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sexta-feira, 24 de março de 2023

O ministro dos negócios estranhos da defesa


 

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Fi-lo porque qui-lo

            Jânio Quadros

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Não lhe conhecia esta capacidade de aceleração para o precipício”, disse Carvalho da Silva à TSF, a respeito de António Costa. Eu confesso que também não. Mas suponho que deve ser esse mesmo o lastro da social-democracia: a súmula de indecisões tíbias, premeditações torpes, trapalhadas e todo o género de cegadas mais ou menos sórdidas, equívocas ou anedóticas que robustecem o descrédito generalizado que é a base sólida para o triunfo do fascismo. É dos livros de História (veja-se a mui leda e social-democrata “governança” da Alemanha nos anos que precederam a ascensão do nazismo e, mais recentemente da Itália, nas temporadas que anteciparam o triunfo da senhora Melloni). Carvalho da Silva, ainda na mesma entrevista, ressalva até, nesse mesmo sentido, um conjunto de indicadores que já vêm da legislatura anterior”.

Um dos indicadores indisfarçados dessa tendência tornou-se bastamente notório na última proposta de orçamento de estado do governo da geringonça. A ideia era, como sempre, meter o socialismo na gaveta e fechá-lo à chave, mas desta vez deitar fora a chave. Os comunas, como sempre, chutaram para canto, tal com os do Bloco. Mas a grande maioria dos portugueses, com o barulho das luzes, aplaudiu, como as focas, em alegre apoteose.

Quando Costa, com a bênção não menos entusiasmada da associação patronal, conquista a maioria absoluta, já só tem uma ideia fixa: destruir e desmoralizar os serviços públicos, e o estado-social, a favor da privataria e da alta-finança. Foi para isso que, com um notável esmero, arregimentou o elenco que constituiu o seu gabinete e todo um governo cuja acção, numa sucessão trágico-cómica de improbidades e parlapatices, é bem capaz de desacreditar por muitos anos qualquer ideia de poder minimamente à esquerda.

Uma das estrelas mais cotadas do cast, no desempenho deste burlesco entremez, é o ex-ministro da Defesa, e actual ministro dos estrangeiros, João Gomes Cravinho. Filho do nepotismo, perdão, de outro Cravinho, um garboso e mui seráfico paladino da luta contra a corrupção que também já retratei aqui, João Gomes é um diplomata e professor universitário com um interesse muito mais do que puramente académico nos negócios imobiliários. Também é muito distraído – nunca se apercebeu, por exemplo, que o seu sócio na imobiliária foi condenado por fraude fiscal.

João Gomes é um prato cheio para a oposição e para a opinião pública, e publicada. Quase tão desastrado como o Cabrita (sobre quem também já me debrucei aqui) Cravinho, como ministro da Defesa, trocou as mãos plos pés a propósito do atraso na construção de um hospital militar sob sua tutela, e os pés plas mãos para explicar a derrapagem aparatosa nos custos.

Como ministro dos estrangeiros, além de fazer habitualmente o que não deve, Cravinho também diz invariavelmente tudo o que lhe vem à cabeça, o que não deixa de ser, no mínimo, muito peculiar num diplomata. João Gomes Cravinho disse, por exemplo, que os casos de indisciplina na Armada “são intoleráveis, põem em causa o próprio país” - mas não disse nada sobre o estado de sucata a que deixou chegar a frota da gloriosa armada luzitana quando foi ministro da Defesa. João Gomes também nada disse sobre a intolerabilidade da intrigante, inaudita e destrambelhada renovação da sua própria carta de condução, o que não deixa de ser uma lástima.

Todavia, Cravinho, além de ter sido o primeiro a declarar guerra à Rússia, também já disse que Portugal até pode deter o senhor Putin, se por acaso ele cá vier em recreio, ou assim. O que prova que a formiga tem catarro, uma notável capacidade de aceleração para o precipício e absolutamente nenhum medo do ridículo.

*Este é mais um retrato cantinflesco. Da série iniciada e explicada aqui.

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4 comentários:

V.Dias disse...

Grande merda de mandantes que temos.

cid simoes disse...

Quando é que nos vamos livrar desta gentalha?

Rogério G.V. Pereira disse...

Muito bom!
É isso mesmo!

X Dias Longo disse...

Esta gentalha que todos os dias nos envergonha como povo!