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sábado, 10 de setembro de 2016

Mário Silva

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Dizem-me que o Mário morreu. Há tempos escrevi neste blogue dois parágrafos a seu respeito. São os que se seguem.

Mário Silva é um dos maiores artistas portugueses vivos e um espírito livre. Um artista excêntrico, obstinado, anárquico e contestatário. Nunca obedeceu a qualquer corrente. Assumiu um estilo independente e, não obstante, “conseguiu vingar”- o que, neste país, é obra.
Fora disso, é uma espécie de duende folgazão cuja existência nos iliba da nossa irreprimível e atávica melancolia. Gosta de cães, de mulheres, de vinhos (tintos), de amigos e da arte (não necessariamente por esta ordem. Aliás, o Mário detesta qualquer tipo de ordem). Ah, e é meu amigo.

Por ser tudo verdade, nada mais tenho a acrescentar - não me ocorre mais nada neste filho da puta deste dia que também levou outro grande, o escultor José Rodrigues.  
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quinta-feira, 28 de julho de 2016

Cunha Rocha

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Ontem fui ao funeral de Cunha Rocha.
O António não era um gajo qualquer. A sua morte veio na primeira página do Diário de Coimbra. A Figueira, onde residiu mais de quarenta anos, também não deixou escapar a oportunidade – “honrou muitas vezes as terras e gentes figueirenses com o seu olhar artístico vertido nas telas", salientou a autarquia local, em comunicado.
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É verdade, o António foi um pintor. Dos bons, dos grandes. Mas de aguarelas. E não eram aguarelas quaisquer. Um artista. E um homem bom, dos melhores.

Tal como a propósito de José Penicheiro, amanhã (ou depois, conforme mo ditar a consciência e a inspiração) editarei aqui a minha opinião, modesta ça va de soi, sobre a sua figura e a sua obra. Espero no entanto que, como é óbvio e de costume, vá um pouco para lá da ditirâmbica palermice circunstancial, habitual noutros meios.”
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sábado, 13 de dezembro de 2014

Da fraternidade.

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Um pintor é um homem demasiado absorvido
pelo que vêem os seus olhos
para poder ter o domínio do resto da sua vida
Vincent Van Gogh
(carta nº 620, ao seu irmão Theo)
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Conheço Joaquim Monteiro há mais de trinta anos. De um estreito convívio nas noites longas de uma certa boémia figueirense dos anos oitenta. 
Mais velho do que eu, isso não impediu todavia que fosse crescendo entre nós uma mútua consideração que, se que nunca chegou à intimidade (devido talvez ao seu temperamento, de uma discrição que lhe vem, suponho, de uma reserva cautelosa, muito conveniente nos anos da agitação clandestina) transformou-se numa amizade que resiste ao tempo.
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Velho comunista e resistente, o Monteiro, como é conhecido, é um guardião da memória, bibliófilo amador, coleccionador e arquivista compulsivo de velhos documentos, fotografias, jornais e livros antigos. Grande conversador e contador de estórias, da sua memória prodigiosa é sempre capaz de sacar um episódio exemplar ou pícaro para apimentar uma boa gargalhada.
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Com os anos e as vicissitudes da vida fomos, no entanto, deixando de nos ver com a frequência de antanho. Contudo, quando isso acontece, o Monteiro surpreende-me sempre com uma estória rocambolesca ou com uma inesperada delicadeza.
Há dias encontrámo-nos na Figueira por acaso e diz-me de pronto: “Ainda bem que te vejo que tenho ali no carro há mais de um ano uma coisa para ti”. Conhecedor do meu gosto por velhos segredos pouco revisitados presenteou-me com esta pequena preciosidade: uma edição fac- símile do primeiro tratado de pintura impresso em português por um hoje esquecido frade do século dezassete – 

 (do seu “Prólogo“ e do “Louvor da Pintura” nenhuma novidade: trata-se da versão autorizada pela santa inquisição do ideal programático da contra-Reforma para as artes, em voga no Portugal filipino de então. Nem da sua “simmetria” ou da “Perspectiva”. Verdadeiramente interessante, e muito instrutivo e útil para mim, são as suas preciosas receitas para o fabrico de tintas, de vernizes, de secantes, de betumes, de mordentes, e para a preparação de suportes; de “como se mezclam e assombrão as cores” “e os realços”, e o “modo de fazer cambiantes”, ou o “modo fácil para copiar hua cidade, ou qualquer cousa”. etc.)  Uma maravilha..

