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Para
ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Ricardo Reis, in "Odes"
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Ricardo Reis, in "Odes"
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Descobri a palavra há poucos dias, através de António
Amaro das Neves, no “Memórias de Araduca”, magnífico blogue sobre a sua cidade,
Guimarães (também na barra lateral, em ligação permanente). Neves, por sua vez, aprendeu-a
do grande Ruben Fonseca, outro dendrólatra
confesso, e escreveu sobre isso a propósito de mais um projecto de atentado
ambiental na sua cidade.
Enquanto isto, na Figueira discute-se (pouco, mal e
porcamente, como sempre) a proposta do novo PDM do presidente Ataíde - uma
espécie de nova jihad dos novos patos bravos à cidade - ainda que
com as mesmas habituais cedências a interesses instalados e os mesmos
concomitantes atentados ao ambiente, ao bom-senso e ao bom-gosto. Eu tenho-me dedicado
à pintura. Encontrei um novo motivo. Decidi
pintar uma árvore; não há muitas no meu trabalho e não quero merecer o reparo
terrível que alguém apontou a Camilo, ”não
existe uma única árvore em toda a sua obra”. Klimt, no início do século
vinte, fez maravilhas com motivo tão prosaico. E Hockney, recentemente, também.
A foto acima documenta o quadro numa fase ainda incipiente (o meu trabalho é
muito lento, por vezes penoso e absorvente, o que explica o relativo abandono
do blogue, pelo qual desde já peço desculpa aos seus seguidores mais fiéis).
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Confesso que sempre gostei de árvores. No princípio, na
infância, com uma muda fascinação e, com os anos, com profundo respeito e por
fim com uma autêntica e sincera devoção. É verdade, sou um dendrólatra. Não o escrevo
porém, agora que conheço a palavra, com particular orgulho. Não me orgulho aliás
por ser como sou, limito-me a sê-lo. Como as árvores.
O segredo, e o mistério, das árvores é o tempo – e o
silêncio. Como da vida, e da pintura. Esse mistério, ou segredo, é uma longa
paciência da qual só se retira algum exemplo vivendo, observando, reflectindo,
fazendo.
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O quadro que tenho vindo a compôr – é disso que se trata, de uma composição – é pois sobre esse objecto da minha idolatria: uma
única árvore (na verdade, uma das minhas nespereiras) com todas as suas folhas,
as vivas e as mortas. Num rectângulo em pé, o tronco cresce-lhe desde a base e
a copa ocupa-lhe dois terços da superfície superior tomando a forma vaga de um
quadrado, deitado, do qual pende um baloiço. O todo quase só numa cor, ainda
que em todas as suas declinações tonais, com breves e pacientes pinceladas em
sucessivas e diáfanas velaturas.
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Mas não é apenas isso. Tal como a imagem que uma árvore deixa
ver de si própria é apenas metade (a outra está subentendida na paisagem, subterrânea), nesta pintura também estou
eu, inteiro, a minha vida, a minha
casa, enfim o meu caso - ainda que
também não à superfície.
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E este quadro, além de ter sido o feliz achado de um novo motivo,
é também um lamento - um triste e
desalentado lamento - por viver num tempo, numa cidade e entre uma gente que
convive tão alegre e tão pacificamente, em alarve harmonia, com uma classe
política tão velhaca e tão medíocre. E também um protesto - contra a estupidez de um poder autárquico comandado por
um capitão Ataúde com o freio nos
dentes para aterrar toda a várzea da cidade em grandes superfícies
comerciais; um poder local cuja visão de pugresso se permite - pla voz inefável de Ana Carvalho, a vereadora do urbanismo, a propósito da
alienação dos terrenos do horto municipal a um empório de mercearias - esta abóbrinha de auto-satisfação imbecil e
desmiolada que não ficava mal a um especulador imobiliário: “Quanto
mais se valorizarem os terrenos, melhor para a câmara”.
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Lamento que
é apenas um suspiro, ou murmúrio, como os das árvores, e sobre cujos possíveis
efeitos, ou repercussões, confesso, não tenho ilusões. Num concelho cujo
município tem cada vez menos funções (o abastecimento de água potável, a
recolha do lixo e agora até já o tratamento dos espaços públicos e do
património ambiental, são negócio de
privados) a sua única atribuição parece ser a recolha de fundos (a venda de
património, como uma agência imobiliária) para pagar os serviços.
A verdade é que o
povo não lê. O povo nem sequer vê
- diverte-se na lama, como referiu Cesário Verde – refocila no futebol e, entre
bjecas, tramossos e minuíns, na vida
íntima das celebridades, na sordidez dos casos de polícia, nas gordas do Correio da Manhã, nos milagres
dos pastorinhos, no Face-Book, passeia a família no xópingue ao Domingo, apoia a selecção e festeja o 25dAbril com
corridas de carretas.
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Quanto a mim, ainda que não tenha atingido ainda a sua sabedoria,
tento fazer como as árvores. Elas dão as suas folhas, flores e frutos sem
pensar a quem ou para que possam servir. Sem ambição nem esperança, sem
religião nem moral - até ao apodrecimento, esse fim, ou princípio, inexorável de tudo.
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