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domingo, 30 de julho de 2023

O merchandaizingue da coisa

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Vivemos, de novo, tempos idolátricos. Outra vez tempos aziagos para quem não se conforma com a sandice, aquela velha atitude filosófica que consiste em aceitar com entusiasmo explicações que não exigem entendimento. A idade-média está de volta. Com pífaros e pandeiretas. São tempos áureos para o obscurantismo fanático e rancoroso. A santíssima religião não só é, de novo, muito respeitável, como até se recomenda.

Em Portugal, as únicas vozes que se manifestam com alguma racionalidade e que ainda vão fazendo algum eco nos media dominantes - os meios da comunicação comercial - são, como na idade média, os bobos – quero dizer, os artistas, aqueles que são mais facilmente desacreditáveis.

Bordalo II, por exemplo - que ousou dizer em público que acha perverso que “depois de sabermos dos abusos sexuais na Igreja, o Estado seja patrocinador deste festival católico” - viu o inefável e infalível Polígrafo comprovar que ele é, afinal, um dos mais felizes contemplados pelo estado com ajustes directos.

É claro que, depois disto, o artista já está a assar nas redes sociais - o bom povo que come gelados com a testa também gosta muito de fogueiras e não sabe, nem quer saber, das condições de vida dos artistas nem das contingências da arte e de outras paneleirices. Este bom-povo, que crê sem entender num só deus dividido em três pessoas, na virgindade de uma senhora que é ali de Fátima e uma vez pariu um moço e até numa porção de santinhos de todos os géneros e lugares, também não quer saber, nem entender, certos conceitos muito simples e até alguns factos da vida – como, por exemplo, este: ninguém adquire uma certa obra de arte a um determinado artista por concurso público; pla simples razão que qualquer aquisição dessa obra exacta a esse artista específico é sempre - só pode ser, não existe outro modo - um ajuste directo. Os artistas, tal como outros profissionais da vida airada, como as putas por exemplo, vivemos de ajustes directos. Sabemos (um saber de experiência feito) que a vida é “cu no chão, dinheiro na mão”, caso contrário o mais provável é ficarmos a arder para sempre. Sei que isto dito assim sem eufemismos pode ofender os mais altos sentimentos do bom-povo e até de alguns burgueses, a quem peço desde já, humildemente, que se fodam.

Mas mudemos de assunto, que isto está a tornar-se demasiado pessoal. Em todo o caso, bastamente constrangedor.

Enfim, como a nova prioridade nacional, anunciada por todos os órgãos da informação empresarial, é agora a sacrossanta segurança do recinto e não a putativa e amoral perversidade de um subsídio público descarado a uma multinacional pedófila (e ao seu franchaisingue nacional) eu, como não se pode ir contra eles, decidi juntar-me a eles. E conceder-lhes, também eu, porque não?, um subsídio, na forma do consultingue na área do merchandaizingue.

Sabia que as Jornadas Mundiais da Juventude tinham logotipo e grande, imensa, e graciosa, cobertura mediática, mas não tinham, nem têm, uma mascote. Um bonequinho. Como o Gil da expo 98 ou o Kinas do Euro 2004. Por isso lembrei-me daqueles fradinhos das Caldas, com um cordel para puxar, que se vendiam antigamente nas feiras para gáudio do bom-povo que sempre viu com particular e cúmplice bonomia os fulgores da líbido fradesca. Também me ocorreu que todo o santo clero português deve andar, compreensivelmente aliás, xitadíssimo por estes dias – enfim, com tanta juventude a flanar por aí, nas Jornadas Mundiais que estão quasiquasi a começar.

E foi então que criei o Zé. O Padre Zé. Ou melhor, o Padzé. Que melhor mascote do que este simpático bonequinho para realmente encarnar todo o espírito da coisa? Vender-se-ia como pãezinhos quentes, entre os peregrinos e até entre os basbaques. Em objecto, de louça ou de peluche, com barbante, claro; mas até mesmo só em postal.

