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domingo, 7 de agosto de 2022

Mário Ferreira, o self-made-astronauta


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Eis mais um cromo para o meu álbum dos rostos da classe dirigente. Trata-se de um excêntrico (termo cunhado pelos criativos da Santa Casa para designar todo aquele que se acha rico da noite para o dia depois de investir uma quantia, mesmo parca, num qualquer dos diversos conteúdos lúdicos disponibilizados pla misericordiosa entidade). Mário Ferreira não é, contudo, um excêntrico da Santa Casa. Não, que ele não joga a raspadinha, nem no totobola. Ferreira joga à lerpa, com o Estado. Funciona assim: Ferreira compra um bem ao estado, por menos de metade do seu valor. Logo a seguir, vende-o pelo dobro; de caminho, passa por La Valetta, para tratar dos impostos, e de outras burocracias. Também funciona com a venda de serviços (neste caso, Ferreira cobra o dobro do valor). O estado lerpa sempre e Ferreira torna-se excêntrico. Quanto mais o estado lerpa (é a técnica do acumuladinho) mais excêntrico Ferreira se torna.

Foi assim que Ferreira se tornou um dos 20 homens mais ricos de Portugal, com uma fortuna avaliada em 600 milhões de euros, e o primeiro turista espacial português - numa viagem que realizou a 3 de agosto de 2022 a bordo da New Shepard One da Blue Origin. Levou uma bandeira nacional, como os que vão ver a bola, e uma garrafa de Porto e uma caravela em filigrana (ninguém sabe para quê). Foi de foguete e veio de cápsula travada por pára-quedas. A viagem durou 11 minutos, três dos quais experienciados em microgravidade. O preço? “confidencial”, diz o antigo empregado-de-mesa que é muito conhecido por uns por ser o dono da TVi e da CNN, o das “negociatas com barcos” ou o “tubarão do Douro” e por outros como um escroque, um criminoso fiscal e um tretas.

Contudo Mário Ferreira não é só isto. Ninguém é apenas isto. Ferreira é um self-made-man que, contra a vontade dos pais, partiu, aos 16 anos, para Londres e começou por trabalhar na área da restauração. Foi aprendiz de chef, mas rapidamente saltou da cozinha e tornou-se gerente. Aos trinta já tinha o seu primeiro milhão no banco. Sempre a gerir. Ferreira casou duas vezes. A primeira, com uma rica herdeira norte-americana, que conheceu num cruzeiro. A segunda, com uma juíza portuguesa – o padrinho foi o madeirense Joe Berardo (outro caso notório deste género de excentricidade). Ferreira também é comendador da Ordem do Mérito e comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Comercial e Industrial; e, entre outras certamente também merecidas condecorações, também é o feliz portador da Cruz da Ordem da Terra Mariana, atribuída plo presidente da república da Estónia; da Medalha do Pacificador, atribuída plo Exército do Brasil e da Medalha de Mérito Turístico, Grau Ouro, do Governo de Portugal.

Além de tudo isto, Mário Ferreira está a ser investigado pla Judite por um negócio que fez com o estado (a aquisição do navio Atlântida) e que José Maria Costa, à época presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, explicou assim: O Governo conseguiu criar mais um excêntrico, neste caso o senhor Mário Ferreira, da Douro Azul, que comprou por 7 milhões e vendeu por 21 milhões aquilo que o Estado não soube ou não quis vender por melhor preço” (deve acrescentar-se que o navio tinha sido avaliado em 29 milhões de euros, num relatório dos estaleiros de Viana do Castelo, em 2012). Mas há mais. Em 2017, a venda do Atlântida, através de uma empresa em Malta (que reteve os lucros), foi mencionada nos chamados Malta Files. No ano anterior, o nome de Mário Ferreira constou dos Paradise Papers como um dos empresários portugueses proprietários de empresas com sede em offshores. Mas ainda há mais: uns dias antes de as suas empresas receberem a visita da Judite, o jornal “Público” revelou que, da lista de investimentos aprovados pelo novo Banco Português de Fomento (BPF), 40 milhões de euros (52% do total) foram destinados à sociedade anónima Pluris Investments, de Mário Ferreira, que detém 35,38% da Media Capital, dona da TVI.

Há quem ache que o caso pode levantar suspeitas de “favoritismo”, pois a Pluris Investments não encaixa no “conceito de pequena e média empresa” a quem se destinam os fundos do Programa de Recapitalização Estratégica do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR). Segundo reputados especialistas nestes assuntos sórdidos, as suspeitas de “favoritismo” podem justificar-se pela notória proximidade de Ferreira a certas figurinhas, por sua vez muito próximas dos governos de Portugal.

É claro que tudo pode ser coisa de despeitados que não podem ver uma camisa lavada num torço esforçado. Mas também pode não ser. Em todo o caso, sempre que a excentricidade se torna concêntrica, até o paisano distraído suspeita e a Judite investiga.
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1 comentário:

X Dias Longo disse...

Os mestres do PRR
Abraço