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O
gosto das maiorias sempre foi para mim um mistério. As razões da
preferência de um grande número de pessoas por um determinado coiso
ou coisa
são para mim fontes inesgotáveis da mais espampanante perplexidade.
A popularidade
é, portanto, um fenómeno que não entendo. Não entendo fenómenos
de massas. Ao contrário da
maioria, sou de opinião de que gostos
é que se discutem. Sobretudo se inexplicáveis. Não há nada mais
discutível do que o inexplicável. Como o temor
de Deus, o amor
à pátria ou o gosto
popular, por exemplo.
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Este
postal é sobre um desses fenómenos inexplicáveis. Rui Moreira. O
actual presidente do município do Porto. Moreira é um burguesinho
da Foz que é muito popular na Pasteleira, e no Aleixo. Atingiu um
tal grau de identificação com o populacho que pode fazer
absolutamente nada e dizer absurdamente tudo que o seu, digamos
assim, prestígio entre as massas
não é minimamente beliscado entre
as elites, e vice-versa. Moreira
podia sair à rua com um revólver e alvejar um sujeito qualquer ao
acaso que não lhe acontecia nada (desde que o desinfeliz fosse
cigano, preto, mouro, paneleiro pobre ou comuna, claro).
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Moreira
fez fortuna com investimentos lá
fora. Transportes marítimos.
Contentores e tal. Aos trinta e cinco anos vendeu as empresas (e as
cargas e os contentores) e dedicou-se a prazeres mais sofisticados.
Fez-se dandy.
Cultura,
laifestaile e
assim. Nos tempos livres ainda
presidiu durante dez anos aos destinos da Associação
Industrial Portuense mas
tornou-se conhecido do grande público por comentar casos de futebol
(eu já tinha sugerido que ele era um erudito) num pugrama
de televisão que se chamava trio
d’ataque e que era assim uma
espécie de peladinha de câmara
com cinco violinos menos dois e sem bola. Ainda hoje escreve uma
coluna no jornal A Bola, chama-se a
coluna do senador. Entretanto
candidatou-se à câmara da imbicta
como independente,
com o apoio do CDS e venceu, sem espinhas. Governou então durante
quatro anos em união-de-facto com dois tipos do PS aos quais no fim
deu um xuto no cu para grande gáudio da sua crescente base de apoio,
para quem são atitudes assim que fazem um líder político
completamente independente dos
partidos.
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Ninguém
sabe muito bem o que o homem pensa sobre porra nenhuma. Talvez seja
mesmo isso que faz a sua aura. A verdade é que as maiorias detestam
a política, e os partidos, e o caralho. E Moreira não é um
político. É um poeta. As pessoas adoram poetas - como Toni Carreira
ou Jesus (o de Nazaré e o do zbórdeng)
- falam por metáforas, estranhíssimas e bizarras, que ninguém
entende mas em que todos lobrigam profundos e sentenciosos sentidos.
Moreira é, por tanto, um poeta apolítico independente dos partidos,
esses malvados. Um rebelde
sem causa
perdão,
com causa. Sim, que a sua causa é o Porto. E a sua política o
trabalho. Não sei se estão a ver. Exactamente. Como as maiorias
gostam.
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Recentemente
porém Rui Moreira abriu o coração. Em conferência sobre,
segurem-se, “A crise das
lideranças”, na universidade
portucalense, Moreira partilhou
com o mundo e com o imenso universo dos seus apoiantes o esplendor do
seu pensamento,
digamos assim, “político”. E Moreira, além de poeta, revelou-se
um filósofo. E o que diz então Moreira, o Aristóteles de
Nevogilde, à rapaziada da Pasteleira (e da Boavista, e do Aleixo),
uhn?
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Pois bem, diz que “Há
um caminho óbvio, e é mais óbvio do que parece, que é um dia nós
voltarmos a ter ditaduras.
Quando o Salazar chegou ao poder ele criou o nome ditadura nacional e
não era nada insultuoso. É bom que se tenha isto como claro. Esta
história de que a democracia é uma coisa infalível, que não
termina, não é verdade. Vejam o que está a acontecer na Turquia
(…) Para termos a nossa soberania económica, na segurança,
podemos
ter que precisar de ditaduras.
Espero que não seja assim, mas pode suceder. Foi isso que aconteceu
com o 28 de maio. Portugal estava falido, não havia ordem, não
havia disciplina, a 1ª Guerra Mundial tinha sido um desastre e
de repente o país quis aquilo.
O 28 de maio não foi feito por uma minoria. Isso pode voltar a
acontecer”.
Os
sublinhados são meus. Digam lá que não é encantador, ah e tal “de
repente o país quis aquilo”.
Não há como deixá-los falar. Tudo se torna revelador, sem deixar
de ser inexplicável.
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Mas como é possível afinal que uma cidade (a cidade de Almeida
Garrett) a quem um rei libertário ofereceu literalmente
o seu coração depois de abdicar duas vezes, de
repente queira isto?
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A única resposta lógica mas inexplicável, e possivelmente também
inquietante, é que talvez o mereça.
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2 comentários:
Adorei, adorei, adorei!
https://youtu.be/ERAj17y-3yE
Realmente o Rui Moreira, desculpem o Sr. Presidente, nunca teve uma ideia original. Falar mal dos partidos já não "cola". Esse palavreado já está gasto.
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