Fica a ideia. É grátis.

(Depois não digam que isto aqui é só dzer mal e mainada, sem contributos construtivos e assim).

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quarta-feira, 8 de março de 2023

O sexo dos anjinhos com elefante na sala


 

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O problema não é um Deus que não existe, mas a religião que O proclama

José Saramago

Parece que cresce entre os portugueses, mesmo entre os católicos, uma grave e indignada perplexidade com o cinismo alarve e a hipocrisia atrevida dos mais altos “dignitários”(!) da santa madre igreja em relação às consequências do relatório devastador de uma comissão independente sobre os abusos sexuais no seu santo seio. Há mesmo quem se espante por não haver grandes e ruidosas manifestações cívicas de protesto e de repulsa, mas também com a despropositada reverência respeitosa com que ainda são tratados estes velhos pulhas viciosos nos meios de comunicação social e até por responsáveis políticos eleitos (alguns destes chegam mesmo a babar-lhes as manápulas para lhes lambuzar os anéis): entre salamaleques e genuflexões, por “Reverendíssimo”, “Dom não-sei-quê”, “Eminência”, “Excelentíssimo” ou quejandos, e não simplesmente por “bandalho” ou “filhodaputa” e à chapada e a pontapé-no-cu ou na cabeça que é como são tratados, nas esquadras de polícia portuguesas, todos os suspeitos de crimes repugnantes e hediondos.

Os portugueses chegaram ao ponto de terem de esperar sentados que um grupo impávido de velhos lúbricos, babados e de olhos vermelhos, discuta cinicamente entre si o sexo dos anjos (se a pedofilia é realmente crime sórdido e horrendo ou apenas uma simples contra-ordenação, um pecadilho que se resolve com três painossos e duas avémarias).

Tudo leva a crer que a sociedade civil portuguesa não sabe como lidar com uma organização pederástica e mafiosa, sustentada numa hierarquia rígida, num código de silêncio e de obediência cega e inflexível e liderada por uma gerontocracia cínica, cheia de manhas e de vícios e ungida de inexplicados privilégios.

A sociedade civil portuguesa tem, obviamente, um elefante na sala.

Pode continuar a fingir que ele não está lá, como sempre fez, até agora - mas não é por isso que ele não deixa de lá estar, paquidérmico, sempiterno, ignóbil, masturbador, nauseabundo, venéreo, pederástico e insinuante, como nunca. Ou então, pode fazer algo por si própria, por uma vez. E livrar-se do elefante para sempre.

Há duas maneiras de conseguir o desiderato. A “bíblica” e a “democrática”.

A “bíblica” ou “pombalina” (também chamada “à antiga portuguesa”) consiste basicamente em tomar-lhes os colégios, as residências, os seminários e as igrejas onde foram consumados os crimes e chegar-lhes fogo. Depois arrasá-los. Por fim, salgar a terra. Esta é a opção mais cara e complexa (exige uma pesada logística), invasiva (talvez um tanto brutal) demodée e, em simultâneo, menos eficaz e definitiva - porque não assegura que a actividade criminosa não possa prosseguir noutros locais.

A melhor opção é, pois, a “democrática”. Desta maneira, mais limpa, a sociedade civil portuguesa pode facilmente livrar-se do paquiderme no meio da sala sem sequer questionar minimamente a santa integridade da propriedade privada - respondendo, em referendo, a duas perguntas singelas:

1 - Concorda com a Concordata?

2 - Concorda com a isenção de impostos da Igreja Católica?

- Se a maioria dos portugueses concordar com a Concordata (um tratado infame assinado, pela parte de Portugal, por um estafermo nefando que já retratei aqui e que, inexplicadamente, ainda circula em liberdade) sociedade civil continua a impedir qualquer tribunal português de interrogar padrecas, bispos e até cardeais (sempre que julgar pertinente), de os levar a julgamento (se julgar necessário) e de os condenar (se julgar justo).

