.
Tudo o que escapa ao meu entendimento, como a morte ou a
estupidez, enche-me de uma tristeza tão funda e tão fria que acaba invariavelmente
por me enfurecer até à violência. O recurso sistemático ao humor, à bricolage,
ao sarcasmo, à carpintaria, à escrita, ao vernáculo, ao desenho, à observação
da natureza e a coleccionar pedras, tem-me, felizmente, impedido de consumar
esse ímpeto iniludível (também me permitiu chegar quase aos sessenta anos sem
nunca ter posto os pés num tribunal, na condição de arguido). O texto que se
segue não é um estado d’alma; é a minha opinião reflectida - e
definitiva - sobre alguém, um rapazola visivelmente carente de atenção,
com quem me fartei de ser condescendente. Ao leitor que se melindra com
linguagem vicentina peço que suspenda aqui a leitura, a menos que compreenda
que é irresistível o que se impõe com naturalidade.
não existe vaidade
inteligente
Louis-Ferdinand Céline,
in Viagem
ao fim da noite
Há
uns anos, num dia de eleições autárquicas (esta é uma estória verídica) eu
integrava a mesa de voto nº 2 de Maiorca, como habitualmente por
designação da CDU. Era Setembro (ou Outubro) e estava calor. Como previamente
combinado com os meus colegas da mesa, lá para o fim da tarde, num período de
menor afluência de eleitores, retirei-me brevemente para me refrescar. Para
quem não sabe, no largo da feira velha, em Maiorca, existem dois cafés,
o do Amadeu e o do Samarra. O Amadeu é do PSD. O Samarra
é do PS. A clientela de ambos também, à mesma razão e proporção. Por opção
apolítica, fui ao bar do Amadeu - o Amadeu vende o tabaco ao balcão
e o Samarra teima em usar, para o mesmo efeito, uma máquina irritante e
imbecil que por vezes nem sequer reconhece as moedas de euro. Entrei. “Meus
senhores…”
O
bar estava cheio. Entre dois televisores aos gritos, o Amadeu mungia,
filosófico, a máquina dos finos e, enquanto entrechocavam os copos com os
pires, os tremoços com as azeitonas e os jqzinhos fritos com as enguias
d’escabeche, o povo intercomunicava acaloradamente num chinfrim
ensurdecedor. Mas lá consegui ser atendido. Quando já me retirava com a minha
água gelada, fui abordado por um paisano que me fixou um olho peremptório (o
outro divagava no espaço, estrábico) apontou-me ao nariz um indicador grosso e
acusador e disse-me deste jaez: “Se bocês num ganharem desta bez, nunca mais
boto em bocês!” Devo dizer que os clientes do Amadeu que estavam nas
imediações assistiram a tudo com uma fleuma de perfeitos cavalheiros: ninguém
se riu. Eu também tentei, claro. Sorri, acenei e, saindo de fininho, lá
fui ajudar a contar os votos. Está claro que não ganhámos porra nenhuma. Mas o
pobre homem deve ter cumprido a sua promessa (os imbecis são pertinazes) – nas
eleições seguintes, perdemos o nosso único representante na assembleia de
freguesia.
Não
sei o que nele mais admirar, se o atrevimento se a necedade. François Rabelais
Acontece
que este “lambe-cus a gostinho” não é um simples eleitor anónimo, como o
de Maiorca, que se pode dar ao luxo de ser inconsequente ou rapazola. Este
merdas foi mandatário de uma candidatura que agora está na oposição.
Como presumo que uma função destas infere alguma responsabilidade, foi disso
mesmo que o relembrei, no cartoon nª 345 da série aFigueirinha, sugerindo
que respondesse à “questão em jeito de pergunta” que ele próprio, algo
macarronicamente, tinha formulado. Qual quê. O lambe-cus, insolente, chutou
para canto, limpou as mãos à parede e, acanalhado, foi sacudindo a água do
capote para cima da líder local da CDU a quem, em simultâneo, foi cobrindo de
elogios, tão untuosos como alarves, reiterando, sempre cinicamente, votos de
muitos votos à coligação da qual foi não só mandatário mas também o sétimo
na lista de candidatos à Câmara Municipal. A mesma coligação, liderada pela
mesma pessoa, que, desde que passou a engraxar o cágado, critica
publicamente - com a ligeireza dos néscios e dos impostores.
Eu
edito cartoons e caricaturas neste blogue há mais ou menos quinze anos.
Já “visei” dezenas, ou centenas, de personalidades. Muitas delas da
política e da sociedade figueirense. Com algumas cheguei a ser, reconheço,
particularmente duro, senão mesmo bastante cruel e até, possivelmente, injusto.
Todos reagiram com aquela dignidade e indiferença que é fleuma de
cavalheiros, ou de pessoas minimamente inteligentes (a única excepção foi o
estafermo do zémilhazes, que me escreveu, ainda assim agradecendo-me a
caricatura, para me mandar à merda; eu reencaminhei-o logo, claro - e
vejam onde está ele agora). Mas nunca, jamais, nenhum deles teve a puta
desfaçatez de ousar “reinterpretar” ao seu gosto os meus desenhos.
-
A não ser agora, o merdas do comissário “lambe-cus a gostinho”. Um engraxa-o-cágado,
vaidoso como um perú e imbecil e satisfeito como um dodó, que nunca viu nenhuma
incompatibilidade, enquanto mandatário da CDU, em coscuvilhar a vida
interna de outras formações políticas locais (PS e PSD) e permitir-se
especulações insidiosas e juízos de valor gratuitos, inapropriados,
acanalhadamente maliciosos, despropositados, abusivos e disparatadamente
escarninhos, como se fosse um observador político muito arguto e
independente.
O
mesmo observador arguto que, em posta mais recente, retomando o registo
choroso de alminha sensível censurada, embrulhou uma vaga de insinuações
azedas numa bizarra queixa contra desconhecidos (!) - “pessoas
perversas, relativistas e cheias de ressentimentos. Pessoas complicadas e sectárias,
que convivem mal com elas próprias e com o resto do mundo. Pessoas que passam
os dias a olhar para o próprio umbigo e a catar todas as oportunidades, ou
mesmo sem elas, para condenar as falhas (as reais e as imaginárias) dos outros”,
que rematou com uma torpe alusão sexual a cavalariça, em linguagem de urinol.
A
verdade, porém, é que é impossível que quem lambe cus não goste de merda. Por
isso, e só por isso, é que um escaravelho excrementício destes, petulante e
ufano como uma santanéte desmiolada, também nunca viu a inconveniência,
enquanto comissário municipal, de usar a mesma linguagem de urinol
(ou de latrina) para se referir publicamente a um ex-presidente do município.
Em
todo o caso, ainda bem que a função de mandatário se extingue no dia de
eleições. Folguei muito ao saber. Como eleitor dos comunistas não suportava a
ideia de me ver representado por um troca-tintas lambe-cus inchado como uma prima
donna que se comporta como uma porteira desbocada e se exprime como um
carroceiro borrachola. Já não lhe desejo boa sorte. E nem sequer o mando
à merda. Ele já lá está.
.
1 comentário:
Na minha caminhada encontrei muita gente desta, muita!
Enviar um comentário