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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Victor Hugo

 

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Como todos os pobres não tenho férias. Nunca tive. Não conheço locais longínquos e mais ou menos paradisíacos ou exóticos. ”Nunca lá estive”, como escreveu Joaquim Namorado a propósito dos mares do sul. Contudo, como também não sou inteligente, como Luis Buñuel, tenho muita imaginação.

Agora, por exemplo, estou em Noventa e três. 1793. O quinto ano da revolução francesa. O ano do terror e da guerra civil na Vendeia, orquestrada pelos monárquicos e financiada pela pérfida Albion e por todas as outras velhas monarquias da Europa.

“93 é a guerra da Europa contra a França e da França contra Paris. E o que é a Revolução? É a vitória da França sobre a Europa e de Paris sobre a França. Daí a imensidade desse minuto espantoso, maior que todo o resto do século.” E é o último romance (editado em 1874) desse génio de imaginação prodigiosa e verbo luminoso que é Victor Hugo.

Já estive na taberna da rua do Pavão e escutei Marat, Danton e Robespierre. E na Convenção que, logo em Janeiro, votou a morte do rei “Quem via a assembleia deixava de pensar na sala. Quem via o drama deixava de pensar no teatro. Nada de mais disforme e de mais sublime. Um monte de heróis, um rebanho de cobardes. Feras sobre uma montanha, répteis num pântano. Ali formigavam, acotovelavam-se, ameaçavam-se e viviam todos esses combatentes que hoje são fantasmas.” E já conheci o impiedoso marquês de Lantenac, o magnânimo Gauvin e o implacável Cimourdain e muitas outras personagens latejantes de vida saídas de uma pena incandescente de puro génio e fervilhante imaginação.

Por isto não estou cá. Tirei apenas uns minutos para rabiscar um retrato do velho mestre. Fui.

Se me procurarem digo como o abade Sieyés ao seu criado: ”Si M. de Robespierre vient, vous lui direz que je n’y suis pas. Estou em Noventa e três.

 

sábado, 23 de março de 2019

Serviço público.

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Os meus caminhos nunca vão dar ao casino (a qualquer casino). 
Hoje, por exemplo, os meus passos dirigir-me-ão ao Salão Brasil, em Coimbra. Para ouvir falar de humor, a sério. 
Cada um faz a sua estrada.
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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Porto, carnaval 2016