- Se a maioria dos portugueses concordar com a (também incompreensível) isenção de impostos da citada organização criminal, sociedade civil continua a permitir o seu financiamento e, com isso, a perpetuar o crime.

- Se a maioria dos portugueses discordar de ambas, sociedade civil livra-se finalmente do elefante. Simples assim.

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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O piropo

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"(...) Quantos se lembrarão de que, na Figueira, no antigo hotel Reis, nessa época, ao fundo da Praça Velha, estiveram hospedados, ao mesmo tempo, Guerra Junqueiro, Gonçalves Crespo, Cândido Figueiredo, Manuel de Arriaga, Bettencourt Rodrigues. Já não era um mero hotel de praia: era uma sucursal da Academia, uma espécie de Academia a banhos.

Foi num dos alegres jantares dessa estirpe de Júpiter que ocorreu, segundo se conta, este pitoresco episódio: na altura da sobremesa, entraram na sala de jantar duas senhoras ainda novas, bonitas, uma portuguesa, outra brasileira, que estavam com as respectivas famílias no hotel. Ao vê-las entrar, Gonçalves Crespo, levantou-se imediatamente, ergueu o copo e exclamou:
- Brindo ao belo sexo dos dois hemisférios!
Mas logo Junqueiro [Guerra ...], reparando que sob a blusa de seda de uma das senhoras arfavam dois seios rechonchudos, levantou-se, de súbito, bradando, de copo em punho, com a galante irreverência dos seus vinte anos [estava-se, portanto, em 1870]:
- E eu brindo aos dois hemisférios do belo sexo!" 
[Luiz de Oliveira Guimarães, in, I Centenário da Figueira da Foz, 1882-1982]

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Tudo indica que a esquerda fracturante e o activismo feminil, certamente à míngua de causas neste paraíso isento de iniquidades, pretendem legislar sobre os costumes. Vão avançar com uma proposta de lei para equiparar o piropo ao assédio. Criminalizá-lo.
Como a ortodoxia conservadora que governa esta pobre choldra é bastante liberal em matéria de costumes (isto é, não se importa de ceder aos avanços das minorias mais folclóricas) e como a coisa chega por via anglo-saxónica não me admira que colha.
Portanto 
contenham-se
pedreiros, homens de espírito, poetas
(enfim, a estirpe de júpiter).
Pensem bem
antes de verbalizarem os vossos arroubos mais galantes.

A partir de agora é para piar fininho.
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terça-feira, 27 de agosto de 2013

O “talent de bien faire”

