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segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Álvaro Pacheco ou o futebol como metáfora da vida


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O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia

Millôr Fernandes

O Brasil já foi, aos pés da Croácia. O virtuosismo deslumbrado, oxigenado e imbecil vencido pela competência.

Portugal também. Também já foi. Aos pés de Marrocos. A presunção e a fé-na-virgem-e-não-corras (de uma geração de jogadores ungida de superlativos e adulada até à idolatria por uma imprensa medíocre e laparota, fascinada por cotações de mercado, milhões e contratações) vencidas pelo mérito, pelo esforço e pelo talento.

Sem espinhas. E, como sempre, sem honra nem glória nem dignidade: o capitão e ídolo da equipa, um canastrão com 37 anos, sai do estádio lavado em lágrimas como um fedelho de cueiros (para grande e emocional comoção de todos os adeptos, ou adictos, toldados por um sentimentalismo patriótico, tóxico e imbecilizado pela narrativa cínica dos media) enquanto o sub-capitão da equipa que passou o jogo quase todo a atirar-se para o chão tentando cavar cartões aos adversários e a almejada “grande penalidade” põe a merda toda no ventilador insinuando culpas para a arbitragem.

Quem não sabe perder com dignidade não sabe, nunca saberá, vencer com mérito. Faltar-lhe-á sempre respeito sincero por si próprio, pelo adversário e pelo público; amor genuíno pelo jogo; e igual desprezo pelo resultado.

É o que não falta aos verdadeiros campeões. Como Álvaro Pacheco por exemplo, o treinador agora despedido pela SAD do Vizela Futebol Clube (clube que representava desde 2019, época em que disputou o campeonato de Portugal, antes de duas subidas consecutivas até à I Liga) por “divergência de opiniões em relação ao projecto desportivo do clube”, num dos episódios mais paródicos e sinistros do inenarrável “futebol português”.
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sexta-feira, 25 de junho de 2021

A diletância como desígnio da pátria


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o país não é governado por especialistas

Marcelo Rebelo de Sousa

A abobrinha em epígrafe é fulminante, como o estrondo da verdade. O presidente, como pitonisa do oráculo da pátria, revelou ao mundo, cândida e melifluamente, certamente para tranquilidade dos mercados, aquilo que, se não sabíamos já, todos intuímos desde piquenos: o país não é, de facto, governado por especialistas. Nunca foi. É assim desde a fundação.

Foi sempre assim que a pátria triunfou. Foi assim que conquistou todas as glórias. De S. Mamede a Aljubarrota, de Alcácer-Quibir ao Acto Colonial; da fuga das galinhas perdão, da corte para o Brasil à criação do Tarrafal. Sempre governada por diletantes. E sempre, sempre com muito sofrimento, incalculáveis preces, incontáveis milagres e inexplicáveis cálculos matemáticos.

A selecção do chuto na bola também. Também é governada por um diletante - enfim trata-se de um especialista, mas em engenharia, plo ISCTE (diz-se isqueté), embora nunca tenha praticado demasiado. O que ele pratica, sem pudor, é a arte, por excelência, dos diletantes, a crença em valha-me deus. Trata-se, portanto, de um prosélito.

A sua estratégia, aparentemente tortuosa, é afinal simples: dez garbosos infantes e um condestável com agenda e objectivos pessoais a declamarem, a goela em ovo estrelado, contra os canhões marchar marchar (isto arrepia sempre os nunos luzes). A táctica, engenhosa, também não é complicada: muita fé em deus e na virgem e igual perseverança na estupidez natural, entre muitos passes curtos, muita posse, alta-pressão à saída e alguma profundidade, claro. Tudo em episódios de noventa minutos com o alto-patrocínio de uma marca conhecida (mais a publicidade e os descontos) repletos de emoções aos saltos, altos e baixos: da vitória pífia, à derrota copiosa e ao empate penoso e assim sucessivamente, até ao mata-mata da má-sorte de sermos portugueses na lotaria dos penaltis. Tudo muito sofrido, muito penoso, muito estremecido, muito sentimental, para gáudio cínico dos velhacos e dos nunos luzes a arfar a arfar até ao apoteótico e milagroso finale que é a suprema alegria dos alarves e dos simples.