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Vejo agora que tanto as minhas viagens como o próprio acto de escrever têm sido maneiras de me evadir... Escrever é uma forma de terapia. Por vezes pergunto a mim próprio como é que aqueles que não escrevem, compõem ou pintam, conseguem fugir à loucura, à melancolia e ao medo inerentes ao género humano
Graham Greene, in Caminhos de evasão
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A páginas tantas de um dos seus magníficos romances, o escritor norte-americano Ross Macdonald põe na boca de um personagem esta frase notável: “não gosto da lei no seu estado primitivo actual”.
Tal como o personagem de Macdonald eu também não. Mas o meu triste descontentamento não se limita apenas à lei vigente, o estado da justiça - estende-se também ao actual estado primitivo de quase tudo, à realidade tout court. Este desconforto com o meu tempo deixa-me, não raro, prostrado num estado de melancolia para o qual só encontro paliativo através da arte ou da evasão - pela leitura ou pela viagem.
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Tal como em Graham Greene, a minha necessidade de evasão nunca é apenas uma fuga, mas também uma busca. Uma demanda, por vezes desesperada reconheço, de algo que eu próprio nunca sei. Talvez da surpresa. Do encantamento. Em todo o caso, de uma saída do beco absurdo em que desemboca por vezes um quotidiano obsessivamente ensimesmado.
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De modos que desta vez, para salvaguardar alguma sanidade mental e me livrar do espírito sazonal de uma cidadezinha de província possuída pela volúpia tropical de um carnaval de pacóvios, dei uma escapada ao Porto. Há alguns anos que lá não ia.
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Encontrei-o como de costume, com o seu ar grave e sério, e o seu timbre pardacento
Mas isso é só por fora. Por dentro é outro o filme: parece um de Fellini. Penso que foi outro italiano, Nicolo Nasoni, que melhor lhe soube captar o espírito, na sua obra mais acabada. O Porto é como a igreja dos Clérigos: austero e bruto por fora, feito quase só de pedras sujas e gastas; por dentro é feérico e barroco, repleto de artifícios engenhosos e alusões subtis, e de mármores rosas e verdes e de madeiras exóticas talhadas até à abstração e revestidas de ouro do Brasil.
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Este espírito encontrei-o na impávida espampanância do voo dos pavões do Palácio de Cristal, do alto dos cedros do Líbano para os jardins, onde passeiam a sua exuberância tranquila entre os visitantes. Mas também nos portuenses, na maneira como falam e como gostam de se ouvir dizer tudo com um humor rebarbativo, sem eufemismos nem concessões ao recomendável.
Não gostei da progressiva gentrificação da baixa e da ribeira, tomadas pelo espírito gurmê e pelos turistas (chineses, espanhóis, brasileiros) nem de alguns atentados ao bom gosto e ao bom senso, como por exemplo o execrável monumento a Camilo Castelo Branco, em frente à Cordoaria e à Cadeia da Relação, que é um  escarro na memória do genial escritor: os portuenses deviam envergonhar-se de exibir uma merda tão infame e grotesca, pastiche notório e mal enjorcado da bela peça de escultura que Teixeira Lopes (um portuense) dedicou a Eça de Queiroz.
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Mas quanto ao espírito de Carnaval, o verdadeiro espírito de Carnaval, também o encontrei no Porto. Foi essa a surpresa desta viagem. E curiosamente, ou talvez não, numa exposição de arte sacra.
No espaço das antigas sacristias da igreja dos clérigos está uma bela exposição de pinturas e esculturas oriundas de várias proveniências do norte da península, sobre o corpo de Cristo - o Corpus Christi. Foi lá que, entre dezenas de peças medievais, renascentistas, barrocas, neo-clássicas, de pau, de pedra, de marfim, até de jade, representando o corpo nu de Cristo na cruz, encontrei a pequena obra, que reproduzo acima, da autoria de um obscuro e hoje anónimo artista medieval, talvez portuense.
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A obra representa o mistério central do Cristianismo e um dos seus dogmas fundamentais: a Santíssima Trindade. A crença no mesmo deus, dividido em três pessoas; o pai, o filho e o espírito santo; "é o Pai quem gera, o Filho quem é gerado e o Espírito Santo quem realiza".
O artista construiu a sua peça numa estrutura piramidal, como era o cânone medieval. No entanto a seriedade do dogma parece-me desde logo comprometida pela factura ingénua, de cunho popular, quase infantil, e pelo estranho eixo diagonal em que dispôs os personagens, que introduz a falha que desequilibra todo o conjunto.
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Deus pai, o criador coroado – de olhar algo perplexo e sorriso meio aparvalhado, cujo imenso corpo ocupa toda a composição, coberto por um  imenso manto apenas esboçado - segura com as mãos ambas e entre os joelhos, apenas sugeridos, a cruz com o corpo de seu filho morto; entre as cabeças de ambos, nesse estranho eixo diagonal, paira esse bizarro pássaro surrealista que é o espírito santo – como que sublinhando o cómico, ou o absurdo, da situação.
É esta revelação, ou exibição, pública do absurdo, através da imaginação, do humor, da derisão e da subversão dos códigos aceites, que relativiza o absoluto e que eu chamo espírito de Carnaval.
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O artista parece ter sido inspirado pelo espírito santo, pois a sua obra chegou incólume até nós. Mas o seu espírito também; continuou a inspirar Rosa Ramalho, Mistério e todos os outros oleiros ainda activos em Barcelos, seus bastante óbvios e legítimos descendentes, ou herdeiros.
É Carnaval, ninguém leva a mal. Pelo menos o espírito santo não tem levado.