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Ah, a Marinha portuguesa. Tanto haveria a dizer sobre a armada lusitana. E dos seus “nove séculos de história”.
Além de ter dado ao país um inesquecível presidente da república tem, entre os seus “heróis”, um rei (que se deixou assassinar - magnificamente, a tiro de clavina - enquanto se passeava de charrete no Terreiro do Paço); isto para lá, evidentemente, de um número imarscecível de fidalgos - condes e marqueses, da alta e da baixa nobreza - entre os quais um tal de Ferreira do Amaral, avoengo do actual ci-ai-ou da Lusoponte (este deixou-se também massacrar gloriosamente mas “a cutiladas”, pelos chinocas, enquanto passeava a cavalo).
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Enfim, é uma história trágicómarítima. Mas que deixou profundas e indeléveis marcas no actual carácter cordato dos portugueses e até no seu modo de falar – a expressão “ir para o caralho” por exemplo, tem origem em certas regras disciplinadoras da rapaziada a bordo (quem ia “para o caralho” nunca mais lá queria voltar - não era propriamente como passar em Alcobaça). Assim, o facto de os portugueses hodiernos permitirem que se lhes faça tudo sem tugirem nem mugirem, tem razões profundamente navais – eles nutrem um verdadeiro - entranhado, atávico e genuinamente sincero - pavor de ir para o caralho.
Contudo, a glória da armada portuguesa não se reduz aos seus métodos pedagógicos dissuasores, civilizadores, ou pacificadores. A sua história também é uma história de inovação tecnológica; como por exemplo a invenção, um tanto precoce, cem anos antes da descoberta oficial (era um conceito gurmê na época – envolvia seda natural), do “cartucho”.
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Mas não vou por aí. O que concitou a minha atenção foram os seus feitos mais recentes. Sim, porque a marinha portuguesa está sempre a fazer coisas - tem aliás como lema “talent de bien faire” – vontade de bem fazer, a divisa do infante D. Henrique.
A Marinha portuguesa condecorou recentemente o grande navegador havaiano Garrett McNamara. Com a medalha Vasco da Gama. Não só por ele ter trepado a uma onda de trinta metros a cavalo numa prancha, na Nazaré - mas também, e sobretudo, por ter feito chegar o nome desse lugar remoto e de Portugal aos ainda mais alcantilados píncaros das páginas do niuiórquetaimes.
Os portugueses são assim, ficam deleitados quando se fala deles “lá fora”. E quando é no niuiórquetaimes então, ou mesmo vá lá, no uóxintomposte, ficam completamente desvanecidos, e dão tudo. Fazem tudo. Foi isso que a nossa armada fez.
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Para agradecer ao seu novo herói, a marinha portuguesa, através do site do Instituto Hidrográfico, criou um serviço que passa agora a divulgar as previsões das condições de surfe em todo o país e nas regiões autónomas. Nem mais. Chama-se “qual é a tua onda?”- o serviço. António Silva Ribeiro*, o contra-almirante que dirige o Instituto Hidrográfico da Marinha, veio à Figueira apresentar este serviço e frisou que mais tarde será lançada uma versão específica deste programa dedicada ao apoio das actividades da pesca artesanal ou de cerco e alar para terra, que utilizam aliás os mesmos litorais arenosos e as mesmas ondas que são utilizadas pelos surfistas.
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Ou seja, a Marinha Portuguesa, sempre no afã de bem fazer, apoia prioritariamente actividades realmente estruturantes, que criam empregos, riqueza, enfim. fixam populações. Também não se esquece, evidentemente, das actividades mais residuais, extravagantes, puramente recreativas e até mesmo diletantes, como a pesca, por exemplo. Nem dos pescadores, esses dândis. Mas ficam para mais tarde.
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É que, por São Jorge, segundo outro dos seus lemas, a armada lusitana tem “o mar por vocação, o país por horizonte.

*António Silva Ribeiro, o contra-almirante da armada que veio à Figueira mostrar o serviço do seu Instituto Hidrográfico, aproveitou a sua excursão à praia da Claridade para dissipar do espírito dos locais uma dúvida excruciante: deu-lhes a sua palavra de oficial e cavalheiro de que a Nazaré tem, de facto, a onda mais alta do mundo; mas a Figueira tem a mais comprida.
O que, de certo modo, faz algum sentido.
Se pensarmos bem, o comprimento da onda figueirinhas deve ser directamente proporcional à extensão da sua praia. Só pode.
Ou seja, a ciência, através do instituto hidrográfico da Marinha, reconcilia os figueirinhas com a sua auto-estima, tão afectada pela cagança dos nazarenos.
Viva a armada lusitana. Por São Jorge.
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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

para frau Merkel, mas não só...

... é também dedicado a todas as gerações de políticos portugueses responsáveis por "décadas de desgoverno". Mas igualmente aos seus fiéis eleitores, sem os quais nada disto teria sido possível. 
Agora digam lá que eu não sou democrático. 
Ou, como diria o imortal Luiz Pacheco: - "Puta que os pariu a todos".
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domingo, 23 de setembro de 2012

COMUNICADO (ao conselho de estado)


