.
Quando tudo aquilo que julgamos decente está em risco
(até mesmo um futuro digno para os que mais amamos), já não há
alibis morais para a imparcialidade cautelosa, o voyerismo cínico ou
a pusilanimidade calculista. É chegado o momento em que até o mais recalcitrante
dos indivídualistas não tem o direito à liberdade moral da
indiferença.
Mesmo alguém como eu, um artista habituado a observar
os factos com o cepticismo distanciado, mas apesar de tudo cómodo,
dos que deixam testemunho, deve fazer algo mais efectivo –
participar - tomar partido.
Foi o que fizeram outros, muito maiores do que eu, antes
de mim: Goya, pela razão, David, pela revolução;
Courbet, pela comuna, Picasso, pela civilização (e
todos contra a barbárie, que
é o que se aproxima).
Pela primeira vez na minha vida, aos cinquenta anos,
terei uma participação activa na política, para além do voto (de
que nunca me abstive nem usei em branco). Serei candidato por
uma das listas concorrentes às próximas eleições municipais na
Figueira da Foz. Quero poder responder a minha filha agora
adolescente, de cabeça levantada quando ela mo perguntar, de que
lado estava quando tudo se desmoronava e o que fiz quanto a isso.
Outras razões dessa decisão são o que tento explicar
no texto que se segue, que espero sucinto e suficientemente claro,
eloquente e por isso distinto dos linguados dúbios e sofismáticos
de sua eiscelência o pguesidente da guepública. Todavia,
à sua semelhança, também o farei publicar (para quem
prefira) na minha página do Face-Book.
Breve
Declaração Política
(com alguns àpartes e uma nota de rodapé)
em que se explica
a quem interesse e ao povo em geral
porque me envolvi na política
e me achei candidato pla lista dos comunistas
.
Sou
um filho deserdado e céptico dos ideais da revolução francesa.
Desprovido de convicções (sou mais de percepções, ou sensações),
não acredito em nada. Nem num ser supremo, como Robespierre;
nem nas maravilhas da ciência e da técnica, como os
ingénuos; nem nos benefícios da caridadezinha, como os tontos; nem
nas virtualidades dos mercados, como os velhacos; nem sequer
(ai de mim) na exequibilidade da igualdade entre os homens, como
Babeuf e os comunistas (isto apesar de, racionalmente, concordar que
sem a igualdade a liberdade e a fraternidade não são mais do que
duas tristes falácias absurdas).
Sendo
um cidadão perplexo porém assertivo, talvez incómodo (tenho
opinião e não me importo de a usar) e estando-me vedado o acesso
aos meios de comunicação tradicionais (et pour cause),
aproveitei a simplicidade de acesso às novas tecnologias da
informação e criei um blogue que é uma espécie de diário pessoal
e veículo de divulgação do meu trabalho (sou artista plástico) e
da minha opinião, reflectida, sobre este e aquilo a que Mário
Dionísio chamava “o rumor do mundo”. Aí escrevo, e assino em
baixo, exactamente o que penso, sem pruridos nem complacências,
sobre tudo o que me ocorre: da vida, do desenho, da arte, da beleza,
da justiça, da cultura, do humor, da viagem, da amizade, da
liberdade de expressão, da fealdade, da estupidez, da morte.
Todavia,
embora me manifeste frequentemente também sobre política, nunca
participei nela activamente. Nunca - jamais - militei em
qualquer organização nem desempenhei qualquer cargo público,
eleito ou por nomeação - porque nunca me convidaram e porque não
sou de me oferecer (o bom-senso e uma consciência aguda das
minhas limitações têm-me impedido constantemente de o fazer). Isto
não é sequer um traço de carácter, apenas um reflexo de
temperamento: não sou de grupos - nunca fui escuteiro, nem da
mocidade portuguesa, tampouco jotinha numa associação de
estudantes e nem sequer fui à tropa; não sou sócio da Naval, nem
do Ginásio, de nenhuma das filarmónicas, nem sequer dos Bombeiros e
não dou para o Banco Alimentar (enfim, dou mas não me orgulho
disso. Só o faço quando me sinto demasiado deprimido e impotente
para fazer algo mais efectivo pela justiça).
Sou,
sempre fui, um caso isolado. Um caso à parte, um
outsider. Aquilo a que se chama um independente.
Não
sou todavia um pária anti-social: já fundei uma empresa, uma
revista de humor, uma cooperativa cultural, um jornal de informação,
até uma associação de artistas. Tenho cinquenta anos.
Posto
isto digamos que o meu campo ideológico natural se situa
nessa região a que genericamente se chama Esquerda - mais
precisamente algures à direita de Babeuf e à esquerda de
Robespierre ou vice-versa, já não sei bem - em todo o caso é nesse
juste-milieu que penso que está a virtude, que é o terror
dos inimigos da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.*
Nestes
infelizes tempos que nos foram dados viver, a estupidez ganha terreno
todos os dias espalhando a impunidade e um nefando lastro de
injustiças e iniquidades. A incompetência e a venalidade na gestão
do erário público atingem cúmulos nunca vistos e os mesmos de
sempre, cujo objectivo único tem sido beneficiar-se e a interesses
privados, assumem de novo aquela linguagem cínica, melíflua e
acanalhada com que habitualmente logram as expectativas de um
eleitorado já estupidificado pelo entretenimento cretino, pelo
comentário crapuloso e pela informação parcial e manipulada mais
difundidos.
