, (diz-se apeller un chat un chat) e assim lidar com o medo sem pânico, enfim, com alguma dignidade. Faz pensar. Por isso se diz habitualmente que o humor relativiza ou que rir é o melhor remédio. É evidente que para isto é necessário um certo desprendimento e um distanciamento de si próprio inacessíveis aos imbecis, aos muito crentes e aos prosélitos.
Em geral, no caso do humor gráfico, quanto mais exagerado for o desenho mais certeiro (melhor identifica o mal) e mais divertido se torna.
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Mas então que raio de desenho desmesuradamente exagerado fez o Gargalo que desencadeou tanto ódio? 
-Pois bem fez este que, quanto a mim, é um desenho que nem sequer é uma caricatura. Trata-se de uma simples ilustração. Mas uma ilustração talvez tão literal que não faz rir ninguém - nem os palestinianos, porque é trágico; nem os israelitas, porque é verdade; nem mais ninguém porque é trágico e é verdade - mas faz pensar. E é isso que desperta o ódio e a intransigência do senhor embaixador de Israel e da “comunidade judaica”, que pregam o anátema, o isolamento, o despedimento e até a morte do valente Gargalo que, como o menino do conto de Andersen, se limitou a dizer o que está à vista de todos mas ninguém quer encarar.
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Aqui há poucas semanas um clube de futebol espanhol, o Rayo Vallecano, também foi severamente punido pelas instituições que gerem esse desporto por alegada “intolerância” da sua massa associativa.
E que fez a massa associativa do popular clube de Vallecas?, perguntais vós.  
-Pois bem, chamou gato a um gato ou os bois pelos nomes - limitou-se a, em uníssono e alta-voz, chamar fascista a um fascista - a um fascista não presumido mas publicamente assumido.
Vivemos tempos terríveis. Os fascistas não gostam que lhes chamemos fascistas. O que faz pensar e não deixa de ser cómico. 
Por isso deixo aqui a minha solidariedade ao Vasco Gargalo e dedico este desenho, talvez também muito mais literal do que caricatural (que já tinha editado aqui), ao senhor embaixador do estado de Israel e à melindrosa “comunidade judaica”.
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E não, eu também não sou anti-semita. Anti-semita é o estado de Israel que - todos os dias e à vista de todos - tenta aniquilar fisicamente, até à extinção, um povo semita, o da Palestina.
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1 comentário:

cid simoes disse...

«Os tiranos não compreendem os poetas.
Quando os compreendem têm de os matar.»
Andreï Voznessenski


(e destruir tudo onde se manifeste sensibilidade e criatividade.)