.
E
horas depois, quando chegou à clareira, enveredou, decidido, pelo
caminho dos cardos e das árvores sinistras, a gritar desafiante para
a floresta:
-
Bem sei que podem perseguir-me, arrancar-me os olhos, torcer-me as
orelhas, transformar-me em lagarto, em morcego, em aranha, em lacrau!
Mas juro que não hei-de ser infeliz PORQUE NÂO QUERO.
E
João-sem-medo continuou a subir o caminho árduo, resoluto na sua
pertinácia de ocultar o medo - a única valentia verdadeira dos
homens verdadeiros.
José
Gomes Ferreira,
in
Aventuras de
João sem medo
Chora-que-logo-bebes
está que nem pode.
Consternada
pelas repercussões catastróficas da aposentação de
António Chora.
Chora
é deputado municipal na Moita desde 1975. Além disso, foi deputado
na Assembleia da República. Pelo Bloco de Esquerda. Mas foi
sobretudo um sindicalista sui-generis.
Escolhido a dedo pela administração da Auto-Europa para líder
da comissão de trabalhadores
(a empresa não negoceia com sindicatos) durante o seu consulado de
vinte anos nunca a empresa conheceu uma greve. Mas além disso, criou
empregos. Só visto: “Estive
na liderança da comissão de trabalhadores de 1996 até 2016. E
orgulho-me de ter sido membro de uma CT que começou numa fábrica
com 144 pessoas. Saí de lá com 4 mil”, disse
ele ao “Negócios”.
É
um espanto que nunca tenha sido condecorado pelo Cavaco, outro
choraquelogobebense
emérito.
A
aposentação do seu filho dilecto, depois
de ter visto chumbados pelos trabalhadores dois acordos negociados
pela CT, foi
pois muito mais do que uma tragédia, foi uma catástrofe, uma
hecatombe para Chora-que-logo-bebes.
Sete
meses apenas depois de se aposentar eis que a Auto-Europa está em
brasa – em greve – a comissão de trabalhadores que lhe sucedeu
demitiu-se e os comunistas preparam o assalto ao castelo, diz
Chora, fungando. Se eu ainda lá estivesse esta greve já estava
desconvocada – regougou, resfolegando.
Os
choraquelogobebenses estão inconsoláveis. Não podem
trabalhar aos sábados sem horas extraordinárias, como manda a
administração. Agora que os vermelhos fizeram a greve (pularam a
cerca, assaltaram o castelo, o palácio d'inverno) os
chora-que-logo-bebenses temem represálias, bichas de sete bocas,
gigantes de cinco braços, dragões de duas goelas, as sete pragas do
Egipto. As televisões de Chora-que-logo-bebes enchem-se de
especialistas, como o Camilo Lourenço e o Sousa Tavares, que se
manifestam espavoridos e preocupados com a imagem de
Chora-que-logo-bebes perante os investidores estrangeiros, com as
reacções dos mercados, com o futuro da empresa, o emprego, os
dezporcento das exportações, enfim plo pibe de
Chora-que-logo-bebes. Choram dia e noite, baba e ranho, em
chuveirinho, soluçante e abnegado.
-
E se os alemões se zangam connosco e vão mandar fazer automóveis a
diesel para a Polónia ou assim? - carpem uns. - Diz que por lá os
sindicalistas são todos fofinhos e quase tão anti-comunistas como o
choraquelogobebense da Moita - jeremiam outros.
Mas
nem tudo está perdido. As esperanças dos choraquelogobebenses estão
agora todas depositadas na eleição da nova comissão de
trabalhadores. Como a empresa não negoceia com sindicatos,
os choras esperam que os trabalhadores, como de costume,
elejam alguém nomeado pla administração. Aí sim, a paz social
voltará ao vale dos soluços.
Só
então António Chora, aliviado, se dedicará finalmente ao seu sonho
de aposentado: “dar
"aulas de sindicalismo" em escolas técnico-profissionais.
Ou seja: ensinar aos estudantes que no mundo do trabalho "isto
não é só obedecer a tudo", que têm direitos e que os devem
exercer - e como o fazer”.
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1 comentário:
UM MIMO!
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