.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

O lambe-cus a gostinho.


 .

Tudo o que escapa ao meu entendimento, como a morte ou a estupidez, enche-me de uma tristeza tão funda e tão fria que acaba invariavelmente por me enfurecer até à violência. O recurso sistemático ao humor, à bricolage, ao sarcasmo, à carpintaria, à escrita, ao vernáculo, ao desenho, à observação da natureza e a coleccionar pedras, tem-me, felizmente, impedido de consumar esse ímpeto iniludível (também me permitiu chegar quase aos sessenta anos sem nunca ter posto os pés num tribunal, na condição de arguido). O texto que se segue não é um estado d’alma; é a minha opinião reflectida - e definitiva - sobre alguém, um rapazola visivelmente carente de atenção, com quem me fartei de ser condescendente. Ao leitor que se melindra com linguagem vicentina peço que suspenda aqui a leitura, a menos que compreenda que é irresistível o que se impõe com naturalidade.

não existe vaidade inteligente

Louis-Ferdinand Céline, in Viagem ao fim da noite

Há uns anos, num dia de eleições autárquicas (esta é uma estória verídica) eu integrava a mesa de voto nº 2 de Maiorca, como habitualmente por designação da CDU. Era Setembro (ou Outubro) e estava calor. Como previamente combinado com os meus colegas da mesa, lá para o fim da tarde, num período de menor afluência de eleitores, retirei-me brevemente para me refrescar. Para quem não sabe, no largo da feira velha, em Maiorca, existem dois cafés, o do Amadeu e o do Samarra. O Amadeu é do PSD. O Samarra é do PS. A clientela de ambos também, à mesma razão e proporção. Por opção apolítica, fui ao bar do Amadeu - o Amadeu vende o tabaco ao balcão e o Samarra teima em usar, para o mesmo efeito, uma máquina irritante e imbecil que por vezes nem sequer reconhece as moedas de euro. Entrei. “Meus senhores…”

O bar estava cheio. Entre dois televisores aos gritos, o Amadeu mungia, filosófico, a máquina dos finos e, enquanto entrechocavam os copos com os pires, os tremoços com as azeitonas e os jqzinhos fritos com as enguias d’escabeche, o povo intercomunicava acaloradamente num chinfrim ensurdecedor. Mas lá consegui ser atendido. Quando já me retirava com a minha água gelada, fui abordado por um paisano que me fixou um olho peremptório (o outro divagava no espaço, estrábico) apontou-me ao nariz um indicador grosso e acusador e disse-me deste jaez: “Se bocês num ganharem desta bez, nunca mais boto em bocês!” Devo dizer que os clientes do Amadeu que estavam nas imediações assistiram a tudo com uma fleuma de perfeitos cavalheiros: ninguém se riu. Eu também tentei, claro. Sorri, acenei e, saindo de fininho, lá fui ajudar a contar os votos. Está claro que não ganhámos porra nenhuma. Mas o pobre homem deve ter cumprido a sua promessa (os imbecis são pertinazes) – nas eleições seguintes, perdemos o nosso único representante na assembleia de freguesia.

Não sei o que nele mais admirar, se o atrevimento se a necedade. François Rabelais

O cidadão, comissário municipal e blogger figueirinhas António Agostinho parece compartilhar com este bravo freguês de Maiorca o mesmo conceito de cidadania: gosta de estar, e de se dar, com vencedores. E gosta porque gosta, prontos. Só isso explica que, tendo sido mandatário e candidato de uma coligação que perdeu as eleições, depois de se armar a si próprio cavaleiro perdão, porta-voz da oposição à oposição a Santana Lopes, tenha ousado assinar, na sua página do face book, um linguado inacreditável (que, por decência, me recuso a reproduzir aqui) no qual, no mais puro e lambidinho estilo osório, se esmerou em demonstrar que Santana Lopes é afinal um ser humano como todos nós outros pois até tem muitos sentimentos e sensações e emoções e tal e assim e até transpira e chora e ri e tem cócegas e mija e peida-se imenso exactamente como toda a gente e tudo. Já não é primeira vez que o faz. Há uns anos perpetrou o mesmo linguadinho abstruso e despropositado a respeito de um candidato do PS à junta de S. Pedro. Um sujeito que, logo depois de eleito, perdeu o mandato; destituído por desfalque. Por isso, desta vez não fui condescendente e permiti-me comentar assim: “Parabéns.  Se me tivessem contado eu não acreditava. Mas eu li, reli, tresli, reconheço – e concedo: nunca vi lamber um cu com tanta proficiência, tanto esmero, tanto gosto, sei lá, tanta jactância. Isto é uma peça “de antologia”. Bravo. Nada subtil mas ao mesmo tempo com um jenesécoá de “não fazer fazendo” que, confesso, se fosse eu o cágado engraxado (ou se fosse meu o cu lambido) estaria desvanecido e considerando. Já como simples espectador (não tendo nada a ver - nem a haver - com isto) estou apenas embaraçado. Confesso que nem sei onde me meter. E tinha que o dizer. Mas é só. Em todo o caso, boa sorte.” Logo a seguir, o merdas apagou a posta e mais tarde reeditou-a no seu blogue, acompanhada de uma longa, muito coninhas e sentimental (como sempre) litania muito coitadinha e calimérica, queixando-se amargamente da incompreensão do mundo em geral e da minha “boçal desonestidade intelectual” em particular mas terminando, certamente muito auto-satisfeito consigo mesmo, como todos os parvos, com esta magnífica chave d’ouro:  “A oposição, em democracia representativa, terá de ser feita, em primeiro lugar, pelos partidos políticos.
Deixo uma questão em jeito de pergunta: até ao momento, alguém conhece uma conferência de imprensa, algum comunicado ou alguma tomada de posição partidária, e pública, em relação à gestão de Santana Lopes à frente da Câmara, nesta sua segunda passagem como presidente da Figueira da Foz e do seu concelho?
E já lá vão 8 meses de mandato...”

