.
Tive um tio-avô (não cheguei a conhecê-lo, mas é uma lenda viva no lado materno da minha
família) que, na sua juventude, para além de apreciar actividades de ar livre
como serenatas, guitarradas, verbenas e bailaricos, também cultivava, a céu aberto e sem culpa, o vernáculo, o piropo, a bravata,
a fritada de passarinhos, etc., enfim, todas aquelas práticas viris que faziam
parte da formação cívica dos varões
de antanho.
Por exemplo, não se ensaiava nada de enxertar de porrada
o mais pintado – o que lhe trouxe não poucos problemas com a justiça e outras tantas curtas estadias
no xilindró. Foi aí aliás que conheceu a mulher da sua vida, futura mãe de
todos os seus nove filhos: era a filha do carcereiro, que servia o rancho aos
detidos.
Talvez por isso, um dia, num arraial, depois de dar umas
lambadas a mais um pobre diabo para esclarecer de modo civilizado uma qualquer
disputa, e enquanto não vinha o cabo-de-esquadra,
vira-se para o amigo que o acompanhava e dá-lhe também umas arroxadas. Perante
a perplexidade deste, ele atira-lhe: “é para que não sirvas de testemunha”. “Além
disso” - acrescentou - “ficam-te para quando as mereceres”.
.
Sei que esta estória deve ter uns laivos camilianos (o que é natural pois as cousas passaram-se na margem esquerda do
Douro, de onde a minha família materna é oriunda). Mas lembrei-me dela porque
devo ter herdado alguma costela do meu tio
inglês (chamavam-lhe assim porque era muito ruivo).
É que, tal como com ele (e com Camilo), comigo nem os
amigos estão a salvo. De levar umas arroxadas – mas não para que não sirvam de
testemunhas. Pelo contrário, para que testemunhem que eu, tal como já referi
algures neste blogue, sou um franco-atirador e que quem se puser
ao alcance da minha mira... Marcha. Leva umas arroxadas - não
literais, claro, que os tempos são outros; nem literárias, que não sou nenhum Camilo
– figuradas. Eu faço figuras, caretas, caricaturas.
Foi o que aconteceu com o meu amigo António Agostinho. Pôs-se
a jeito e zástrás, frechei-o. Ajeitei-lhe
a figura. Amanhei-lhe a careta. Fiz-lhe a caricatura.
.
Agostinho é, talvez, o melhor blogger da Figueira (foi
ele aliás que me iniciou na blogosfera). Ou pelo menos o mais atento, activo
(por vezes frenético), assertivo. Além disso, é um espírito livre que tem todo
um passado de participação cívica impoluta, coerente, desinteressada e frontalmente
alinhada à esquerda.
Cultiva, como poucos, a ironia – que, como muitos de nós
sabemos, é um artifício da inteligência inacessível a uma imensa casta de
imbecis - o que já lhe trouxe algumas chatices; que são, presumo, os custos da popularidade (o seu blogue
é, talvez, o mais visitado da Figueira).
.
Por isso não estranhei que ele assumisse que “entre uma coligação de direita disfarçada (Somos
Figueira) e uma direita conservadora
(o PS)”, a Figueira precisava de uma verdadeira alternativa e sugerisse mesmo “uma coligação CDU-BE-Independentes” .
Como tal não se concretizou, também não estranhei que ele
manifestasse a sua desilusão.
Também não estranhei que, perante isso, ele tivesse
recusado qualquer participação activa nas próximas eleições autárquicas. Até
achei natural.
.
Tudo o que escapa ao meu entendimento, como a morte ou a
estupidez, enche-me de uma tristeza tão funda e tão fria que acaba invariavelmente
por me enfurecer até à violência, como ao meu tio inglês. Mas como já não tenho a idade dele quando lhe davam
estes fulgores, dou as minhas arroxadas figuradas.
Em forma de desenho.
Confesso que neste, estive tentado a inserir um punhinho fechado – no lugar da mãozinha
digital - o que, reconheço, avacalharia a coisa ao nível da grosseria. De modos
que não quis levar tão longe o acinte. Fui benevolente.
Mas como sempre tivemos uma relação fraternal, não posso deixar
de acrescentar umas palavras ao meu amigo Agostinho: fica para quando o não mereceres.
.