Irmão mais velho do meu amigo Filinto Viana, tal como Theo Van Gogh, Monteiro conhece bem o handycap de que ambos padecemos; e parece transferir também para mim o desvelo generoso e fraterno (quase paternal) que dedica ao seu irmão pintor.
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Decidi retribuir-lhe com um retrato. Um singelo desenho, que fiz no mesmo dia. Não está perfeito, nem sequer muito exacto, mas ele também sabe que, como referia o grande Matisse, “l’éxactitude n’est pas la verité”.
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sábado, 18 de outubro de 2014

Zé Oliveira

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A cooperativa Trevim, da Louzã, está a comemorar o 47º aniversário do seu jornal “Trevim” e o 30º do “Bronkit”, o seu suplemento humorístico.
Integrada nas comemorações consta uma homenagem ao caricaturista Zé Oliveira e também ao seu personagem “o Broncas”, nascido nas páginas do Bronkit.

No passado dia 4 foi inaugurada uma exposição com uma retrospectiva dos 30 anos do Broncas e com 30 desenhos de homenagem realizados por 30 artistas amigos.

Hoje, dia 18, (pelas 15h, no Museu Etnografico Dr. Louzã Henriques) será lançado um álbum com esses desenhos - assim como um Bronkit especial.

Para Osvaldo Macedo de Sousa, grande conhecedor do humor gráfico em Portugal, o Broncas é uma espécie de zé-povinho – “um pobre mas atento serrano com coragem para dizer o que pensa”.

Instado por Osvaldo, que comissariou a exposição, não quis deixar de participar nessa justíssima homenagem. Enviei o desenho acima. Foi o que me ocorreu para dizer o que penso do grande Zé Oliveira. 
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terça-feira, 9 de setembro de 2014

João Sotero e a norma da arte pública

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Without deviation from the norm, progress is not possible
Frank Zappa
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O meu amigo João Sotero acaba, receio, de cometer uma obra-prima.
João é um escultor figueirense que, como muitos outros figueirenses, teve que procurar longe da sua terra as oportunidades e o reconhecimento que o seu talento merece. Fixou-se, há mais de vinte anos, no Alentejo. Acaba aí de inaugurar um monumento. Na localidade de Igrejinha, que pertence ao concelho de Arraiolos, onde reside.
Trata-se de um monumento aos combatentes da guerra colonial. Ora João, tal como aliás é habitual na sua obra, desviou-se da “norma”. A solução estética que ele concebeu não podia estar mais distante da retórica habitual em monumentos do mesmo género por esse país fora.
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O habitual, neste tipo de encomendas, é a glorificação beata do “heroísmo” - ou pior ainda, do seu irmão mais imbecil, o “patriotismo” – de maneira que o povo entenda; isto é, num formato que, embora com variantes adaptáveis aos terroirs locais, já vem do século dezanove. Diga-se de passagem, que o povo só gosta do que entende e os encomendadores da arte pública em Portugal ou gostam imenso de agradar ao povo ou então têm muitas dúvidas da capacidade deste para discernir soluções mais elaboradas (o que não deixa de ser irónico, e sintomático, tratando-se de autarcas eleitos). Em suma, para muito bom povo e para muitos dos seus representantes, um monumento é um “equipamento” colocado ao ar livre, constituído invariavelmente por um corpo em pose sobre um pedestal – ou seja, algo onde, por norma, de cima cagam as pombas e em baixo mijam os cães; salvo uma vez por ano - no dia da efeméride – em que há sessão solene, com procissão de dignitários, marcha lenta, discurso inflamado e deposição de flores.
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Como referi acima, a solução estética achada por João Sotero não podia ser mais contra esta “norma”. Não tem pedestal, nem grandiloquência, nem pose de aparato. As três figuras que João concebeu parece que as tirou (não sei se conscientemente) do imaginário do cristianismo: os seus três combatentes parecem arrancados do gólgota e pousados suavemente sobre um aterro circular empedrado, num largo de Igrejinha. As três cruzes, todas amputadas de um braço, transfiguram-se em estranhas formas parecidas com o algarismo “sete”, amparam-se mutuamente num cambaleante e solidário amplexo e constituem assim uma arrebatante composição cuja austera simplicidade de ferros torcidos não deixa, de certo modo, de evocar Chillida. 
Não há ali mau-ladrão, nem bom-ladrão, nem ladrão assim-assim - nem sequer herói da raça ou mártir da pátria ou outra qualquer palermice - só vítimas. É o que parece que nos diz João: na guerra, em qualquer guerra, todos são vítimas.
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Peço desculpa ao João se extrapolei na interpretação. Bem sei que a arte é uma linguagem que se dirige àquela parte do intelecto que não entende línguas, mas também sei (ambos sabemos) que quando soltamos uma obra no mundo, ela deixa de nos pertencer, passa a estar aberta a todas as interpretações. Por isso não resisti a verbalizar o meu entusiasmo e a partilhá-lo aqui. Confesso que há muito que uma obra de arte não me atingia tão em cheio.
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Munícipe que sou da terra de João Sotero (onde o povo nutre um verdadeiro culto pla preguiça e os seus representantes encomendam, como monumentos, merdinhas como a homenagem aos escuteiros e o busto de Aguiar de Carvalho) não é sem inveja que congratulo o povo de Igrejinha e os autarcas de Arraiolos, cuja visão tornou possível esta obra magistral de João Sotero. Eles devem saber que só mesmo pelo “desvio à norma” algum progresso ainda é possível.
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Acima, João Sotero, Monumento aos Combatentes, aço corten. Igrejinha, Arraiolos (imagem daqui)
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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