Acontece que este “lambe-cus a gostinho” não é um simples eleitor anónimo, como o de Maiorca, que se pode dar ao luxo de ser inconsequente ou rapazola. Este merdas foi mandatário de uma candidatura que agora está na oposição. Como presumo que uma função destas infere alguma responsabilidade, foi disso mesmo que o relembrei, no cartoon nª 345 da série aFigueirinha, sugerindo que respondesse à “questão em jeito de pergunta” que ele próprio, algo macarronicamente, tinha formulado. Qual quê. O lambe-cus, insolente, chutou para canto, limpou as mãos à parede e, acanalhado, foi sacudindo a água do capote para cima da líder local da CDU a quem, em simultâneo, foi cobrindo de elogios, tão untuosos como alarves, reiterando, sempre cinicamente, votos de muitos votos à coligação da qual foi não só mandatário mas também o sétimo na lista de candidatos à Câmara Municipal. A mesma coligação, liderada pela mesma pessoa, que, desde que passou a engraxar o cágado, critica publicamente - com a ligeireza dos néscios e dos impostores.

Eu edito cartoons e caricaturas neste blogue há mais ou menos quinze anos. Já “visei” dezenas, ou centenas, de personalidades. Muitas delas da política e da sociedade figueirense. Com algumas cheguei a ser, reconheço, particularmente duro, senão mesmo bastante cruel e até, possivelmente, injusto. Todos reagiram com aquela dignidade e indiferença que é fleuma de cavalheiros, ou de pessoas minimamente inteligentes (a única excepção foi o estafermo do zémilhazes, que me escreveu, ainda assim agradecendo-me a caricatura, para me mandar à merda; eu reencaminhei-o logo, claro - e vejam onde está ele agora). Mas nunca, jamais, nenhum deles teve a puta desfaçatez de ousar “reinterpretar” ao seu gosto os meus desenhos.

- A não ser agora, o merdas do comissário “lambe-cus a gostinho”. Um engraxa-o-cágado, vaidoso como um perú e imbecil e satisfeito como um dodó, que nunca viu nenhuma incompatibilidade, enquanto mandatário da CDU, em coscuvilhar a vida interna de outras formações políticas locais (PS e PSD) e permitir-se especulações insidiosas e juízos de valor gratuitos, inapropriados, acanalhadamente maliciosos, despropositados, abusivos e disparatadamente escarninhos, como se fosse um observador político muito arguto e independente.

O mesmo observador arguto que, em posta mais recente, retomando o registo choroso de alminha sensível censurada, embrulhou uma vaga de insinuações azedas numa bizarra queixa contra desconhecidos (!) - “pessoas perversas, relativistas e cheias de ressentimentos. Pessoas complicadas e sectárias, que convivem mal com elas próprias e com o resto do mundo. Pessoas que passam os dias a olhar para o próprio umbigo e a catar todas as oportunidades, ou mesmo sem elas, para condenar as falhas (as reais e as imaginárias) dos outros”, que rematou com uma torpe alusão sexual a cavalariça, em linguagem de urinol.

A verdade, porém, é que é impossível que quem lambe cus não goste de merda. Por isso, e só por isso, é que um escaravelho excrementício destes, petulante e ufano como uma santanéte desmiolada, também nunca viu a inconveniência, enquanto comissário municipal, de usar a mesma linguagem de urinol (ou de latrina) para se referir publicamente a um ex-presidente do município.

Em todo o caso, ainda bem que a função de mandatário se extingue no dia de eleições. Folguei muito ao saber. Como eleitor dos comunistas não suportava a ideia de me ver representado por um troca-tintas lambe-cus inchado como uma prima donna que se comporta como uma porteira desbocada e se exprime como um carroceiro borrachola. Já não lhe desejo boa sorte. E nem sequer o mando à merda. Ele já lá está.

.

1 comentário:

cid simoes disse...

Na minha caminhada encontrei muita gente desta, muita!