Já quanto a Deus, não estou certo que tenha sequer pisgado alguma coisa.
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terça-feira, 9 de julho de 2013

ó pra mim, entre as individualidades e os artistas

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No passado dia 6 desloquei-me a Vila Real para assistir à inauguração das exposições do XV Salão Luso-Galaico de Caricatura (a dedicada à obra, notável, do artista homenageado, (António Santos) Santiagu, que integrou o júri, e a dos participantes no concurso deste ano).
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Gostei muito da estadia em Vila Real, cidade que já não visitava há mais de vinte anos. Há coisas que mudam para melhor. E viajar é sempre refrescante. Apesar do tempo de ananazes.
Saindo da sufocante vil tristeza figueirense, vi um comércio tradicional ainda vivo, à moda antiga, apesar das dificuldades. E, juro que não foi insolação, eu vi, claramente visto, na Rua Direita: num limite de trinta metros, três, digo 3, livrarias, abertas. Ainda nem acredito.
Mas as noites também são refrescantes e serenas, perfumadas pelas tílias que agora estão em flor.
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No dia seguinte depois do almoço (tripas aos molhos, um acepipe local) vim pela Régua, pla estrada Nacional, para desfrutar da magnífica paisagem Património da Humanidade. À chegada a Lamego vinha a arfar (não sei se do síndroma de Stendhal que me acometeu na descida, à vista dos socalcos, se dos quarenta e cinco graus de temperatura). Estrelavam-se ovos no granito da praça se se quisesse, mas não me apeteceu. Virei costas à senhora dos remédios e fui visitar o museu, instalado no antigo Paço Episcopal. Aí fiquei mais de uma hora e três quartos, deambulando, na penumbra, entre pedras antigas ou arquejando, especado, diante dos Grão Vasco, a beber água. Também foi refrescante.

Da esquerda prá direita: - Melchior Moreira (Presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal),
Pedro Ramos (Presidente da Assembleia Municipal de Vila Real), Rui Duarte (3º Prémio),
Pedro Manaças  (Prémio Especial Júlio Montalvão Machado), António Paiva (Prémio Especial Benito Losada),
Fernando Campos (Prémio Especial Correia Dias), Manuel Martins (Presidente da Associação Douro Alliance, organizadora do evento e Presidente da Câmara de Vila Real), 

Rui Pimentel (1º Prémio), Omar Perez (2º Prémio)
e Osvaldo Macedo de Sousa (Director Artístico do Salão Luso Galaico de Caricatura)

Ah, em Vila Real também estive presente na cerimónia de entrega dos prémios, onde tive a honra de receber, das mãos de Pedro Ramos, presidente da Assembleia Municipal, um galardão recentemente instituído pelo júri, o Prémio Especial Correia Dias, que muito me desvaneceu.
Vai daí, decidi também eu conceder neste blogue um espaço à vanglória e (porque não) à calúnia social, tão do agrado das classes baixas (e também das ociosas). Mas em plena silly season, em tempo de pedros & paulos, decidi ainda assim manter a coisa num nível aceitável: por isso, contentai-vos em olhar pra mim, entre as individualidades e os artistas premiados. A foto é daqui..


domingo, 18 de novembro de 2012

Bordalo e moi, ó pra nós

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Em vésperas de inaugurar uma exposição de caricaturas e de esculturas estive recentemente nas Caldas da Rainha. Em busca de, enfim, algo muito específico para construir uma das minhas últimas peças.
A cidade continua um manancial para a arte portuguesa, cultivando a sua tradicional relação electiva com a escultura e com a cerâmica: o jardim de água, de Ferreira da Silva, o belo parque e as suas esculturas, o magnífico Museu Malhoa, o de Barata-Feyo e o de António Duarte, a arte popular, etc, etc....
Apesar de ter chegado em dia de feira da fruta não pude deixar de visitar o maior artista português de todos os tempos, e assim, de certo modo, pedir-lhe a bênção.
Embora aqui ele ainda esteja um pouco por todo o lado, encontrei-o no Museu Malhoa, na ante-câmara da sala consagrada às suas notáveis terracotas da Paixão de Cristo.
A minha filha, que sabe do apreço que lhe tenho, quis fotografar-me com ele. Lá posei, o mais dignamente que me foi possível, um tanto contrito e intimidado, para gáudio de Bordalo que, por detrás do monóculo e do bigodão, parece particularmente divertido.
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O sinal do extintor não é montagem, estava mesmo lá e acho muito bem (sei aliás que o Tubo d'Ensaio d'Artes também está devidamente munido destes competentes apetrechos) porque, como é sabido, a alta concentração de agentes fortemente corrosivos pode ser potencialmente incendiária. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Uma pedra no meio do caminho