uma arroxada camiliana

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Tive um tio-avô (não cheguei a conhecê-lo, mas é uma lenda viva no lado materno da minha família) que, na sua juventude, para além de apreciar actividades de ar livre como serenatas, guitarradas, verbenas e bailaricos, também cultivava, a céu aberto e sem culpa, o vernáculo, o piropo, a bravata, a fritada de passarinhos, etc., enfim, todas aquelas práticas viris que faziam parte da formação cívica dos varões de antanho.
Por exemplo, não se ensaiava nada de enxertar de porrada o mais pintado – o que lhe trouxe não poucos problemas  com a justiça e outras tantas curtas estadias no xilindró. Foi aí aliás que conheceu a mulher da sua vida, futura mãe de todos os seus nove filhos: era a filha do carcereiro, que servia o rancho aos detidos.
Talvez por isso, um dia, num arraial, depois de dar umas lambadas a mais um pobre diabo para esclarecer de modo civilizado uma qualquer disputa, e enquanto não vinha o cabo-de-esquadra, vira-se para o amigo que o acompanhava e dá-lhe também umas arroxadas. Perante a perplexidade deste, ele atira-lhe: “é para que não sirvas de testemunha”. “Além disso” - acrescentou - “ficam-te para quando as mereceres”.
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Sei que esta estória deve ter uns laivos camilianos (o que é natural pois as cousas passaram-se na margem esquerda do Douro, de onde a minha família materna é oriunda). Mas lembrei-me dela porque devo ter herdado alguma costela do meu tio inglês (chamavam-lhe assim porque era muito ruivo).
É que, tal como com ele (e com Camilo), comigo nem os amigos estão a salvo. De levar umas arroxadas – mas não para que não sirvam de testemunhas. Pelo contrário, para que testemunhem que eu, tal como já referi algures neste blogue, sou um franco-atirador e que quem se puser ao alcance da minha mira... Marcha. Leva umas arroxadas - não literais, claro, que os tempos são outros; nem literárias, que não sou nenhum Camilo – figuradas. Eu faço figuras, caretas, caricaturas.
Foi o que aconteceu com o meu amigo António Agostinho. Pôs-se a jeito e zástrás, frechei-o. Ajeitei-lhe a figura. Amanhei-lhe a careta. Fiz-lhe a caricatura.
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Agostinho é, talvez, o melhor blogger da Figueira (foi ele aliás que me iniciou na blogosfera). Ou pelo menos o mais atento, activo (por vezes frenético), assertivo. Além disso, é um espírito livre que tem todo um passado de participação cívica impoluta, coerente, desinteressada e frontalmente alinhada à esquerda.
Cultiva, como poucos, a ironia – que, como muitos de nós sabemos, é um artifício da inteligência inacessível a uma imensa casta de imbecis - o que já lhe trouxe algumas chatices; que são, presumo, os custos da popularidade (o seu blogue é, talvez, o mais visitado da Figueira).
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Por isso não estranhei que ele assumisse que “entre uma coligação de direita disfarçada (Somos Figueira) e uma direita conservadora (o PS)”, a Figueira precisava de uma verdadeira alternativa e sugerisse mesmo “uma coligação CDU-BE-Independentes” .
Como tal não se concretizou, também não estranhei que ele manifestasse a sua desilusão
Também não estranhei que, perante isso, ele tivesse recusado qualquer participação activa nas próximas eleições autárquicas. Até achei natural. 
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O que sim me pareceu estranho foi que de repente o meu amigo Agostinho desatasse a tecer loas ao que ele próprio denominou direita conservadora (PS). E a escrever linguados de fazer chorar as pedras da calçada sobre o amor do candidato da direita conservadora (PS) à sua freguesia. E que, em caso de vitória deste, a Cova-Gala iria “voltar a ser uma sociedade onde voltará a ser normal viver numa atmosfera de respeito, tranquilidade, paz, amizade, fraternidade e solidariedade entre todos os covagalenses (...).
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Tudo o que escapa ao meu entendimento, como a morte ou a estupidez, enche-me de uma tristeza tão funda e tão fria que acaba invariavelmente por me enfurecer até à violência, como ao meu tio inglês. Mas como já não tenho a idade dele quando lhe davam estes fulgores, dou as minhas arroxadas figuradas. Em forma de desenho.
Confesso que neste, estive tentado a inserir um punhinho fechado – no lugar da mãozinha digital - o que, reconheço, avacalharia a coisa ao nível da grosseria. De modos que não quis levar tão longe o acinte. Fui benevolente.


