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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Homenagem a Joana Vasconcelos

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Se ao menos isto tudo se passasse
numa terra de mulheres bonitas!
Mas as mulheres portuguesas
são a minha impotência!
Almada Negreiros , in “Cena do Ódio”
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Estava eu, um dia pla tardinha, sentado no meu atelier, fumando um dos meus cachimbos e afiando o lápis para fazer mais uma daquelas caricaturas que tanta fama me dão quando desceu sobre mim (quer dizer, à minha frente) um anjo que me disse deste jaez:
- Porque não deixas, ó tu, o escárnio botabaixista e fazes pra variar algo de digno, de construtivo, enfim algo de, sei lá edificante ou assim? Olha, uma homenagem por exemplo.
Foi então que caí em mim (é o que acontece quando anjos descem sobre nós, quer dizer, à nossa frente, falando na linguagem dos mercados) e vi a luz.
Decidi fazer uma homenagem a Joana Vasconcelos.
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Joana Vasconcelos não é uma musa de poetas. Neste aspecto, receio mesmo que Joana encarne a mais capitosa explicação possível para os mais enigmáticos, e pouco elegantes já agora, versos da lírica portuguesa (em epígrafe). Não, Joana não é uma mulher portuguesa qualquer. É “uma artista portuguesa que vive e trabalha em Lisboa no circuito de arte contemporânea”. Mas não é uma artista qualquer. Ela é a artista portuguesa preferida dos mercados, a mais-que-tudo do mainstream, da crítica e até do nosso ministro dos estrangeiros.
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Em todo o caso, que melhor homenagem a um artista do que a citação ou mesmo imitação dos seus métodos de trabalho?
Decidi pois homenageá-la apropriando-me do seu próprio, digamos assim, processo criativo. Vai daí apropriei-me de um objecto pré-existente (fui às Caldas, comprei um vaso de 3 litros, o maior que encontrei) cheguei a casa, depositei-o sobre um plinto do atelier e deixei-o posar. Já tinha o meu objecto, devidamente “descontextualizado". Faltava "subvertê-lo”.
Há lá coisa mais portuguesa do que um das Caldas, pensei eu entretanto, satisfeito, de mim para comigo.
- Só se for uma renda de Bilros, disse-me a voz do anjo - o que, de imediato, desencadeou em mim uma “engenhosa operação de deslocação, reminiscência das gramáticas nouveau-realiste e Pop”: fui à rua da República, na Figueira da Foz e comprei, numa retrosaria que ainda lá há, umas rendas de confecção industrial que pensei poderem oferecer uma visão cúmplice, mas simultaneamente crítica da sociedade contemporânea e dos vários aspectos que servem os enunciados de identidade colectiva, em especial aqueles que dizem respeito ao estatuto da mulher, diferenciação classista, ou identidade nacional”.
E pronto. Já tinha o meu ready-made acabado e onde é bem visível um discurso atento às idiossincrasias contemporâneas, onde as dicotomias artesanal/industrial, privado/público, tradição/modernidade e cultura popular/cultura erudita surgem investidas de afinidades aptas a renovar os habituais fluxos de significação característicos da contemporaneidade. Assinei em baixo. Está desde 30 de Novembro em exposição no Tubo d’Ensaio d’Artes, em estreia mundial, até ao fim deste mês.
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Mas onde penso que ele ficava bem era, em escala monumental claro, nos jardins do Palácio das Necessidades.

Por isso, se por acaso este for um blog monitorado pelo gabinete que o governo criou para o efeito, aqui fica a referência. À atenção pois, de quem de direito. Ao que me dizem, os rapazes do ministério dos estrangeiros iriam a-do-rar. O conceito, ife iú nou uót’ ai mine, ófe córse.

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8 comentários:

cid simoes disse...

"O sacho de plantar homens" vestido a rigor. Um tanto amaricado mas com muita imaginação.

Luis Filipe Gomes disse...

Dei por mim a sorrir e depois a rir sózinho. Bem hajas.
Fico grato por ires mostrando essa tua jocosa exposição. Já me tinha parecido magnífica a fonte da tua publicação anterior.

Sérgio Ribeiro disse...

ine dide! Ai éme stile semailingue.

Obrigado pela instalação... e que sirva a quem sirva, nos negócios estrangeiros ou nos háféres interiores!

Lola Parola disse...

Ficaria muito muito bem no Palácio de Versalhes.

Excelente.

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

O que eu me ri... Primeiro, a fina ironia, depois o sarcasmo contundente... Ainda estou a rir... Até porque rir faz bem! eh eh eh
Obrigado... Afinal nem tudo está perdido.

maria disse...

na "mouche" :)

maria disse...

na "mouche" :)

Virgílio disse...

És um génio do caraças tu.

A tua arte não te dá para mais do que para gamar ideias que não são tuas?

:D