Campeões, campeões, campeões, banho de bjeca, cantorias suadas e vingativas, volta apoteótica ao redondel, espera no aeroporto, recepção entusiástica, procissão de autocarro, condecoração pública dos heróis e visita (privada) ao santuário de Fátima -para agardecer, claro. Campeões, campeões, campeões.

Não, este país não é para especialistas, ‘taquepariu. Olha se fosse.

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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Gunnarsson

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Quando olho para o meu companheiro de equipa, 
sei que ele se sacrificará para compensar os meus erros. 
E eu faço a mesma coisa para com ele. 
É a nossa atitude, a nossa mentalidade. E acreditamos nela.
Aaron Gunnarsson, logo depois da vitória sobre a Inglaterra
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Este é um retrato de Aaron Gunnarsson. Gunnarsson nem é o goleador da equipa (este é Sighthórsson), nem sequer o craque (este é Gilfy Sigurdisson, o baixinho da camisa 10). Ele é o lateral-direito, o Capitão e, sobretudo, a cara desta selecção nacional de futebol da Islândia.
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A Islândia fez uma notável fase de grupos e  já eliminou a Inglaterra, onde Gunnarsson joga, pelo Cardiff, na segunda–divisão(!). Agora vai jogar com a França. No Stade de France. Eu gosto da França. Gosto da sua equipa multirracial e tal. Mas não me peçam é para levar a sério uma equipa que escolhe para canção motivacional (ou lá o que é), uma merda qualquer em inglês.
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É claro que vou torcer pla Islândia. Uma equipa das antigas. Honesta e valente, persistente e obstinada, que não se dá a bizantinos mind-games de pacóvios. Ao contrário da selecção portuguesa, a da Islândia jamais aceitaria jogar mal para vencer. Mesmo que quisesse, não saberia. É tudo uma questão de mentalidade.
Vou torcer por estes bravos. Pode até ser que eles percam; e se calhar até por muitos. Mas para mim já ganharam. Hu Hu Hu.
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terça-feira, 14 de junho de 2016

Fernando Santos

“Temos selecção para ter ambição”. Diz Fernando Santos na campanha de publicidade de apoio à selecção do novo patrocinador da federação nacional do chuto na bola.
É ou não é lindo? Mas há mais: “Na campanha explora-se também o paralelismo entre o percurso da Seleção Nacional e o do NOVO BANCO. A ideia de superação, de ultrapassar obstáculos e de acreditar que é possível, está sempre presente”- dizem eles.

Só visto. Aqui.
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Cruyff e a metáfora do futebol

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tudo o que sei da moral e das obrigações dos homens, devo-o ao futebol
Albert Camus
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Johan Cruyff foi, talvez, o melhor jogador de futebol de todos os tempos – era ele o engenheiro da famosa laranja mecânica e do F. C. Barcelona. E também um dos seus melhores teóricos, e treinadores. 
Para ele o jogo joga-se com o cérebro (os pés só servem para apontar os golos) e em equipa. O futebol de Cruyff celebrava ousadamente a beleza, o improviso, a imaginação, a alegria de jogar e o prazer colectivo.
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Cruyff é também autor de algumas frases cuja eminente verdade desconcertante é de difícil contestação e que são como que metáforas para a vida. Como esta por exemplo: "o futebol é um jogo de erros. Aquele que fizer o menor erro, vence"; ou esta: "toda a desvantagem tem a sua vantagem". Ou então esta: "o acaso é lógico".
Cruyff não acredita em Deus: “Em Espanha, todos os 22 jogadores fazem o sinal da cruz antes de entrar no campo. Se funcionasse, seria sempre empate."
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Johan Cruyff trava presentemente uma dolorosa luta pela vida, contra o cancro - que ele retrata com uma metáfora de futebol: “Sinto-me como se estivesse a ganhar por dois a zero ao intervalo. Mas sinto que vou vencer no fim”.
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Há dias, Leonel Messi e Luis Suarez apontaram um penalty a meias, à Cruyff, celebrando e homenageando a ousadia, o desassombro e o inconformismo do seu velho mestre.

