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sexta-feira, 25 de junho de 2021

A diletância como desígnio da pátria


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o país não é governado por especialistas

Marcelo Rebelo de Sousa

A abobrinha em epígrafe é fulminante, como o estrondo da verdade. O presidente, como pitonisa do oráculo da pátria, revelou ao mundo, cândida e melifluamente, certamente para tranquilidade dos mercados, aquilo que, se não sabíamos já, todos intuímos desde piquenos: o país não é, de facto, governado por especialistas. Nunca foi. É assim desde a fundação.

Foi sempre assim que a pátria triunfou. Foi assim que conquistou todas as glórias. De S. Mamede a Aljubarrota, de Alcácer-Quibir ao Acto Colonial; da fuga das galinhas perdão, da corte para o Brasil à criação do Tarrafal. Sempre governada por diletantes. E sempre, sempre com muito sofrimento, incalculáveis preces, incontáveis milagres e inexplicáveis cálculos matemáticos.

A selecção do chuto na bola também. Também é governada por um diletante - enfim trata-se de um especialista, mas em engenharia, plo ISCTE (diz-se isqueté), embora nunca tenha praticado demasiado. O que ele pratica, sem pudor, é a arte, por excelência, dos diletantes, a crença em valha-me deus. Trata-se, portanto, de um prosélito.

A sua estratégia, aparentemente tortuosa, é afinal simples: dez garbosos infantes e um condestável com agenda e objectivos pessoais a declamarem, a goela em ovo estrelado, contra os canhões marchar marchar (isto arrepia sempre os nunos luzes). A táctica, engenhosa, também não é complicada: muita fé em deus e na virgem e igual perseverança na estupidez natural, entre muitos passes curtos, muita posse, alta-pressão à saída e alguma profundidade, claro. Tudo em episódios de noventa minutos com o alto-patrocínio de uma marca conhecida (mais a publicidade e os descontos) repletos de emoções aos saltos, altos e baixos: da vitória pífia, à derrota copiosa e ao empate penoso e assim sucessivamente, até ao mata-mata da má-sorte de sermos portugueses na lotaria dos penaltis. Tudo muito sofrido, muito penoso, muito estremecido, muito sentimental, para gáudio cínico dos velhacos e dos nunos luzes a arfar a arfar até ao apoteótico e milagroso finale que é a suprema alegria dos alarves e dos simples.

Campeões, campeões, campeões, banho de bjeca, cantorias suadas e vingativas, volta apoteótica ao redondel, espera no aeroporto, recepção entusiástica, procissão de autocarro, condecoração pública dos heróis e visita (privada) ao santuário de Fátima -para agardecer, claro. Campeões, campeões, campeões.

Não, este país não é para especialistas, ‘taquepariu. Olha se fosse.

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1 comentário:

X Dias Longo disse...

Meu caro Fernando Campos
Mais um punhado de prosa acutilante e bem disposta, que nos deixa num estado ao qual não sabemos se rir ou chorar, ao mesmo tempo que define na perfeição quem nos governa ou nos tem governado desde que somos nação.
Um abraço