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domingo, 30 de julho de 2023

O merchandaizingue da coisa

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Vivemos, de novo, tempos idolátricos. Outra vez tempos aziagos para quem não se conforma com a sandice, aquela velha atitude filosófica que consiste em aceitar com entusiasmo explicações que não exigem entendimento. A idade-média está de volta. Com pífaros e pandeiretas. São tempos áureos para o obscurantismo fanático e rancoroso. A santíssima religião não só é, de novo, muito respeitável, como até se recomenda.

Em Portugal, as únicas vozes que se manifestam com alguma racionalidade e que ainda vão fazendo algum eco nos media dominantes - os meios da comunicação comercial - são, como na idade média, os bobos – quero dizer, os artistas, aqueles que são mais facilmente desacreditáveis.

Bordalo II, por exemplo - que ousou dizer em público que acha perverso que “depois de sabermos dos abusos sexuais na Igreja, o Estado seja patrocinador deste festival católico” - viu o inefável e infalível Polígrafo comprovar que ele é, afinal, um dos mais felizes contemplados pelo estado com ajustes directos.

É claro que, depois disto, o artista já está a assar nas redes sociais - o bom povo que come gelados com a testa também gosta muito de fogueiras e não sabe, nem quer saber, das condições de vida dos artistas nem das contingências da arte e de outras paneleirices. Este bom-povo, que crê sem entender num só deus dividido em três pessoas, na virgindade de uma senhora que é ali de Fátima e uma vez pariu um moço e até numa porção de santinhos de todos os géneros e lugares, também não quer saber, nem entender, certos conceitos muito simples e até alguns factos da vida – como, por exemplo, este: ninguém adquire uma certa obra de arte a um determinado artista por concurso público; pla simples razão que qualquer aquisição dessa obra exacta a esse artista específico é sempre - só pode ser, não existe outro modo - um ajuste directo. Os artistas, tal como outros profissionais da vida airada, como as putas por exemplo, vivemos de ajustes directos. Sabemos (um saber de experiência feito) que a vida é “cu no chão, dinheiro na mão”, caso contrário o mais provável é ficarmos a arder para sempre. Sei que isto dito assim sem eufemismos pode ofender os mais altos sentimentos do bom-povo e até de alguns burgueses, a quem peço desde já, humildemente, que se fodam.

Mas mudemos de assunto, que isto está a tornar-se demasiado pessoal. Em todo o caso, bastamente constrangedor.

Enfim, como a nova prioridade nacional, anunciada por todos os órgãos da informação empresarial, é agora a sacrossanta segurança do recinto e não a putativa e amoral perversidade de um subsídio público descarado a uma multinacional pedófila (e ao seu franchaisingue nacional) eu, como não se pode ir contra eles, decidi juntar-me a eles. E conceder-lhes, também eu, porque não?, um subsídio, na forma do consultingue na área do merchandaizingue.

Sabia que as Jornadas Mundiais da Juventude tinham logotipo e grande, imensa, e graciosa, cobertura mediática, mas não tinham, nem têm, uma mascote. Um bonequinho. Como o Gil da expo 98 ou o Kinas do Euro 2004. Por isso lembrei-me daqueles fradinhos das Caldas, com um cordel para puxar, que se vendiam antigamente nas feiras para gáudio do bom-povo que sempre viu com particular e cúmplice bonomia os fulgores da líbido fradesca. Também me ocorreu que todo o santo clero português deve andar, compreensivelmente aliás, xitadíssimo por estes dias – enfim, com tanta juventude a flanar por aí, nas Jornadas Mundiais que estão quasiquasi a começar.

E foi então que criei o Zé. O Padre Zé. Ou melhor, o Padzé. Que melhor mascote do que este simpático bonequinho para realmente encarnar todo o espírito da coisa? Vender-se-ia como pãezinhos quentes, entre os peregrinos e até entre os basbaques. Em objecto, de louça ou de peluche, com barbante, claro; mas até mesmo só em postal.

Fica a ideia. É grátis.

(Depois não digam que isto aqui é só dzer mal e mainada, sem contributos construtivos e assim).

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2 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

O texto já comprei
Quanto ao Padzé vou pensar...

X Dias Longo disse...

Meu caro Fernando
Sempre atento e acutilante.
belíssimo texto
e um belo dum Pazé.
Abraço