O futebol é mesmo como a vida. Pode ser a miséria nefanda, rotineira e mercenária que se vê todos os dias na televisão; mas também pode ser algo magnífico, generoso e belo, que realmente valha a pena pelo simples prazer do jogo. Mas é mais raro.
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domingo, 16 de agosto de 2015

Octávio "vocêssabemdoquéqueustouafalar" Machado

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Muitas vezes é a falta de carácter que decide uma partida. 
Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos
Nelson Rodrigues

Começou finalmente a tão esperada "época". A da bola. Foi este fim-de-semana. Como de costume, nem sequer interrompeu a silly season, que neste país é non-stop, nunca acaba. 
A Primeira Liga de futebol profissional é uma competição entre dezoito equipas. Quinze delas não têm qualquer condição de a disputar com reais hipóteses de vencer.
De maneira que quis assinalar o início deste grandioso evento desportivo com o retrato de um dos directores gerais de uma das outras três. O do zebórdengue.
Octávio Machado sabe tanto de futebol, política e de literatura como Nelson Rodrigues. Talvez mais. É autor de uma obra intitulada "Vocês sabem do que é que eu estou a falar".
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sábado, 12 de julho de 2014

O futebol e a vida

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Na minha infância o futebol era uma metáfora do fantástico e do imponderável. Hoje em dia, tal como na vida, para mim no futebol também já não há mistério. Empresarialisou-se. Tornou-se um negócio à escala mundial, programado, sem surpresas, demasiado previsível: já não há lugar nele para Manés Garrincha, Georges Bests, Diegos Maradonas ou Victor-Baptistas.
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Se, como já ouvi alguém, uma equipa de futebol deve ser como a big band de Duke Ellington - uma orquestra de músicos inspirados e solistas geniais dirigida por um génio inspirado - eu já vi jogar equipas assim: a Holanda de 1974 e o Brasil de 1982. Perderam, é claro, e talvez tenha sido essa tragédia que precipitou o futebol neste pesadelo resultadista obcecado com a “eficácia”, previsível e aborrecido. 
O que é facto é nunca mais vi equipas “tocarem” assim. No futebol actual não há lugar para a alegria do jogo (para quem não sabe, o futebol é um jogo colectivo, tal como a música), nem para “músicos” inspirados como Sócrates (o doutor, não o inginheiro) ou Cruijff, nem para “directores d’orquestra” como Rinus Michels ou Tele Santana. Apenas para paulosbentos e felipões; e Joachim Löw.
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Sim porque a Alemanha é uma orquestra afinada. Mas está para a alegria do jogo mais ou menos como a orquestra de Paul Mauriat para a música: não tem imaginação nem fantasia, nem Paul Gonsalves nem Johnny Hodges nem Ben Webster, nem os outros todos; nem o Duke, claro. A Alemanha, no entanto, com o seu futebol frio e burocrático tem sido sempre uma orquestra demolidora da bela música do futebol maravilha. Foi assim em 1954 com a Hungria de Puskas e kocsis (esta nunca cheguei a ver), em 1974 com a Holanda e em 1990 com a Argentina.
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Neste mundial deu para ver aliás que todas as equipas que tentaram jogar com a Alemanha pelo resultado (para perder por poucos, para empatar ou vencer por poucos) levaram muitos, à cabazada. À excepção do Gana (uma equipa que lamentavelmente só a espaços parece conhecer e querer partilhar o prazer do jogo) e da Argélia.
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A equipa de Islam Slimani foi a única que esteve perto de poder vencer os alemões. Mas apesar do bom futebol não é ainda uma big band das antigas: falta-lhe a ousadia, a generosidade, o desprezo pela derrota e um je ne sais quoi que não consigo definir mas que talvez fosse o ingrediente capaz de transformar o boato - de que a equipa de Slimani doaria o seu prémio de nove milhões de dólares aos habitantes da Faixa de Gaza - numa notícia verdadeira. O futebol resgataria a vida. E talvez também o meu antigo fascínio pelo imponderável, esse mistério que é a esperança.
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A Faixa de Gaza, para quem não sabe, é a parcela do globo com maior concentração de habitantes por metro quadrado. Estão aí confinados por um embargo que até lhes nega o acesso a ajuda humanitária porque dizque deusnossosenhor em pessoa prometeu a sua terra em exclusivo a uns senhores que não apreciam carne de porco à alentejana.
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domingo, 4 de maio de 2014