Estive reunido (devo dizer que, como José Afonso e o cão-do-Miguel, eu integro sozinho o meu próprio comité-central - uma espécie de piquete de crise) e após incisiva reflexão e aturado debate interno, decidi tornar pública a minha posição oficial sobre as conclusões da reunião do Conselho de Estado da passada sexta-feira.
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É claro que também está disponível na minha página do Face-Book – a exemplo de suacelência o -primeiro-ministro e de suacelência o -presidente-consorte, é lá que eu partilho com o mundo (e com o vasto universo dos meus mais de cento e poucos amigos) os meus estados de alma; e outras coisas realmente importantes.
Por enquanto, nada mais tenho a acrescentar.
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Paz e Amor. E comprimentos às famílias.
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domingo, 25 de março de 2012

Momento zen


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Portugal vive um dos momentos mais sui generis, mais em forma de assim, da sua já longa história.
Os portugueses não têm que fazer; os que ainda têm, trabalham mais e ganham cada vez menos, pagam cada vez mais impostos, têm cada vez menos direitos. E todavia, gostam: a política do empobrecimento geral (mas não universal) em curso é o desígnio nacional que, segundo as abébias que falam na televisão, foi sufragado e é apoiado por oitenta por cento dos cidadãos eleitores. Nem mais.
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A pobreza é a verdadeira prioridade. A única em que o governo legitimamente constituído realmente acredita. E acredita tanto mas tanto que faz dela o seu único verdadeiro investimento. Basta ver os rios de dinheiro que sonega à segurança social e que o ministro da solidariedade, “a cinderela da lambreta”, prodigaliza às empresas privadas de caridade -na Figueira da Foz, uma delas, esta, é mesmo uma das maiores empregadoras do concelho, vejam bem.
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A pobreza é pois, neste momento, indústria pesada, e de ponta. Em breve o país estará em condições de exportar.
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Mas a pobreza não é só flores - o ministro da saúde, por exemplo, admite que o aumento da pobreza faça crescer também a tuberculose. O que é uma maçada e, talvez por isso, os serviços que ele tutela mandaram encerrar o BCG da Figueira da Foz e a partir deste mês (Março) os doentes pulmonares figueirinhas vão passar a poder passear por Coimbra o seu esplendor. Ou seja, não há nada que este governo não faça pelos pobrezinhos.
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No entanto, os cidadãos que se opõem a isto e o manifestam publicamente em greves legalmente convocadas e pacíficas são descritos, “a vol d’oiseau” nos canais manipulados de televisão, como “grupos de perigosos radicais”.
Eu gostava de mostrar aos coninhas avençados que falam nas televisões manipuladas e escrevem em jornais de referência, o que é um verdadeiro radical. Mas não percebo nada de explosivos (os meus conhecimentos na matéria são manifestamente limitados para me fazer suficientemente eloquente). Por isso faço desenhos. Sirvo-me do humor e de todas as suas três teorias, que tento levar à prática de forma, digamos, mais ou menos empírica.
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Hoje, talvez levado por este post bem-humorado do meu amigo Agostinho, saiu-me um cão. Captei-o no momento em que o melhor amigo do homem faz - na rua, às escâncaras e sem culpa (lá se vai a teoria freudiana do alívio) - aquilo que os seus donos e muitas outras pessoas têm dentro da cabeça. Oitenta por cento delas, segundo os especialistas da televisão (e dos jornais de referência).
Dir-me-ão que isto não é humor. Pois não. É escárneo. Pura derisão.

Há momentos em que bem tento ser elegante. Mas não sou de ferro.
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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fucking Ada



Este blogue não “apoia” nem se regozija por aí além com os acontecimentos de Londres.

Limita-se a, “atento ao rumor do mundo”, constatar um facto: os vândalos estão no meio de nós.
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A barbárie a que assistimos em directo na televisão não passa de uma vertigem do consumo. Os excluídos da sociedade do consumo e do espectáculo também querem consumir. E aparecer na televisão.
Os insurrectos que vemos no pequeno ecran são o fruto do que o sistema (o modelo social da sra Thatcher, aperfeiçoado pla 3ª via do sr. Blair e agora plo sr. Cameron) reservou para eles. Não tiveram educação (não tinham dinheiro para as propinas) nem saúde (não tinham dinheiro para o seguro) nem trabalho (por isso não tinham dinheiro para a educação e a saúde e a cultura, and so on).
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Esses bárbaros não têm pois educação, nem maneiras, nem causas, nem ocupação, nem ideologia, nem referências, nem líderes, nem a mínima ideia do que estão ali a fazer. Mas têm uma ideia (mais do vaga) do que o sistema lhes pode oferecer; a publicidade que vêem na televisão (esta é free) encarregou-se, doutrinando-os, de os elucidar sobre isso. E eles também querem aparecer na televisão. E como the show must go on, o espectáculo é o seguinte:
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-os grunhos analfabetos que vemos embuçados, "às compras", num frenesim alarve de consumo pelo “antigo bairro de Marx” (tiens, não foi este que disse que o capitalismo haveria de soçobrar nas suas próprias contradições?) não têm nada a perder. Estão se cagando.
Essa é que é essa.
Es-tão se ca-gan-do. Fucking Ada, my dear.

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quarta-feira, 11 de maio de 2011

O patriotismo mendicante



De todas as formas da estupidez o patriotismo é, para mim, a mais inquietante e enigmática.
Consiste basicamente em, através da propaganda, transformar pessoas sem qualquer brio individual ou qualidades cívicas notórias numa turba cheia de auto estima, convictamente consciente dos supostos valores da sua hereditariedade. Quanto mais grunhos, impreparados e civicamente amorfos forem os indivíduos, mais ululante se torna o fervor colectivo. Em geral, isto é perpetrado com intuitos políticos mais ou menos óbvios mas sempre inconfessáveis.

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Em Portugal, onde tudo assume contornos sempre muito pitorescos, este fenómeno adquire por vezes proporções de um ridículo que atinge a atrocidade.
O Município de Cascais resolveu patrocinar um vídeo supostamente dirigido aos finlandeses, onde, em penosos seis minutos e quarenta e quatro segundos do mais rutilante orgulho nacionalista, tenta convencer os gélidos comedores de rena a emprestar dinheiro à ditosa pátria.

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O desenho é a base de todas as artes da representação. A caricatura é uma destas artes.

Este desenho foi o que me ocorreu para representar essa pitoresca (que deixou a blogosfera lusitana embevecida) nova variedade de patriotismo, específica e retintamente portuguesa, o mendicante.

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

O símbolo da Figueira


O recente e pitoresco episódio do concurso para um logótipo do município da Figueira da Foz (com as indignações ressentidas dos nostálgicos de Santana Lopes e as subsequentes e hilariantes justificações do presidente da Câmara) levou-me a concluir que os responsáveis camarários estarão descontentes com o actual brasão da cidade.
Daí que eu, apesar de não pretender participar no dito concurso (já não tenho idade para jogos florais e prestígio é coisa que não me faz correr muito) não resisto a dar a minha modesta contribuição para a iconografia de um novo brasão mais actualizado e moderno, pois então.
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Embora não seja um especialista em heráldica, tentarei obedecer a parâmetros mínimos dos seus cânones: assim, e porque as pessoas já não se revêem no velho bergantim bacalhoeiro, a figura do escudo será o desenho acima, inspirado neste improviso sobre a mui nobre actividade do golfe, o novo paradigma local do investimento estruturante.
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A figura assentará sobre um esmalte dividido na vertical, em rosa e laranja (alusão às cores dos poderes do sempiterno alterne em vigor).
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Quanto às peças ou honrarias, em vez dos oito figos e respectivas parras do escudo actual, passará a ostentar nove buracos (que representam, literal e singelamente, o número de buracos do projectado campo de golfe de Buarcos).
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Os suportes, que são as figuras que sustentam ou guardam o escudo, poderão ser, de um lado uma torre de apartamentos (referência à especulação imobiliária, principal actividade económica da região); do outro, um eucalipto (referência à economia do endividamento, principal credo das elites políticas locais).
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A coroa, em vez dos cinco castelos, contará com oito quadrados estilizados que representam o cordão de torres de habitação social que circunda a cidade (poderá haver também aqui uma sibilina referência a uma estruturante, ainda que informal, actividade económica típica: o aluguer do recuado).
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Os paquifes serão constituídos por um friso de fichas, dados e cartas de jogar com os seus naipes de variadas cores (referência à mais vetusta e ainda viçosa actividade económica da cidade, o jogo de azar).
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Quanto ao grito de guerra proponho que seja, “num listel sobre o brasão”: “Ólhó carapau e sardinha frescaaaa!!!” alusão igualmente óbvia às actividades da pesca e da restauração.
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Já quanto à divisa não me ocorre nada, mas alguém de direito, e de jure, certamente achará algo a propósito.
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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Postal para a Irlanda



