quinta-feira, 30 de junho de 2022
quarta-feira, 29 de junho de 2022
terça-feira, 28 de junho de 2022
sábado, 25 de junho de 2022
O sentimentalismo Osório
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O
sentimentalismo, em Portugal, não é uma mera forma de expressão. É a
expressão do eu em todas as suas formas – quase sempre enquistadas,
porém melífluas, repenicadas, delicodoces, xaroposas.
Na
literatura, o género, que já exasperava Herculano, tem sido detractado,
com mais ou menos virulência, desde pelo menos Cesário Verde até Alberto
Pimenta. Por motivos diversos, como é óbvio (Agustina, por exemplo, considerava
que a exploração do sentimento era um artifício fácil e,
como tal, vulgar, pouco elevado, até mesmo desonesto e estendia
generosamente esta sua implicância à música, a mais emocional das
artes, que também não poupava nos seus sibilinos, mas abrasivos, comentários).
O
sentimentalismo foi, no entanto, sublimado por outros de não menor talento e
atingiu os píncaros, no cânone da língua, com Antero, António Nobre (a nossa
melhor poetisa, no parecer de Pascoaes) ou Florbela Espanca (Camilo é um
caso à parte - condenado à vida a viver do sentimentalismo,
apenas com o seu humor sombrio, um génio explosivo, um sarcasmo inflamável e um
vocabulário incandescente e rebarbativo, ele criou toda aquela pirotecnia
exuberante que transfigurou o género - em algo completamente diferente –
numa espécie, ora abertamente equívoca, de recalcitrante comédia negra;
ora veladamente explícita, de impenitente tragédia bufa).
Ou
seja, o sentimentalismo atingiu altos padrões estéticos sempre que foi
tocado pelo génio – como o de Antero, tomado pela vertigem do absoluto;
ou o de António Nobre, contagiado pela derisão e pela auto-ironia; ou o de
Florbela, possuída pelo destrambelho associal e pla ousadia sequiosa de
infinito.
Nos nossos dias, o sentimentalismo é ainda bastamente cultivado, por exemplo por Valter Hugo Mãe ou António Lobo Antunes; mas só triunfa realmente fora do âmbito da literatura – por todo o lado, no jornalismo, na publicidade e até na comunicação política. Mas é sobretudo quando rasteja, isto é, quando é tocado pela canalhice e pela mediocridade – pla vulgaridade dos métodos e pla baixeza dos propósitos - que ele ganha asas, muitos laiques, compartilhamentos e comentários aprovadores e entusiasmados nas redes sociais e a consagração da popularidade. Um dos mais garbosos praticantes desta modalidade é Luís Osório.
E
quem é esse Osório? Perguntais-vos vós.
-
Bem, Osório é um xcritor e jornalista que escreve livros, embora
o que ele escreve não se enquadre exactamente naquilo que se chama literatura,
ou jornalismo. Osório tornou-se conhecido por ter escrito um livro sobre o pai
e um sobre a mãe (o pai foi um comunista e homossexual que enfrentou a morte,
de fatal doença contagiosa, com valentia e dignidade - a mãe foi uma senhora
que escolheu dar-se a própria morte) nos quais chafurdou, sem escrúpulos nem
pudor, na vida e intimidade dos progenitores e se empenhou em demonstrar,
contra todas as naturais expectativas, a nulidade do legado dos genes e a
inexorabilidade da redenção, isto é, do final feliz (o busílis
deste género de sentimentalismo) - pois ele próprio (tudo o que
Osório escreve é eminentemente sobre si mesmo) é hoje um perfeitamente
convencional chefe de família, feliz pai de três pimpolhos perfeitamente
convencionais e perfeitamente integrado na boa sociedade e no regime,
porque até já “participou em
comissões governamentais, já coordenou a comunicação política de uma campanha presidencial e
até é consultor empresarial” e tudo (tudo feitos fora do alcance de
qualquer vulgar filho-de-comunista, ou filho-de-comuna de lineu, como é sabido).