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Por vezes encontro. Mesmo quando não procuro.
Isto é, quando em viagem, não ando propriamente em busca de objectos para elaborar mais uma das minhas composições com achados. Todavia, eles aparecem-me, como revelações. As suas presenças fortemente sugestivas e insinuantes impõem-se-me, como uma lógica irresistível.
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Foi o que me aconteceu na praia dos buizinhos, em Porto Côvo. 
Achei lá este seixo que não é apenas uma pedra. Isso é simplesmente o que parece a basta genteA mim parece-me muito mais. 
Quanto mais olho para ele mais me parece um óbvio Stº António.
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- Que andaria ele a pregar aos buizinhos, na praia de Porto Côvo?
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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Sines, 2012


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Estive em Sines. Festival de Músicas do Mundo, dizem eles. 
Três dias bem passados (muita boa música e outra que nem tanto) que foram uma revelação. Julgo ter descoberto finalmente porque nada muda neste país: o acrisolado amor da juventude portuguesa pela navegação em água choca, à bolina.
Eu explico.
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À semelhança de outros festivais de Verão o de Sines, supostamente de músicas alternativas e sem rótulo, também é promovido por uma marca de bejecas - o seu logo rutila, luminoso, no interior das muralhas da casa de Vasco da Gama, o seu castelo e palco da ocorrência.
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Ao contrário da minha geração para quem, em eventos do género, a opção óbvia era furtiva e por substâncias voláteis e proibidas, a este festival acorre uma outra que exibe, a céu aberto, uma afirmativa preferência pelo consumo imarcescível de substâncias entorpecentes líquidas - sobretudo por uma, alcoolizada, gaseificada, amarela e autorizada. Transportam-na deleitados, ao sol, pelas ruas, pela praia e até durante os concertos, em garbosas e ambarinas litrosas que partilham a toda a hora em equitativos copinhos de plástico - é nessa espécie de caldo amniótico açucarado e viscoso que marinam, durante os dias do festival, os cerebrosinhos de toda uma geração que nada questiona e nada quer mudar - o que a move não é a insatisfação ou a luta; é o querer esquecer, a simples evasão.
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Não admira pois que todo este beautiful people fique indiferente às provocações assertivas do sarcástico e genial Socalled, ao verbo barroco do brasileiro Lirinha ou aos conselhos avisados do venerável Hugh Masekela, por exemplo, mas exulte num transe eufórico e colectivo à mais pequena distorção, curto-circuito ou aumento de decibéis. 
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É aliás o mesmo transe hipnótico e embrutecido que o faz, au petit matin (às quatro da madrugada), caiar de mijo infecto a muralha do castelo e pavimentar de vomitado ignóbil o calçadão da praia; enfim, são os custos da abulia colectiva - que não parece perturbar muito os pruridos de higiene pública dos poderes instituídos – o alto-patrocínio da marca das bejecas deve compensar todos os incómodos e até as despesas.
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Aos leitores precipitados: não sou dos que pensam que no meu tempo é que era. Nada disso. A minha geração, por exemplo, é o caso típico de uma geração que nunca o foi: uma geração que se deixou representar por um José Sócrates, um Passos Coelho, um Relvas, um Viegas ou um Paulo Portas.  Um verdadeiro coio de indigentes, portanto. O meu lamento é a constatação límpida que esta vai pelo mesmo caminho: o da evasão e do esquecimento.
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A foto que ilustra esta posta tirei-a numa rua de Sines esta semana. Creio que ilustra também, de certo modo, o ponto em que estamos. Todos.
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sábado, 7 de agosto de 2010