Mas como sempre tivemos uma relação fraternal, não posso deixar de acrescentar umas palavras ao meu amigo Agostinho: fica para quando o não mereceres.
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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Retrato de homem sentado com cachorrinho preto e quadrado branco

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O meu amigo Carlos Figueiredo é, talvez, o mais antigo e sincero admirador do meu trabalho. Desde cedo o demonstrou enfaticamente - o que muito me honra, sensibiliza e desvanece. Num meio cultural e comercial (o dos apreciadores de arte na Figueira da Foz) adverso – composto em partes quase iguais por ineptos pretensiosos  imbecis pedantes, saloios cínicos, chico-espertos e bimbos armados aos cágados, enfim pela fina-flor da mediocridade - Carlos é um caso raro, único, um verdadeiro connoisseur (ele reconhece um bom quadro até pelas costas e um bom desenho só pelo cheiro).

Aqui há tempos, cerca de dois anos, propus-lhe um negócio - uma troca de serviços (Carlos também é um artista, um vitralista de mérito e um moldureiro exigente e competente) e imediatamente ele cumpriu a sua parte. A minha, a execução de dois retratos, cumpri-a apenas pela metade. A parte que faltava é o quadro acima reproduzido, que concluí há poucos dias, um retrato do próprio Carlos com o seu melhor amigo, como ele me pediu. Trata-se de uma pintura minimalista, quase um desenho, a preto e branco, sem lambidinhos nem baboseiras – o cão, num glacis de preto (sucessivas velaturas de tinta muito diluída); o homem, na mesma técnica mas às avessas, em sucessivas e espessas camadas de branco sobre o fundo neutro, aos quais acrescentei apenas, no canto inferior direito, um pequeno quadrado, branco - um pormenor que muitos acharão anedótico ou simplesmente decorativo mas de que o Carlos saberá decerto tirar algum deleite estético e óbvio proveito intelectual, interpretando- lhe as implicações.

As razões da minha infame e imperdoável procrastinação devem-se contudo a questões existenciais, que em mim são recorrentes, sobre a utilidade da arte e da prática da pintura num meio tão hostil a manifestações do espírito: pintar para quê? - para quem?
Porém, ao retomar os pincéis e pondo-me ao cavalete, aproveitando uma avaria no computador que me distanciou da bloga e das caricaturas, depressa essas dúvidas se dissiparam e descobri, quiçá, uma das mais belas utilidades da pintura: a expressão da gratidão.


Continuo no entanto a pensar que é uma lástima que uma arte tão útil seja cada vez mais selecta. Mas a verdade é que são bem poucos os que, como Carlos, lhe conhecem os códigos e lhe tentam compreender os mistérios.
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segunda-feira, 18 de março de 2013