Além disto, também dirigiu jornais, uma estação de rádio e até já
imaginou um programa de televisão e dirigiu uma vez uma peça de teatro. Hoje
escreve postais diários, no face book. Crónica social e tal.
Mas
senhor, porque vos agastais tanto com tal prosa, se não há nenhum
motivo para que a continueis a ler, pensais vós.
-
Pois pensais muito bem, jamais leria tais postas de merda se, em verdade vos
digo, elas me não aparecessem, continuada e impunemente - para que as
beba com os olhos, como dizia Fernando Pessoa - escarrapachadas no meu
mural, piedosamente compartilhadas por alminhas devotas do santo sentimento. E
se, quando assombrado com água benta, umbiguismo e presunção, não se
apoderasse de mim, como de Luis Buñuel e do divino marquês, uma “cólera
divina”. Aí tendes dois porquês.
E
como é que ele faz para cativar aquele público (cada vez mais vivo, numeroso e
ávido do que nunca) que esmifrou o génio do Camilo e lhe abrasou a visão e a
mioleira? Perguntais-vos vós adredemente.
- Pois bem, titila-lhe a glândula túrgida da sensibilidadezinha à flor da pele, comicha-lhe a mucosa do ego empático e inflama-o, insinuante e insidioso, com frases curtas, doces evocações, exemplos melados, conspícuas revelações, inconfidências exclusivas, com muito enfoque nos bastidores, no episódico, no anedótico (em momentos, pormenores, detalhes, pequenas circunstâncias) sempre muito pessoal, muito intimista, muito sofrido, muito visceral, muito pungente, muito comovido, muito lacrimal, muito piegas, muito coscuvilheiro, muito lambe-cus, muito mórbido, muito enjoativo, muito repugnante. Tudo isto sobre um fundo de moralzinha mui serôdia e fraldiqueira coberto por um manto diáfano aparentemente desempoeirado, quase progressista, mas suficientemente palatável para o leitor que se comove por-tudo-e-por-nada e se deleita em baba e ranho mas não se engulha demasiado com o artifício fácil e com o senso-comum reaccionário e conformista, desde que venha tudo embrulhado em vocabulário muito mais acessível.
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quarta-feira, 22 de junho de 2022
segunda-feira, 13 de junho de 2022
quarta-feira, 8 de junho de 2022
Paula Rego (1935-2022)
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“-O que a leva a pintar? Porque pinta?
- Pinto para dar face ao medo, como acabei de
dizer a uma professora de Artes Plásticas que me fez a mesma pergunta.
– Mas hoje já não há medo aqui. Havia nos
anos em que pintou estas obras?
– Acha que não há medo agora? Não sente
medo? Eu sinto.
– Sente medo ou medos, de quê?
– Sinto muito medo!”
Paula Rego, ao “Correio da Manhã”
Paula Rego morreu hoje,
aos 87 anos, em Londres.
O desenho, tal como o
texto, é de 2008.
terça-feira, 7 de junho de 2022
quarta-feira, 1 de junho de 2022
sexta-feira, 27 de maio de 2022
domingo, 22 de maio de 2022
sexta-feira, 20 de maio de 2022
O senhor director-geral do jornalismo-de-merda
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Se, no panorama mediático português, o triunfo do jornalismo
de merda é um facto incontestável, também é inegável que o campeão nacional
absoluto deste cada vez mais sórdido campeonato é a Sociedade Independente de
Comunicação (SIC) – isto é facilmente atestável pela reiterada liderança nas
audiências, ou seja, pelas preferências do mercado perdão, do
público pelo género.
Ora, as vitórias não se conquistam sozinhas. Qualquer
equipa vencedora precisa de alguém infinitamente capacitado que a dirija. A SIC
tem. Tem um presidente e enfim, toda uma classe dirigente. Mas,
sobretudo, tem um director-geral.
