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domingo, 13 de dezembro de 2015

A justeza das palavras

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Existem palavras mágicas na língua portuguesa. Algumas, no entanto, caem num desuso tanto mais lamentável quanto a infeliz actualidade do que descrevem com basta proficiência e derrisória subversão.
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É o caso, por exemplo, da palavra “fraudulência”.
Não me ocorre tê-la encontrado antes na imprensa ou na literatura. Encontrei-a em Camilo, em Coração, Cabeça e Estômago. De início pensei ser mais uma das invenções miraculosas desse demiurgo das palavras; fui ver, e a palavra existe mesmo no dicionário, esse paiol da língua - o mestre de Ceide não desperdiçava munição.
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Penso que é uma daquelas palavras que revela mais do que traduz. Isto é, o que descreve com precisão não deixa de sugerir com a mesma objectividade outros sentidos menos óbvios mas igualmente evocativos das suas subsequentes exalações pestilenciais. É daquelas palavras que me atinge, ao acabar de a ler ou ouvir, com o súbito “estrondo da verdade”. 
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Não há melhor palavra para descrever, com propriedade, o clima venéreo dos dias que correm, o seu ar do tempo e o inconfundível fedor do que propagam os jornais: da luta contra o terrorismo islâmico ao combate ao aquecimento global; do défice público à luta contra a desigualdade social; do ranquingue das escolas às sondagens da católica e ao tratado orçamental. E à cruzada do super-juiz Carlos Alexandre, o paladino da justiça do Correio da Manhã, imarcescível perseguidor de malvados e super-herói de papel cujo parecer acaba de dar a liberdade ao ex(?)donodistotudo.
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Duvidam? Então é assim:
-O banqueiro Salgado, que diz que não tem cheta (mais precisamente que está descapitalizado, o pobrezinho) recusa-se pagar a caução que lhe era exigida e que já tinha sido reduzida para metade a pedido de várias famílias conhecidas de advogados.
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-O bom do juiz acredita no espírito santo (enfim, mais ou menos como os sondadores da católica nas confidências dos comunas), além disso, “nenhum cidadão pode ser constrangido, em vez de ir preso, a pagar uma caução monetária acima das suas possibilidades”.
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-E, ao lavar dos cestos, o senhorsalgado não só não não paga a fiança como não é, lógica e competentemente, mandado descer aos calabouços, como ao implacável super-herói dos leitores do CorreiodaManhã ainda lhe parece bem mandá-lo em paz, em santa liberdade.
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Digam lá agora que para isto não vos ocorre uma palavra justa, (de justeza, claro).
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1 comentário:

cid simoes disse...

É a náusea, tudo isto fede.