A arte de ser português

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O futebol, tal como a política, a justiça e a vida em geral, é um mundo de iniquidades. E também um manancial para qualquer caricaturista.
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Manuel Machado é um técnico de futebol que fala como um catedrático. Ou seja, como um verdadeiro mister. Machado fala bem demais. O seu peculiar modo de falar até já sugeriu um inesquecível sketch aos gato fedorento
Um senhor. No discurso, Machado é uma espécie de anti-jesus (na táctica também - usa a do autocarro – a mesma que, por exemplo, o Real Madrid utilizou em Munique e o levou à final das liga dos campeões).
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Não julguem por isso que Manuel Machado não dá uma prá caixa. Dá pois. E até para a segurança social. Machado, de 58 anos, já descontou 60 e recebe desde Dezembro de 2013 uma pensãozinha de 5.295 euros.
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Mas, embora não tenha pessoalmente  grande queixa do governo (pensões como a sua vão ser premiadas com mais cem euros no próximo ano), Machado chateia-se imenso com as injustiças e o caralho; e com a iniquidade de os piquenos serem sempre penalizados. Mas quando isso passa para o futebol, aí é que lhe salta a tampa:
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Mas, como se vê, acaba sempre tudo em bem. Ainda bem. Porque somos todos portugueses. 
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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Jesus (estudo de cabeça)

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O Natal, como dizia um poeta comunista, é quando um homem quiser.
A Páscoa também. Pelo menos no Benfica.
E, este ano, até em Agosto pode ser. O mais tardar em Setembro. Ou lá para Outubro. Depende dos trâmites da justiça.

É que, ao que me dizem, já começou o processo de Jesus.
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quarta-feira, 20 de junho de 2012

O símbolo da coisa

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Nada há tão perigoso como ser excessivamente moderno. Existe a tendência para ficar fora de moda sem se dar por isso.
Oscar Wilde
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Esta posta não é sobre Cristiano Ronaldo.
É, um pouco, sobre o patriotismo, mas sobretudo sobre a sua iconografia - a propósito do patriotismo e de uma das suas variantes mais patuscas já me pronunciei, aliás, aqui.
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Cristiano Ronaldo é um ícone adorado (um símbolo patriótico) pelos portugueses de mais baixa extracção – ele representa para eles uma certa ideia de sucesso - o êxito na vida pela via, hedonista, do chuto na bola.

É todavia preciso que se diga que, para se ser um ícone patriótico para os portugueses é necessário – imprescindível - ter-se êxito no estrangeiro. Ou seja, os portugueses gostam de gostar de algo de que toda a gente gosta “lá fora”, como eles gostam de dizer.

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Todavia, se o lúmpenproletariat tuga tem um símbolo à medida dos seus ideais - com imenso êxito no estrangeiro - a fina flor dos portugueses (a classe por assim dizer, mais sofisticada) também tem a sua ideia acerca de vencer na vida através desse prazer de agradar. E também tem o seu herói, o seu símbolo de sucesso, o seu íconezinho.
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O íconezinho, ou herói, da classe sofisticada portuguesa é uma heroína. Chama-se Joana Vasconcelos e é “artista”. Tem êxito, muito; e no estrangeiro, como os tugas gostam. Ela “recicla conceitos” e o seu material de trabalho são os símbolos, os ícones do quotidiano pimba português. Já me referi ao seu trabalho aqui (de raspão) e aqui (em cheio). Ela transforma o pimba-lúnpen em pimba-chic, comercializa e exporta. É um êxito. 
Os estrangeiros gostam; os bifes então, a-do-ram. E agora também os franciús. Foda-se. Só visto.
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Acaba de inaugurar uma exposição de coisas patuscas no chatô de versalhes meudeus (sucede a artistas como Jeff Koons e Takashi Murakami, eles próprios ícones de um certo género, mas curiosamente não o patriótico, nos seus países respectivos). 
Atafulhado agora com as coisas da Joana, Versalhes, aquela espécie de bordel rococó flamejante até parece um templo clássico, puta que o pariu.
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Mostrando como a fina-flor dos nossos senhoritos se sente identificada com Joana, esse fenómeno, Paulo Portas, o ministreiro dos negócios estranhos já disse: ela é genial, internacional, tradicional e empresarial” e “mostra um Portugal “criativo, contemporâneo, na moda e actual”.
Nem mais. Palavras para quê.
- Eu hoje acordei com veia iconoclasta. Anti-patriótica.
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