Na terra dos duendes verdes e dos padrecas que sodomizam rapazinhos não se pode gracejar com aquilo em que estes (e outros) seres fantásticos acreditam.
Na Irlanda, a blasfémia, a mais antiga panaceia para desopilar fígados, está pela hora da morte. É o que acontece quando a religião impõe "os deus dogmas como imperativos gerais de conduta".
Não me admira que alguns dos seus filhos (como Swift, Wilde, Yeats, Joyce ou Bacon) se tenham pisgado assim que puderam (Beckett, coitado, ficou tão traumatizado que desatou a escrever em francês).
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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A fé das moscas


“Ó tu que, ao que se diz, criaste tudo o que existe no mundo; tu de quem não sei nada; tu que apenas conheço por palavras e pelo que homens que se enganam todos os dias me podem ter dito; ser bizarro e fantástico a que chamam deus, declaro formalmente, autêntica e publicamente que não acredito nem um pouco em ti, pela excelente razão de que não vejo absolutamente nada capaz de me persuadir duma existência absurda que nada no mundo atesta com solidez.“


Donatien-Alphonse François, Marquês de Sade (História de Juliette)

A polémica de Caím descambou. Desceu ao nível da academia. Definitivamente, o país dos doutores e do pedigree não perdoa a José Saramago as suas origens proletárias, não ter um curso “superior”, não acreditar em deus nosso senhor, ter merecido um prémio Nobel e escrever livros que são lidos num vasto universo de idiomas.
Esta gente carregada de pergaminhos académicos não entende Harold Bloom, o mais que tudo dos críticos norte-americanos (cultura que tanto veneram) que, no seu livro Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds ("Génio: Um Mosaico de Cem Exemplares Mentes Criativas"), considerou José Saramago "o mais talentoso romancista vivo nos dias de hoje" (tradução livre de the most gifted novelist alive in the world today), referindo-se a ele como "o Mestre". Declarou ainda que Saramago é "um dos últimos titãs de um género literário que se está a desvanecer".
Depois da insinuação torpe e javarda de que as proposições do escritor se inscreveriam numa estratégia de marketing (como se o mercado português do livro não fosse peanuts para Saramago) e do triste episódio do texto envinagrado de inveja aleivosa de Vasco Pulido Valente, agora é outro "valente" (este é um editor) que vem à carga com esta brilhante e exigente “análise literária” carregada de adjectivos - depois de uma breve busca pelo Google, fiquei a saber que o valente “crítico” literário é o satisfeito editor de José Rodrigues dos Santos e de Miguel Sousa Tavares; há coisas fantásticas não há? - São as que se explicam por si mesmas. Com vultos da edição como este não admira que o panorama editorial e a cultura em Portugal sejam o que se sabe.
Mas é bem feito para Saramago: ele já devia saber que "apelar á reflexão" num país de cretinos convictos e devotos iluminados é como escarafunchar num charco sórdido e fétido com uma vara demasiado curta: uma pessoa salpica-se.
E agora, José? Ser-se ateu em Portugal não é pêra doce.
É uma experiência existencial muito próxima do “martírio” dos cânones católicos; é viver a vida toda numa espécie de eterno purgatório de perplexidades, numa dúvida excruciante:
- se deus não existe, quem foi o filho da puta que criou as moscas e os imbecis?
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