Pedro e o tubo


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el que resiste, gana
Camilo José cela
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Se é verdade que o grande Cândido Costa Pinto, com um simples desenho, pôs a nu a indigência dos pressupostos da mitologia figueirinhas, essencialmente da sua ideia génese – a utopia do verão redentor – também é verdade que Cândido, figueirense e profundo conhecedor do que “a casa gasta”, pôs-se ao fresco da sua cidade e não fez ele senão bem. Incompreendido num meio onde apenas florescia a mediocridade e triunfava a estupidez, Cândido acabaria, pelos mesmos motivos, por deixar o país e deixar-se morrer longe.
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Volvidos quase cinquenta anos do cândido passamento, o “meio” da sua cidade natal, e do seu país, está diferente. Por todo o lado floresce a estupidez e triunfa a mediocridade. A Figueira continua a acreditar abundantemente na utopia do verão e na mitologia dos “ontéms que cantam”, isto é, no seu passado radioso. Só que, ao contrário do seu tempo, agora na Figueira da Foz os “artistas” proliferam como coelhos (já nem lhes basta uma associação; são precisas duas e muitos são associados de ambas), todavia o desenho, essa probidade da arte, é uma disciplina pouco praticada – desenha-se pouco, mal e porcamente – e num meio em que a reflexão, o humor livre, a ironia, o sarcasmo, a crítica, são tidas como indícios das taras mais insidiosas, quem o faz de forma mais ou menos metódica e consistente tem dois destinos traçados – o da ostracização ou o de Cândido (e de muitos outros): ir embora. Ou então, ficar - e resistir. É este o caso do meu amigo Pedro Saboga, o rosto mais visível do Tubo d’Ensaio d’Artes.
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Num meio tão adverso à inteligência e tão propício à fuga dos melhores, Pedro (ele transporta no sangue e no nome que usa os genes da resistência) criou, com alguns amigos, uma associação cultural que há alguns anos vem potenciando oportunidades aos que, como ele, escolheram ficar - e resistem.
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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O meu barbeiro


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Todo o homem tem o seu barbeiro. 
O meu é um excelente profissional. Eu encontrei-o recentemente; talvez já demasiado tarde para o meu pobre couro, digamos assim, cabeludo.
Mas muito para além disso, tem toda uma série de qualidades que fazem dele um ser humano excepcional. Uma força da natureza no corpo de um homem simples. O que não faz dele um espírito simples. Pelo contrário, o seu é um espírito complexo, variado, contraditório, generoso. 
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Olímpio Fernandes é capaz de se enternecer com a fragilidade de uma criança ou com uma beleza de mulher; de se interrogar com os mistérios da vida e de se enfurecer com as suas iniquidades; de padecer atrozmente com as desventuras do seu Benfica mas também de se rir de si próprio e das suas perplexidades.
Foi ele que me pediu que lhe fizesse esta caricatura.
Sei que lhe proporcionou algumas, bastas, gargalhadas.
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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Osvaldo Macedo de Sousa


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Este mundo não é só Relvas e quejandos.
Ainda existem, felizmente, pessoas verdadeiramente extraordinárias; pessoas para quem a fossanguice não é prioridade nem a vanglória o violon d’Ingres.
Como Osvaldo Macedo de Sousa.
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A bem dizer, já o conheço há alguns anos, através do seu humorgrafe, que sigo desde que me passei a interessar pelo humor gráfico; e temo-nos correspondido, de quando em vez. Contudo, agora conheci-o pessoalmente. Em Penela, para onde generosamente me convidou para com ele integrar o júri de selecção dos desenhos da III Bienal de Humor Luís d’Oliveira Guimarães.
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Historiador por formação, Osvaldo dedicou trinta anos da sua vida à investigação, divulgação e dignificação da arte da caricatura e - nas palavras de José Oliveira, o presidente da FECO (associação dos cartoonistas portugueses) - “da sociabilidade dos cultores desta arte”. Através da humorgrafe, Osvaldo promove concursos, exposições, encontros e colóquios por todo o país e até no estrangeiro. 
Ainda segundo José Oliveira, “o seu trabalho tem dimensão gigantesca, sem a mínima correspondência em proveitos materiais. O documento mais visível do seu trabalho de investigação é a obra em cinco volumes intitulada História da Arte da Caricatura de imprensa em Portugal, publicada entre 1998 e 2002, com edição partilhada pela Secretaria de Estado da Comunicação Social. Mais de duas mil e cem páginas.
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Obra que ele generosamente me ofereceu, talvez para me compensar por me ter sujeitado ao muito honroso mas algo desconfortável privilégio de avaliar os meus pares (experiência que não tenciono repetir). A edição desta obra excepcional foi também, ao tempo, e simultaneamente, uma ocasião rara de revelar, de uma só vez, toda a dimensão intelectual do seu autor, um pouco da imensa estupidez e iniquidade da Justiça em Portugal e alguns pormenores da grandeza da pequenez de um certo vulto da nossa baixa-cultura.
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Tenho assim o ensejo de avaliar a monumentalidade de uma obra que nem sequer é a sua actividade principal. Osvaldo é cantor lírico; integra o coro do teatro S. Carlos. A arte da caricatura é apenas o seu “violon d’Ingres”.

