.
.
Se ao menos isto tudo
se passasse
numa terra de
mulheres bonitas!
Mas as mulheres
portuguesas
são a minha
impotência!
Almada
Negreiros , in
“Cena do Ódio”
.
Estava eu, um dia pla tardinha, sentado no meu atelier, fumando
um dos meus cachimbos e afiando o lápis para fazer mais uma daquelas
caricaturas que tanta fama me dão quando desceu sobre mim (quer dizer, à minha
frente) um anjo que me disse deste jaez:
- Porque não deixas, ó tu, o escárnio botabaixista e
fazes pra variar algo de digno, de construtivo, enfim algo de, sei lá
edificante ou assim? Olha, uma
homenagem por exemplo.
Foi então que caí em mim (é o que acontece quando anjos
descem sobre nós, quer dizer, à nossa frente, falando na linguagem dos mercados)
e vi a luz.
Decidi fazer uma homenagem a Joana Vasconcelos.
.
Joana Vasconcelos não é uma musa de poetas. Neste
aspecto, receio mesmo que Joana encarne a mais capitosa explicação possível para
os mais enigmáticos, e pouco elegantes já agora, versos da lírica portuguesa (em epígrafe). Não,
Joana não é uma mulher portuguesa qualquer. É “uma artista portuguesa que vive
e trabalha em Lisboa no circuito de arte contemporânea”. Mas não é uma artista
qualquer. Ela é a artista portuguesa preferida dos mercados, a mais-que-tudo do
mainstream, da crítica e até do nosso
ministro dos estrangeiros.
.
.
Em todo o caso, que melhor homenagem a um artista do que
a citação ou mesmo imitação dos seus métodos de trabalho?
Decidi pois homenageá-la apropriando-me do seu próprio, digamos
assim, processo criativo. Vai daí apropriei-me
de um objecto pré-existente (fui às Caldas, comprei um vaso de 3 litros, o
maior que encontrei) cheguei a casa, depositei-o sobre um plinto do atelier e
deixei-o posar. Já tinha o meu objecto, devidamente “descontextualizado". Faltava "subvertê-lo”.
- Há
lá coisa mais portuguesa do que um das Caldas, pensei eu entretanto, satisfeito, de
mim para comigo.
- Só se for uma renda de Bilros, disse-me a voz do anjo -
o que, de imediato, desencadeou em mim uma “engenhosa operação de deslocação,
reminiscência das gramáticas nouveau-realiste e Pop”: fui à rua da República, na Figueira da Foz e comprei, numa
retrosaria que ainda lá há, umas rendas de confecção industrial que pensei
poderem oferecer “uma visão cúmplice, mas simultaneamente
crítica da sociedade contemporânea e dos vários aspectos que servem os
enunciados de identidade colectiva, em especial aqueles que dizem respeito ao
estatuto da mulher, diferenciação classista, ou identidade nacional”.
E pronto. Já tinha o meu ready-made acabado e onde é bem visível “um
discurso atento às idiossincrasias contemporâneas, onde as dicotomias
artesanal/industrial, privado/público, tradição/modernidade e cultura
popular/cultura erudita surgem investidas de afinidades aptas a renovar os
habituais fluxos de significação característicos da contemporaneidade.” Assinei em baixo. Está desde 30 de Novembro em exposição no
Tubo d’Ensaio d’Artes, em estreia mundial, até ao fim deste mês.
.
Mas onde penso que ele ficava bem era, em escala
monumental claro, nos jardins do Palácio das Necessidades.
Por isso, se por acaso
este for um blog monitorado pelo gabinete que o governo criou para o efeito, aqui
fica a referência. À atenção pois, de quem de direito. Ao que me dizem, os rapazes do
ministério dos estrangeiros iriam a-do-rar. O conceito, ife iú nou uót’ ai mine, ófe córse.
.
8 comentários:
"O sacho de plantar homens" vestido a rigor. Um tanto amaricado mas com muita imaginação.
Dei por mim a sorrir e depois a rir sózinho. Bem hajas.
Fico grato por ires mostrando essa tua jocosa exposição. Já me tinha parecido magnífica a fonte da tua publicação anterior.
ine dide! Ai éme stile semailingue.
Obrigado pela instalação... e que sirva a quem sirva, nos negócios estrangeiros ou nos háféres interiores!
Ficaria muito muito bem no Palácio de Versalhes.
Excelente.
O que eu me ri... Primeiro, a fina ironia, depois o sarcasmo contundente... Ainda estou a rir... Até porque rir faz bem! eh eh eh
Obrigado... Afinal nem tudo está perdido.
na "mouche" :)
na "mouche" :)
És um génio do caraças tu.
A tua arte não te dá para mais do que para gamar ideias que não são tuas?
:D
Enviar um comentário