O presidente (ao qual já me referi aqui) é também o
fundador de todo o empório de empresas de entretenimento e comunicação, a
Impresa, da qual a SIC é apenas uma parte. O jornal “Expresso” é outra.
O director-geral é Ricardo Costa. É ele o
responsável por toda a informação do Grupo Impresa. Ele próprio é jornalista,
daquele género de jornalismo que não reporta factos porque os interpreta
sempre ao seu jeito auto-satisfeito, de pitonisa que rejubila com
a sua própria facúndia de advérbios e, sobretudo, de adjectivos.
É ele o special-one. É ele que escolhe os pontas-de-lança, os médios volantes,
os defesas centrais e até os apanha-bolas de uma equipa que não tem
concorrência, isto é, é ele que contrata os editorialistas, os comentadores, os
especialistas, os correspondentes, os enviados-especiais e até os
repórteres de rua do jornalismo-de-merda. É ele que decide do critério dos
destaques, da pertinência dos directos, da conveniência das entrevistas, da relevância
dos convidados e até, talvez, da griffe ou da lingerie das apresentadeiras.
É ele o cérebro, o mentor, da táctica e da estratégia de uma poderosa e
irredutível máquina de imbecilizar.
--
A propósito de classe dirigente, quando me dispus a
ilustrar com outros tantos textos coloridos o meu álbum de 125 caricaturas “os
rostos da classe dirigente”, tive que me pôr em campo, a investigar.
E nas minhas pesquisas sobre o modo como estes sujeitos se vêem a si próprios e
como se apresentam, deparei-me com o facto surpreendente de quase todos eles
cultivarem uma curiosa e obsessiva fixação na genealogia e nos mistérios
das linhas, por vezes cruzadas, do parentesco. Um fenómeno que, receio,
seja quase tão caricato como revelador da perenidade de um certo espírito na
psique das nossas elites: cem anos depois da implantação da República e
cinquenta depois do 25 d’Abril, a nossa inefável classe dirigente
continua impávida, a nutrir o mesmo prurido de sempre por pergaminhos de antiga
fidalguia.
Para ficar apenas no universo da Impresa, o seu
próprio presidente, Francisco Pinto Balsemão, por exemplo, é um orgulhoso “trineto de um filho bastardo d' el rei D. Pedro
IV”; Maria João Avillez, antiga jornalista-vedeta do jornal
Expresso, é a ufana filha de um senhor que “é bisneto
do 8.º Conde das Galveias e trineto do 1.º visconde do
Reguengo e 1.º Conde de Avillez, e de sua mulher que é prima
de Sophia de Mello Breyner. É irmã da jurista e antiga política
centrista Maria José Nogueira pinto, cunhada de Jaime Nogueira Pinto
e prima-irmã da mãe do jornalista Martim Avillez Figueiredo”, e José Miguel Júdice, actual
comentador na SIC-notícias, é o garboso filho de um senhor “de
ascendência italiana por quatro linhas, uma delas por varonia, e de ascendência
holandesa por duas linhas, e de sua mulher, de ascendência espanhola, britânica
e italiana, sobrinha-neta por via matrilinear do primeiro visconde de
Leite-Perry.”
Este não é, no entanto, um fenómeno circunscrito à facção
mais, digamos assim “à direita” da nossa classe dirigente - também
afecta personagens insuspeitadas, até associadas à maçonaria e ao velho
republicanismo. O poeta Manuel Alegre, por exemplo, é o satisfeito “neto
paterno da primeira baronesa da Recosta, filha do primeiro barão de Cadoro e de
sua primeira mulher, filha do primeiro visconde do Barreiro”.
Gostaram? Não
é tão ternurento? Quase tanto como constrangedor. São
coisas destas que reforçam o sentimento de que não há força que retorça
os reais fundamentos de uma nação velha e relha como a nossa.
Mas ainda descobri mais. E este é um facto novo - mais um que
também corrobora o poeta Camões quando ele diz (à sua maneira, claro) que ah
e tal nesta choldra tudo muda a toda a hora menos as mentalidades - atenção,
por tanto, sociólogos que me leis.
Em Portugal ninguém diz que é comunista. A menos que o
seja, claro. Ser comunista em Portugal nunca foi um bom quesito para arranjar
emprego nem, muito menos, para ter posição. A verdade, porém, é que (e
este é que é o facto sociológico novo) ser filho-de-comunista é completamente
diferente. Agora é pergaminho recomendável, tesourinho genealógico,
eu sei lá, dá “pedigri” para as mais altas esferas ou posições
(é evidente que isto não é para todos os filhos dos comunistas. Os felizes
contemplados são apenas aqueles que juram a pés juntos e com as mãos postas
que a OTAN é uma organização pacificódefensiva, que comprovadamente
viram a luz do liberalismo e dos santos mercados e que abjuraram
publicamente as convicções paternas, como é óbvio). O actual primeiro-ministro,
por exemplo, é um filho-de-comunista; o actual ministro das finanças também; e
o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa idem, e ainda há
muitos mais, no público e no privado (não do mesmo comunista, claro, que os
comunistas também não são de ferro). É também o caso de Ricardo Costa,
o senhor director-geral da informação perdão, do jornalismo-de-merda
do Grupo Impresa, (mas este é realmente uma excepção: o autor dos seus dias por
acaso é mesmo o mesmo comunista que inventou os do actual
primeiro-ministro).
Mural da História - em jeito de nota-de-roda-pé mas em
francês (com perdão ao poeta Luiz Vaz e aos leitores mais sensíveis):
se há comunistas que podiam bem ter feito uma
punheta, também há comunistas que bem podiam ter feito duas.
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terça-feira, 17 de maio de 2022
O ponta-de-lança Rogeiro
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Os tempos que vivemos são os do triunfo, em toda a linha, do jornalismo de merda. Todos os meios de comunicação se disputam, até à abjecção, por servir uma informação acanalhada, truncada, parcial, simplificada, peneirada, paternalista, adocicada e sentimental. Sem escrúpulos nem pudor.
O objectivo, não confessado, mas professado, é rebaixá-la o mais
possível ao nível mínimo de mediocridade que eles julgam palatável ao
seu público alvo. Para tal, o complexo simplifica-se até ao esquemático;
o óbvio discute-se até ao ridículo; estimula-se a irrelevância até ao absurdo e desdenha-se a notoriedade até à humilhação; o belo, avacalha-se; o decente, emporcalha-se; o
digno torna-se equívoco; o justo torna-se suspeito; a ciência,
descredibiliza-se; a arte, anedotiza-se; o gosto não se discute; tudo se imbeciliza
integrado na mesma narrativa: a narrativa do “sempre foi assim e não pode
ser de outra maneira” que, xaroposa e bafienta, apela ao tédio e ao torpor,
ao velho conformismo do gado que vegeta.
Nuno Rogeiro é um dos reputados especialistas
que, na SIC, mais compenetradamente se empenham nesta esmerada catequese. A SIC
é, diga-se também, a estação que mais se esmera na contratação dos seus especialistas
neste género jornalístico. Escolhe-os sempre plo pedigri académico,
profissional e até pessoal (Rogeiro, por exemplo, para além de ter sido feito
comendador da Ordem do Infante D. Henrique e de ter sido director-adjunto do
semanário “O Diabo” até 1994, foi monitor de ciência política na hoje
afamadíssima Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nuno também é o
filho varão de Clemente Rogeiro, que foi presidente da Emissora Nacional, Director-Geral
de Informação e último ministro da Saúde do regime deposto em 1974).
Assim, Rogeiro, o Nuno, compõe com José Milhazes (sobre
quem também já me debrucei aqui) um tandem, ou parelha, de verdadeiros
pontas-de-lança do jornalismo-de-merda. Implacáveis e imarcescíveis (como
o bode do Mário-Henrique Leiria).