Há ou não há pessoas realmente extraordinárias?
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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Retrato de um artista quando jovem



Sobre ele já escrevi aqui, aquando da sua primeira exposição.

Agora fiz-lhe o retrato.
O meu amigo Pedro Cruz apresta-se agora para inaugurar a sua segunda mostra de fotografia, “Gentes do Mar”. No CAE da Figueira da Foz, a 14 de Maio. Até 12 de Junho.
O seu trabalho, podeis vê-lo aqui.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

António Durães

Este é o segundo retrato que lhe faço.
O primeiro foi há quase trinta anos.
Foi uma espécie de baixo-relevo escavado, à tesourada, num velho colchão de espuma que, ao que sei, ele ainda conserva. É do tempo da sua última actuação como actor amador, na então chamada “secção cultural da Associação Naval 1º de Maio”.
Colaborei nessa peça confeccionando alguns adereços e ajudando, dos bastidores, a prodigalizar uns efeitos sonoros, visuais e pirotécnicos com a ajuda de umas substâncias de que agora não me recorda o nome. No final, o público, pouco numeroso mas sempre amável (ainda me lembro dele, era o velho Falcão), saía tossicando discretamente enquanto nós abríamos as janelas do salão para deixar sair o fumo e o fedor. Não sei como, nunca chegámos fogo à associação.
Entretanto tudo mudou.
Ele, para melhor. Eu, para os lados. Quanto à Naval, acabou mesmo por arder. E a Figueira, também está em cinzas.
Mas nós não tivemos nada a ver com os casos. Ele, estava para fora. Eu, não tenho álibi mas sempre fui um amador. Aquilo foi coisa de profissionais.
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O meu amigo António Durães, como outros figueirenses, não foi profeta na sua terra.
Em boa hora foi à vida dele e hoje é um actor e encenador de talentos reconhecidos.
.Mas volta e meia, ele volta. Teima inexplicavelmente em visitar a terra que lhe foi madrasta, a mesma que lhe não reconheceu os méritos. Gosta mais desta choldra do que eu de chocolate.
.Desta vez contudo virá com amigos. Integra o espectáculo do pianista Luís Pipa, ele próprio também figueirense, que festeja este mês o seu quinquagésimo aniversário.
No Sábado, dia 20. Às 21.30h. No CAE.
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Diz que no final ainda têm uma surpresa para os figueirinhas, raios os partam.
Lá estarei.
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terça-feira, 4 de agosto de 2009

Pedro Cruz, um olhar silencioso


“Sempre achei que a estrutura formal de uma fotografia,
a sua composição, eram tão importantes como o próprio tema…
É preciso eliminar tudo o que é supérfluo,
é preciso dirigir o olho com uma vontade de ferro.”
Brassaï


A atenção ao “rumor do mundo” distrai-nos por vezes de “pequenas” zoeiras, mais próximas, mas que aos poucos se vão tornando “ensurdecedoras”. É o caso do talento de Pedro Cruz.
A fotografia, como a pintura, é “a arte” de - como dizia Brassaï, o grande fotógrafo francês de origem húngara – “dirigir o olhar”. É mesmo isso que faz o Pedro Cruz. Dirige-nos o olhar. Nas suas fotos do quotidiano (pedro não encena as suas fotografias) ele encaminha-nos sabiamente o olhar para aqueles segmentos da realidade em que nós, distraídos pelo rumor do mundo, nem sequer reparamos.
O co-autor do blogue “Outra Margem”, é um jovem “pas tout a fait comme les autres”; ao contrário do que é típico na sua idade (tem apenas 22 anos) não é daqueles que descobriram a pólvora seca das verdades insofismáveis; gosta mais de ouvir (e observar) do que de falar. O Pedro é um andarilho e, sobretudo, um observador incansável.
No seu olhar silencioso e perscrutador há algo que o distingue de um mero fotógrafo competente, algo intangível e difícil de descrever: uma sensibilidade poética; ou seja, aquilo que o torna capaz de, com enquadramentos ousados e um sentido da composição notável, transformar o mais banal retrato do quotidiano numa imagem carregada de sentido(s).
Embora ainda aprenda (Pedro estuda Ciências da Comunicação na UBI, Universidade da Beira-Interior), o seu olhar atento e fascinado pela beleza e pela tristeza do mundo ainda lhe permite, sem alardes nem baboseiras, a abstracção e o humor distanciado de um tão sintético quão despojado e minimalista retrato de si próprio como o que ilustra esta posta: uma obra-prima de um jovem, quando artista já consumado.
Mas tem mais. Aqui.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Paulo Diogo