Foi
neste contexto que resolvi ignorar os pruridos de modéstia quanto às
minhas capacidades e aceitei o convite que me foi feito pelos
responsáveis locais da CDU (Coligação Democrática Unitária) para
me juntar a eles na luta por dias melhores, uma cidadania mais
igualitária e uma Cidade mais justa, enfim, por Vida mais
inteligente.
É
o mínimo que pode fazer alguém que não acredita em nada: juntar-se
aos que acreditam numa ideia decente da vida em comunidade e sempre
tiveram uma prática coerente com esse conceito.
Assim,
o meu nome (e provavelmente a minha triste figura) constará na lista
de candidatos da coligação aos orgãos de poder local nas próximas
eleições municipais. Devo dizer que me agrada a moral dos
comunistas – é de uma substância, surpreendentemente ou talvez
não, composta em partes iguais pelas mesmas quatro virtudes
cardeais dos antigos cristãos - ou seja, não é elástica nem é de plástico; exactamente como eu gosto. Talvez por isso, assinei
voluntariamente um termo de responsabilidade (que eles exigem apenas
aos seus militantes, não aos independentes) no qual me comprometo,
em caso de ser eleito, a manter o cargo à disposição da coligação
que represento; a não enriquecer com a política (o remanescente do
que auferir no exercício desse cargo que exceder os meus actuais
rendimentos será canalizado para um fundo em benefício de
freguesias ou concelhos com eleitos da CDU) e a defender
exclusivamente os pressupostos do seu manifesto eleitoral.
Aos
meus adversários políticos, a quem considero que apesar de tudo
devo lealdade - mesmo àqueles que se reúnem no eixo que se
identifica pela expressão imbecil de “arco da governação”
(como se, pelo estado actual do país e da região, tal coisa pudesse
sequer ser respeitável) – sinto que devo três reparos e
uma satisfação:
1º.
É verdade simsenhores que somos do contra, como
nos acusam. Não podia, aliás, ser de outra maneira; somos
decididamente contra tudo o que praticais e contra todos
os que vos apoiam.
2º.
Não é verdade nãosenhores que não tenhamos programa
ou propostas construtivas. As nossas propostas são o reflexo
invertido da vossa prática, isto é, o seu contrário (o inverso da
destruição só pode ser edificante). Ou seja, o programa em
si é virar tudo às avessas; a começar pela pirâmide social,
virá-la ao contrário, invertê-la - só para ver como é que fica -
depois, arrasá-la, claro. A ideia é, depois, construir tudo de novo
e de outra maneira.
Trata-se,
como vedes, de um “vasto programa”. Ambicioso. E com altos
custos, obviamente, para vós - mas “não tenhais medo”;
como decerto sabereis, pois acreditais Nele, “o que custa é que
Deus agradece”.
3º.
Também não é verdade que a lista da Coligação
Democrática Unitária seja, como o rótulo que lhe pretendem colar
depreciativamente, uma “lista de ortodoxos” - a simples
verificação da inclusão de alguém como eu na sua lista de
candidatos deve bastar para comprovar a extrema generosidade e
abertura de espírito da CDU em relação às heterodoxias mais
explícitas.
Pelo
que a próxima vez que um qualquer pentelho lambe-cus (sei que isto é
uma redundância mas, como Camões, gosto de as usar) utilizar o
mesmo género de discurso esclerosado e simplório em textículos ou linguados mal-enjorcados, chilros e pretensamente jocosos para
apostrofar aqueles por quem acabei de tomar partido, fica desde já
notificado: agora também é comigo.
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.
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Vale
Fernando
Campos
Maiorca,
Figueira da Foz, 16 de Julho de 2013
*nota
de rodapé:
a
Esquerda a que me refiro não tem nada que ver com aquela esquerda
fofa que sente necessidade de se proclamar “democrática”
(naturalmente para tranquilizar a direita e os mercados e garantir os
patrocínios), não – a Esquerda em que me situo basta-lhe a
acção participada dos cidadãos, não depende de patrocinadores e
não procura tranquilizar a direita. Pelo contrário, é o seu pior
pesadelo.
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11 comentários:
É uma satisfação.
Pois,há que tomar partido,lutar de forma organizada e consequente.
Um texto admirável.
Forte abraço,
mário
Fiquei a saber
E deste-me grande alegria, podes crer!
Não me contive e dei a noticia. Para que se saiba!
Caro Fernando
Regresso para notificar,não resisto a roubar,com a devida vénia,o texto.
Abraço,
mário
Boa texto/testemunho/desabafo/discurso - só por este, se vivesse na Figueira, votaria CDU, assim como não vivo, voto CDU na mesma.
Um abraço da mesma camioneta
Excelente!
No país demasiado "elástico" faz falta a posição firme de mais um artista plástico.
Uma grande alegria...
“Porque los guerreros verdaderos
no descansan descansando”.
(Gil Vicente)
Parti pris... como diria um português de gema que gosta de se exprimir em francês.
Um texto que é um modo e exemplo,o que é muito mais que uma moda e pretender ser exemplar.
Obrigado!, um abraço
Não sei escrever tão bem quanto gotaria como tal faço minhas as suas palavras e com sua permissão lançá~las-ei aos 4 ventos.
:)
Obrigada.
Já conhecia o desenhos de Fernando Santos de alguns blogs que leio. Agora fiquei a conhecer o homem e afirmo, com orgulho, que é digno da CDU e a CDU digna dele.
Obrigada Fernando Santos.
Um beijo, cheio de admiração.
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