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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

A Cantinflada ou a manipulação do caos

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Diz-se que uma vez, no teatro, o actor mexicano Mário Moreno esqueceu-se de uma deixa e resolveu dizer tudo o que lhe veio à cabeça, num novelo incoerente e improvisado de frases invertidas e palavras truncadas. Foi um sucesso imediato na geral embora tivesse sido severamente censurado nas filas da frente, por causa da sintaxe. Contudo, segundo o escritor Carlos Monsivais, Moreno “deu-se logo conta que o destino tinha posto nas suas mãos a sua característica distintiva, o estilo que é a manipulação do caos. Na semana seguinte inventou o nome que marcou a invenção: Cantinflas. Moreno foi modulando o seu personagem e os tiques do seu peculiar estilo de linguagem em vários papeis numa vasta lista de filmes ao longo de várias décadas e conquistou fama e fortuna em todo o mundo hispânico (mas também entre nós) e um lugar no panteão do cinema, mas também a consagração pela Real Academia Española que, em 1992, incluiu no seu Diccionário de la Lengua o verbo cantinflear e as palavras cantinflas e cantinflada e posteriormente haveria de acrescentar ainda os adjectivos cantinflesco, cantinflero, e acantinflado e ainda o substantivo cantinfleo. Tudo isto relativo à prosápia sem sentido ou à facúndia sem conteúdo.

Quando António Costa disse pretender "estabelecer um circuito que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer" não sei se teve a mesma epifania que Moreno, isto é, não sei se teve a consciência súbita que tinha também logrado a sua característica distintiva, o seu estilo de manipular o caos. Também não faço a mais mínima ideia se o termo cantinflada existe no léxico português ou no inefável “Dicionário” da Academia das Ciências, mas o conceito não é de todo estranho à praxis e ao discurso políticos da ditosa pátria.

António Costa, mesmo que não tenha disso consciência, é um político cantinflesco (domina como poucos a arte de falar muito sem dizer porra nenhuma com aprovação geral, como o presidente Marcelo e Mário Moreno) e lidera um governo também ele, benza-o deus, bastante acantinflado.

Eu tomei a liberdade, deus me ajude, de fazer o retrato e a ficha a todos os seus ministros (ou pelo menos aos mais proeminentes, os mais ditosos na arte de manipular o caos).

Hoje calhou a vez a Manuel Pizarro. Pizarro é médico, ainda que não muito praticante, e diz-se socialista, algo que pratica ainda menos. Mas quando fala também ninguém o leva preso. O que ele pratica com gosto e proveito é política, em público, e consultadoria, em privado (não se trata exactamente de consultas médicas, mas da venda de conselhos de negócios, na área da saúde). Contudo, para ele poder ir gerir a pasta da Saúde Pública a modos que se viu obrigado por lei a encerrar a sua actividade empresarial de consultadoria na mesma área. Os sacrifícios de que um homem empreendedor é capaz para governar este país.

Acham que o retrato ficou satisfatório, ou esperavam algo mais… sei lá, cantinfleiro?
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2 comentários:

cid simoes disse...

Em suma, um governo cantiflesco.

X Dias Longo disse...

Eu diria mais um governo Cantifoleiro.