Coluna social


O confesso autor deste blogue acaba de chegar ao remanso do seu lar após uma curta viagem de quatro dias por terras de S. Tiago, onde se entreteve a perscrutar o melhor possível os mais recônditos recôncavos e outros graníticos refegos da sempre verde e muito recortada faixa litoral desta região da península.
.É evidente que a viagem não se limitou a estas judiciosas observações nem a outras muito circunspectas libações albariñas ou à mariñeira.
Também teve o seu lado cultural. Mergulhou no país profundo do autor de “Mazurca para dos muertos”.
Conheceu um tal de “Ribeiro”, um branco muito seco da região de Ourense que faz estalar qualquer língua, mesmo uma portuguesa.
Visitou a cidade de Rosalia e a Fundação de Camilo José Cela, onde estão todos os manuscritos da sua obra (Don Camilo nunca tocou numa máquina de escrever; em “Ofício de tinieblas 5” chegou mesmo a nem sequer usar o ponto final) e, em dia de mercado, junto com duas sacadas de pimientos (dos que picán e dos que nón) também trouxe uma belíssima cabeça esculpida em granito natural, adquirida a um generoso escultor popular numa estrada perdida a caminho de Padrón.
Também adquiriu um cajado de peregrino, embora tenha evitado rigorosamente Compostela (o que se deveu tanto a uma manifesta incompreensão dos fenómenos religiosos, como a uma assumida fobia de multidões).
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De regresso ainda viu, de longe, o Gerês a arder. De caminho, visitou o Festival Internacional de Jardins, em Ponte de Lima, que também é sempre um espectáculo.
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Já vinha cansado e rabugento, por causa de uma tenaz e excruciante dor nas costas, quando de repente tudo se dissipou: chegado a casa, foi recebido em efusiva aclamação (e unanimidade) pela sua cadela Colombina, que tinha ficado de guarda aos seus vastos domínios.
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Ligada a net para saber as novidades, ficou a saber das mais recentes trapalhadas da política local, das palermices provedoras da blogosfera figueirinhas e desta boa notícia, a primeira em muitos meses.
Foi então que se lembrou de Camilo José Cela e de uma frase que foi insígnia do seu brazão de marquês de Iria Flavia: el que resiste, gana.
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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Esperando o sucesso (apontamentos de viagem)





O Museu Soares dos Reis é um dos meus museus de arte preferidos. É natural que, estando no Porto e tendo tempo, tenha aproveitado para o revisitar e, de caminho, mostrar a minha filha um dos mais notáveis acervos da arte portuguesa do século dezanove (mas não só).
Foi neste museu, beneficiado aquando das obras do Porto 2001-Capital Europeia da Cultura, que descobri fascinado há mais de vinte anos, uma preciosa colecção de enormes desenhos a carvão de Abel Salazar. É ali que estão, (entre outras, Silva Porto, por exemplo) a obra completa (pintura) de Henrique Pousão e do escultor António Soares dos Reis (de quem fotografei, obviamente sem flash e sob o olhar benevolente mas circunspecto da vigilante, um pormenor de o desterrado).
Noutro qualquer país o público formaria filas intermináveis à porta de um museu destes para ver artistas assim.
Pousão morreu muito jovem, tal como Soares dos Reis. Um, de doença contagiosa; o outro com dois tiros na cabeça: ambos desterrados na sua terra e incompreendidos no seu tempo.
E contudo eu não acho estranho que ainda assim continuem: “esperando o sucesso”, cem anos depois e apesar de os dois juntos, cada um na sua arte representarem o cume da arte portuguesa de novecentos.
Apesar de vivermos o ano Pousão, é uma lástima que a grande exposição comemorativa dos 150 anos do pintor (antológica e de homenagem) tenha encerrado em Junho(!).De maneiras que tive o museu só para mim. Obviamente escoltado por vigilantes diligentes, foi óptimo para a minha fobia de ajuntamentos. Mas quando saí para a rua, para o sol de Agosto, vinha tomado por uma estranha e indisfarçável melancolia.
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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A retoma



