.
Diz-se que uma vez, no teatro, o actor mexicano Mário Moreno
esqueceu-se de uma deixa e resolveu dizer tudo o que lhe veio à cabeça, num
novelo incoerente e improvisado de frases invertidas e palavras truncadas. Foi um
sucesso imediato na geral embora tivesse sido severamente censurado nas
filas da frente, por causa da sintaxe. Contudo, segundo o escritor Carlos
Monsivais, Moreno “deu-se logo conta que o destino tinha posto nas suas mãos a
sua característica distintiva, o estilo que é a manipulação do caos”. Na semana
seguinte inventou o nome que marcou a invenção: Cantinflas. Moreno foi
modulando o seu personagem e os tiques do seu peculiar estilo de linguagem em
vários papeis numa vasta lista de filmes ao longo de várias décadas e conquistou
fama e fortuna em todo o mundo hispânico (mas também entre nós) e um lugar no
panteão do cinema, mas também a consagração pela Real Academia Española que, em
1992, incluiu no seu Diccionário de la Lengua o verbo cantinflear e as
palavras cantinflas e cantinflada e posteriormente
haveria de acrescentar ainda os adjectivos cantinflesco, cantinflero, e acantinflado e ainda o
substantivo cantinfleo. Tudo isto relativo à prosápia sem sentido
ou à facúndia sem conteúdo.
Quando António Costa disse pretender "estabelecer um
circuito que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de
conhecer" não sei se teve a mesma epifania que Moreno,
isto é, não sei se teve a consciência súbita que tinha também logrado a sua característica
distintiva, o seu estilo de manipular o caos. Também não
faço a mais mínima ideia se o termo cantinflada existe no
léxico português ou no inefável “Dicionário” da Academia das Ciências, mas o conceito não é de
todo estranho à praxis e ao discurso políticos da ditosa pátria.
António Costa, mesmo que não tenha disso consciência, é um político cantinflesco (domina
como poucos a arte de falar muito sem dizer porra nenhuma com aprovação geral,
como o presidente Marcelo e Mário Moreno) e lidera um governo também ele,
benza-o deus, bastante acantinflado.
Eu tomei a liberdade, deus me ajude, de fazer o retrato e a ficha a todos os
seus ministros (ou pelo menos aos mais proeminentes, os mais ditosos na arte de
manipular o
caos).
Hoje calhou a vez a Manuel Pizarro. Pizarro é médico, ainda que
não muito praticante, e diz-se socialista, algo que
pratica ainda menos. Mas quando fala também ninguém o leva preso. O que ele pratica
com gosto e proveito é política,
em público, e consultadoria, em privado (não se trata exactamente de consultas médicas, mas
da venda de conselhos de negócios, na área da saúde). Contudo, para ele poder ir
gerir a pasta da Saúde Pública a modos que se viu obrigado por lei a encerrar
a sua actividade empresarial de consultadoria na mesma área. Os sacrifícios de que um
homem empreendedor é capaz para governar este país.
2 comentários:
Em suma, um governo cantiflesco.
Eu diria mais um governo Cantifoleiro.
Enviar um comentário