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Após alguns anos de abandono da pintura (que trocou pelo ensino), o meu amigo Paulo Diogo regressou à paixão dos seus verdes anos e no espaço de seis meses já vai na sua terceira exposição consecutiva. Inaugurou no dia 24 de Fevereiro uma exposição no CAE, Figueira da Foz. Até 15 de Março.
Esta sua mostra, muito maior do que a que realizou em Setembro na sala da Magenta (em que partilhou o espaço com mais duas artistas) permite uma muito mais abrangente apreciação da qualidade e validade do seu trabalho. Este, bastante diferente do meu (os nossos universos são substantivamente distintos embora tenhamos partilhado o percurso) é igualmente povoado de citações, alusões, ironias e sarcasmos subliminares.
A pintura de Paulo Diogo, desde os guaches iniciais influenciada pelo imaginário surrealista, é agora pontuada por um colorido pop que acentua e sublinha o seu caprichoso humor non-chalant por vezes cruel e imprevisto. O seu trabalho, pontuado por referências “cultas”, imaginoso e experimentalista (veja-se as suas pinturas em volume ou o curioso e ousado jogo intelectual com o conceito de “moldura”) está em plena maturidade.
Contudo, decerto por (de)formação profissional, Paulo não resistiu a “explicar” o seu trabalho. Prodigalizou ao público uma espécie de “catálogo-glossário” onde “explica” os seus quadros, um por um. Perfeitamente dispensável. Eu julgo que os bons quadros têm vida própria, não precisam de “advogado”. Os mesmo bons vivem mais do que os seus autores (que não estarão cá sempre para os defender). Esta exposição tem um bom punhado deles.
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Ao alto, Eu, Paulo Diogo, óleo s/tela -100x100
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Retrato de um poeta


Para Miguel Ângelo (sim, esse) um desenho não tinha que se parecer com a “cousa desenhada”. Apenas com a ideia que dela fazemos.
Este desenho é (ai de mim) a ideia que eu fiz do poeta Daniel Abrunheiro a partir de uma foto furtiva que ele descuidadamente colocou no seu blogue.
Para fazerdes, caros leitores, a vossa própria ideia longe do meu traço certamente redutor e algo constrangido (pela admiração e pela inveja), visitai o blogue do Daniel Abrunheiro, onde a Língua Portuguesa é uma cousa sempre magnífica. Vede como ela brota límpida e corre, livre e caudalosa como uma das vossas ideias mais generosas. Aqui.
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terça-feira, 15 de julho de 2008

Joaquim Cachulo.

Joaquim Cachulo é, talvez, o mais notável dos artistas gráficos figueirenses. Fez uma extraordinária exposição de caricaturas no Casino da Figueira e eu não achei, nas edições on line dos “jornais” da terra, uma só referência a este facto.
O humor, a sátira, a inteligência e o espírito crítico estão há muito banidos da imprensa da Figueira da Foz.
Não existe, em nenhum dos seus jornais uma única colaboração assinada por um artista gráfico. Não há cartoons, caricaturas, charges ou seja o que for. Nada. Nada que não seja a mais rutilante palermice lambe-cús.
Isto é também, infelizmente, mais um sinal da decomposição inexorável desta cidade.
Numa cidade de zombies acríticos, mortos, moribundos abúlicos (ou indignados anónimos, que proliferam como coelhos pela blogosfera), espanta-me ainda que lhes cheguem (aos jornais), as páginas para a necrologia e para a louvaminhice e o lambecusismo.
E não me espanta por isso (eu não sou daqueles que se indignam porque deus criou as moscas!), que a exposição do Quim, um GRANDE artista gráfico, tenha passado em claro aos jornais da sua terra. Ao invés, na minha busca, encontrei imaginem, no boletim da Sociedade Figueira-Praia, uma entrevista com um marchand de arte (vigarista, em francês, segundo Picasso)!
É de gritos. Um dia destes dedico-lhe uma posta.
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Das peças da expo de Joaquim Cachulo escolhi estas para ilustrar este postal.
Representam Álvaro Cunhal e Pedro Santana Lopes. Trata-se de um trabalho precioso e delicado, em gesso e pasta de moldar.
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terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Como as cerejas

