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Os cemitérios antigos (com mais de cem anos) são locais
que revelam o mais autêntico e visceral das idiossincrasias dos povos. Aquilo
em que as gentes realmente acreditam.
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Há tempos cumpri o doloroso dever de acompanhar um amigo
ao funeral de sua mãe. Ao cemitério de Lavos.
Receio que tenha aí descoberto – escrita na pedra - a
razão porque os portugueses são um povo com uma tão afamada resiliência à
adversidade e ao sofrimento e com uma tão justamente celebrada (pelos
políticos) capacidade de aceitar todo o género de iniquidades.
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Eles sabem (julgo que acreditam mesmo) que o comunismo -
o verdadeiro comunismo - é fatal como o destino. Mas (como documenta a foto que
ilustra esta posta) é só pra depois.
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Entretanto, passam o tempo. Os tugas são um povo
extraordinariamente dotado para o esquecimento
e, como são de estirpe sibarita, também para os prazeres (embora não muito
sofisticados, convenhemos) dos sentidos. Por isso se entregam, sem pecado, ao
que lhes aconselham os instintos.
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Assim, as suas vidas são uma silly season permanente. Interessam-se imenso plas vidas íntimas
dos famosos; plo entretenimento
cretino, pla música pimba em pleibéque,
pla conversa de chacha e pelos anúncios, entre sorteios de automóveis de luxo e
chamadas de valor acrescentado. E sempre
em directo pla televisão que, à noite, lhes ministra ainda, pla voz de doutos
comentadores da actualidade, basta doutrinação na inevitabilidade do
sacro-empreendedorismo e da santa competitividade.
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Por isso vivem também em sempiternas querelas. Entre o Benfica
e o Sporting; entre o tintol e a bejeca; entre o alecrim e a manjerona; entre o P(if)S e o PAF; entre Fonsecas e Madureiras.
(Ou seja, os portugueses são imensamente competitivos. Tão
competitivos como, por exemplo, os americanos que, a bem dizer benza-os deus,
também são um povo bastante competitivo. Se estes inventaram por exemplo, os
concursos de culinária - onde jovens chefs
se batem como gladiadores para cozinharem bem e depressa, os portugueses acabam
de elevar a bitola e de dar ao mundo – na Figueira da Foz, where else? – os concursos de arte. Mais propriamente, em
português, as “Art Battles” – verdadeiros
hapeningues de rua onde os artistas se degladiam entre eles pintando, em rounds de vinte minutos, uma tela montada
num cavalete perante um público de hooligans
connoisseurs em transe. Só visto.)
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A verdade é que em Portugal tanto os fonsecas como os madureiras interessam-se
muito mais por competirem entre si do
que por cooperarem uns com os outros. Receio que esteja aí a razão
definitiva para o habitual insucesso entre eles de qualquer ideia generosa.
Eles acarditam mesmo que a liberdade, a igualdade e a fraternidade
já estão asseguradas, mas apenas para a eternidade.
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Ao alto, portal de cemitério, Lavos, Figueira da Foz.
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1 comentário:
Pois é... tudo isto é a verdade pura e dura, mas não consigo viver noutro sítio, e já experimentei.
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