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Eis mais um cromo para o meu álbum dos rostos
da classe dirigente. Trata-se de um excêntrico
(termo cunhado pelos criativos da Santa
Casa para designar todo aquele que se acha rico da noite para o dia depois
de investir uma quantia, mesmo parca, num qualquer dos diversos conteúdos
lúdicos disponibilizados pla misericordiosa entidade). Mário Ferreira
não é, contudo, um excêntrico da Santa Casa. Não, que ele não joga a raspadinha,
nem no totobola. Ferreira joga à lerpa, com o Estado.
Funciona assim: Ferreira compra um bem ao estado, por menos de metade do
seu valor. Logo a seguir, vende-o pelo dobro; de caminho, passa por La Valetta,
para tratar dos impostos, e de outras burocracias. Também
funciona com a venda de serviços (neste caso, Ferreira cobra o dobro do
valor). O estado lerpa sempre e Ferreira torna-se excêntrico.
Quanto mais o estado lerpa (é a técnica do acumuladinho) mais excêntrico
Ferreira se torna.
Foi assim que Ferreira se
tornou um dos 20 homens mais ricos de Portugal, com uma fortuna avaliada
em 600 milhões de euros, e o primeiro
turista espacial português - numa viagem que realizou a 3 de agosto de 2022 a
bordo da New Shepard One da Blue Origin. Levou uma bandeira nacional, como os que vão
ver a bola, e uma garrafa de Porto e uma caravela em filigrana (ninguém sabe
para quê). Foi de foguete e veio
de cápsula travada por pára-quedas. A viagem durou 11 minutos, três dos
quais experienciados em microgravidade. O preço? “confidencial”,
diz o antigo empregado-de-mesa que é muito conhecido por uns por ser o dono da
TVi e da CNN, o das “negociatas com barcos” ou o “tubarão do Douro” e por
outros como um escroque, um criminoso fiscal e um tretas.
Contudo Mário Ferreira não é
só isto. Ninguém é apenas isto. Ferreira é um self-made-man que, contra a
vontade dos pais, partiu, aos 16 anos, para
Londres e começou por trabalhar na área da restauração. Foi aprendiz de chef,
mas rapidamente saltou da cozinha e tornou-se gerente. Aos trinta
já tinha o seu primeiro milhão no banco. Sempre a gerir. Ferreira casou
duas vezes. A primeira, com uma rica herdeira norte-americana, que conheceu num
cruzeiro. A segunda, com uma juíza portuguesa – o padrinho foi o madeirense Joe
Berardo (outro caso notório deste género de excentricidade). Ferreira também é comendador da Ordem do Mérito e comendador
da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Comercial e Industrial; e, entre
outras certamente também merecidas condecorações, também é o feliz portador da Cruz
da Ordem da Terra Mariana, atribuída plo presidente da república da
Estónia; da Medalha do Pacificador, atribuída plo Exército do Brasil e
da Medalha de Mérito Turístico, Grau Ouro, do Governo de
Portugal.
Além de tudo isto, Mário
Ferreira está a ser investigado pla Judite por um negócio que fez com o
estado (a aquisição do navio Atlântida) e que José Maria Costa, à época
presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, explicou assim: “O Governo conseguiu criar mais um
excêntrico, neste caso o senhor Mário Ferreira, da Douro Azul, que comprou por
7 milhões e vendeu por 21 milhões aquilo que o Estado não soube ou não quis
vender por melhor preço” (deve acrescentar-se que o navio tinha sido
avaliado em 29 milhões de euros, num relatório dos estaleiros de Viana do
Castelo, em 2012). Mas há mais. Em 2017, a venda do Atlântida, através de uma empresa em
Malta (que reteve os lucros), foi mencionada nos chamados Malta Files.
No ano anterior, o nome de Mário Ferreira constou dos Paradise Papers como
um dos empresários portugueses proprietários de empresas com sede em offshores.
Mas ainda há mais: uns dias
antes de as suas empresas receberem a visita da Judite, o jornal “Público”
revelou que, da lista de investimentos aprovados pelo novo Banco Português de
Fomento (BPF), 40 milhões de euros (52% do total) foram destinados à sociedade
anónima Pluris Investments, de Mário Ferreira, que detém 35,38% da Media
Capital, dona da TVI.
Há quem ache que o caso pode levantar suspeitas
de “favoritismo”, pois a Pluris Investments não encaixa no
“conceito de pequena e média empresa” a quem se destinam os fundos do Programa
de Recapitalização Estratégica do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR). Segundo
reputados especialistas nestes assuntos sórdidos, as suspeitas de “favoritismo”
podem justificar-se pela notória proximidade de Ferreira a certas figurinhas, por
sua vez muito próximas dos governos de Portugal.
1 comentário:
Os mestres do PRR
Abraço
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