Hoje, aquela que poderia ter sido a companhia de teatro residente no CAE, dá um espectáculo na Figueira!
A Figueira da Foz poderia ter tido uma companhia de teatro residente, com uma programação própria, à semelhança de outras “capitais” como Tondela, Viseu, Viana do Castelo, etc.. Não tem. Mas tem… Casino!... Graças a uma iluminada visão estratégica aliada a um curioso interesse pela Koltura em lata, os nossos sábios e poupadinhos decisores da "gestão empresarial da cultura" recusaram, e a Mar-a-Mar teatro está hoje reduzida (!?) ao talento e voluntarismo do meu amigo Victor Filipe. Depois de resistir a muito disto e a todo um outro tipo de pulhices, Victor e a Mar-a-Mar aí estão.
Hoje à noite.
A dar pérolas aos porcos.
Às 22.30h no… Casino!

MERDA!



Kurt Schwitters


Como as Cerejas
Cinco Mistérios Dolorosos
um espectáculo baseado num poema
de
Samuel Beckett
e textos da novela Tic Tac
de
Suso de Toro
encenação e interpretação
de
Vítor Filipe
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sábado, 10 de novembro de 2007

os amigos de Alice

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os amigos de Alice- (80x100- acrílico s/tela)
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"As pinturas de António Menano parecem convidar quem as vê de olhos lavados a crer que essas pinturas são coisas simples, digamos como haikus espontâneos que saltam de uma boca falante e ficam pelo ar, brilhando quais pérolas naturais em suspensão. As coisas elementares parecem simples, e sê-lo-ão enquanto sobre elas a inteligência não se debruça, porque então, um haiku espontâneo, por exemplo, envolve-se em todo o seu denso mistério." Arsénio Mota
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Hoje às 16.30 o Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na Figueira da Foz, inaugura uma exposição retrospectiva de António Menano. Pintura 1994-2007.
Procurei debalde nas edições on-line dos periódicos da cidade uma referência (pequena que fosse) a este evento. Nada. Lamentável. A opinião publicada da cidade dos melindres continua a pontificar pela estupidez e ignorância.
António Menano, com 71 anos, jornalista, poeta, escritor, crítico, dinamizador cultural, é um dos vultos "figueirenses" mais prestigiados das últimas décadas, responsável, há alguns anos, pelo período de maior atenção à criatividade contemporânea desta cidade.
Eu estarei lá.
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quarta-feira, 11 de abril de 2007

Filinto Viana ou os frutos da paixão




Não é fácil falar dos amigos.
O Filinto Viana é meu amigo.
Um dia destes fiz-lhe uma visita no seu atelier no Bairro Novo, onde se instalou há um ano, após alguns meses de um sofrimento que apenas imagino, sem ter um espaço para fazer o que melhor sabe e gosta: Pintar.
O Filinto Viana é daqueles que pensam Pintura desde que se levantam e sonham com ela até que se deitam. A sua relação com esta arte é a tempo inteiro. Filinto vive amancebado com a Pintura 24 horas ao dia, sem férias nem fins-de-semana. Às vezes, com os amigos, tem desabafos: “Estou farto dela. Tenho que parar,” como se falasse de uma amante muito exigente… Mas nunca consegue estar longe da confusão do seu atelier mais do que umas horas.
A confusão, o caos, a desarrumação do seu atelier são proverbiais entre quem o conhece. Mas são apenas o que Filinto e o seu espírito anárquico e rebelde necessitam para consumar a imensa paixão que nutre por uma arte que muitos apenas amam.
Contudo esta é uma paixão tardia. Mas, talvez por isso, mais madura e intensa. Filinto descobriu a Pintura, já passava dos trinta. Logo a paixão foi mútua e após o seu início, junto de Michael Barrett e Mário Silva, a sua arte cresceu e hoje é, sem dúvida, um dos mais notáveis artistas que conheço.
Os frutos desta relação tempestuosa são numerosos (ele é um artista prolífico, torrencial) e cada vez mais complexos.
Filinto Viana vai se libertando da figuração estereotipada do seu início, através dum instintivo e anárquico método e de um critério colorista requintado, criando uma figuração difícil de catalogar, suportada por acordes de cores e tonalidades sofisticados que demonstram uma Arte cada vez mais reflectida.


O Filinto Viana é um grande artista.
Afinal, assim, fica fácil falar dos amigos. Com adjectivos, mas sem baboseiras, que eu não cultivo amizades nem verdades parciais. Porque assino sempre em baixo.
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