Após alguns dias de um revigorante dépaysement (o Porto, o Douro e o Gerês), propositadamente afastado da Figueira e da bloga, eis-me de regresso.
Just in time. A silly season está no auge.
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Ao alto um carvalho, no lugar de Assureira, no Gerês, perto da ruína de um magnífico banco de granito, que a incúria e o mais insano desleixo deixaram chegar à decrepitude, com a seguinte inscrição, gravada numa placa de bronze (ainda) intacta: “EM UMAS TOSCAS PEDRAS QUE OS FREQUENTADORES DO GEREZ CHAMAVAM OS BANCOS DO RAMALHO COSTUMAVA VIR AQUI SENTAR-SE LENDO E ESCREVENDO O NOTÁVEL ESCRITOR JOSÉ DUARTE RAMALHO ORTIGÃO QUE TANTO HONROU A SUA TERRA E TANTO QUIS A ESTA REGIÃO A SOCIEDADE DE PROPAGANDA DE PORTUGAL NO MESMO LUGAR MANDOU LEVANTAR-LHE ESTA SINGELA HOMENAGEM DELINEADA PELO ARQUITECTO RAUL LINO DE LISBOA NO ANO DE 1920”.
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Por mais que deambulemos, é impossível escapar à irremediável, iniludível e ufana vitória da estupidez, cujos sinais estão por todo o lado. Até nos mais insuspeitos lugares.
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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

a cidade e as serras (II)

O texto que se segue é, como prometido, o resto da estória da minha viagem ao Lorvão, no regresso de Penacova.


(o "cadeiral" do coro)

De visita ao Mosteiro, por entre os urros que me chegavam do hospital psiquiátrico (que ocupa uma das suas alas), lá fui ouvindo a ladainha amargurada do guia e pude constatar in loco o estado de abandono do património e da cultura no país berardo do faz de conta que é modernaço, que quer avanços tecnológicos e até arte contemporânea (!).
Eu vi, de um órgão com 61 registos e duas fachadas opostas, apenas o rococó decrépito das fachadas.
Vi um claustro destroçado e decadente.
Vi duas telas enormes (uma delas representa Stª Teresa, filha de D. Sancho I), “acabadinhas de chegar do restauro”, encostadas no chão a uma parede e já manchadas pelos dejectos dos pombos.
Vi, numa sacristia, um sórdido caos de dezenas de telas, tábuas e esculturas (dos séculos XIV a XVIII) a precisar de restauro, talvez já impossível.
Vi, no cadeiral do coro, em nogueira e jacarandá negro do Brasil, uma parte deteriorada por um incêndio em 1970(!) e nunca recuperada.
Vi na sala do capítulo, entre pó e teias de aranha, em vitrina carcomida pela traça, uma Custódia em prata, entre outros tesouros mais ou menos deteriorados.

Bem se vai para fora , fica-se mal por dentro.
Mas eu recupero.
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quarta-feira, 25 de julho de 2007

A cidade e as serras (1)

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(o mondego do mirante Emygdio da Silva, Penacova)
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No passado fim-de-semana estive fora. Penacova. Apenas a três quartos de hora da Figueira da Foz e é, de certo modo, um outro mundo. Longe do sambódromo oceânico e pacóvio da marginal, do rotineiro turismo do pneu e da distorção esgalhada e adolescente de Brenha em chamas. Ou labaredas. Ou isso.
Sossego. Calma. Volúpia.
Uma paisagem que respira, embora já ameaçada pela invasão do eucalipto, poupada ainda pela especulação imobiliária.
Uma praia fluvial preciosamente cuidada e, entre duas margens magníficas o belo Mondego, onde se pesca, se nada, e se pratica desportos como vela, remo, canoagem, wind-surf e sky aquático (a montante, na Aguieira).

(os moinhos de Gavinhos)

Claro que para além disto e da bela pérgola de Raul Lino com a sua vetusta e soberba glicínia, da paisagem deslumbrante que se avista do mirante Emygdio da Silva, de uma delicada exposição de pintura, nos Paços do Concelho, também me deparei com horrores e perplexidades.

Como por exemplo, na reabilitação urbana da cidade, pequena, de ambiente bucólico e com uma história vetusta de construção em pedra e madeira, o uso maciço e abusivo do cimento, da pedra “reconstituída” e do aço inox. Duvidoso e deplorável. O triste equívoco entre reconstrução e restauro (exemplo conhecido: o Paço de Tavarede) exibe um país no qual a construção não tem lugar para construtores, apenas para pedreiros e empreiteiros. De engenheiros estamos conversados.

Mas, já no regresso e após visitar, em Gavinhos, os seus moinhos e de outra vez desafiar o fôlego com outra visão soberba de campos, pequenos povoados e de serras diluídas na neblina do horizonte, aguardavam-me verdadeiros horrores, no Lorvão.

Em breve contar-vos-ei.

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