.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A secretária do nosso tesouro


 .

“Nunca aceitei e devolveria de imediato” qualquer quantia fora do “estrito cumprimento da lei”.

Alexandra Reis é a imagem mais capitosa da classe dirigente lusitana. O retrato mais vivo e fiel da nossa gestão-de-ponta. Mas também, receio, do português comum. Reis foi constrangida à demissão por questões morais, não por questões legais. A Lei, em Portugal, não é informada pela moral, ou pla ética.

Reis foi para a TAP despedir pessoas. Despediu mais de três mil. Foi avara nas indemnizações. Aos que ainda lá ficaram também os constrangeu a reduzir remunerações. Depois, também ela foi dispensada. Não se coibiu, no entanto, de reclamar para si a mais repolhuda das compensações. A Lei permite-o, aos gestores, o que não faz aos trabalhadores. De seguida foi estrafegada nos jornais e nas redes sociais. Um escândalo; imoral, clamaram; até gorda e feia lhe chamaram as almas puras e castas e elegantes e belas e censuradoras.

Não vi ninguém clamar contra a imoralidade de uma lei que consagra o privilégio e, por tanto, a iniquidade. Talvez porque é este o tesouro que realmente prezam todos os portugueses, desde sempre: os da classe dirigente, com os seus cavalos, bispos, torres e gestores-de-ponta; e os da classe dirigida, com os seus peões.

Um tesourinho consagrado nesta reveladora e deprimente máxima do senso-comum português de Lineu, intuída por todos desde piquenos: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não entende da arte.
.

2 comentários:

cid simoes disse...

"Canalha vil, grandíssima ralé!" é como o Junqueiro tratava "O Melro", eu, plagiando o poeta, do mesmo modo, classifico os abutres que nos devoram..

X Dias Longo disse...

Citando o Zeca
"Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada"