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Quando o Padeiro
Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeiteara a irmã,
em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou
o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara
para as empanadas de San Bartolomé.
O irmão do meio
encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois
chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com
o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.
“Caramba”, disse o irmão do meio, que admirava
todas as invenções do mais velho, “é à segoviana!”
“Mas não lhe pões
o dente”, cortou o outro.
Entretanto o mais
novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou
desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro
Velho. Este cuspiu enojado e decretou:
“É tudo para os
cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo
senão no inferno”.
Se perguntassem ao
Padeiro Velho o que mais queria naquele momento, teria respondido:
“Assar-lhe até a
memória.”
In “Trabalhos e Paixões
de Benito Prada”
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Ontem à noite entretive-me a compôr esta caricatura do grande
Fernando Assis Pacheco, com a
intenção de a editar hoje, um dia depois da efeméride do seu falecimento, a 30
de Novembro de 1995. Retratei-o com o seu ar jocoso, alegre e mordaz, na pose
de uma das suas fotos mais conhecidas.
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Tinha intenção de a fazer acompanhar de um dos seus magníficos
sonetos, aquele que dedicou aos seus colhões - este. Mas mudei de ideias. Optei
pelo primeiro capítulo do seu romance “Trabalhos e paixões de Benito Prada”.
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Dedico-os (o gesto e o naco de prosa do Assis) à xelência
que preside a esta pobre república arruinada, que continua a descer degraus na
infecta indignidade em que apostou e dá provas todos os dias.
-É verdade. O cavaco acaba de desmentir o jornalista da
SIC que relatou a sua incontinência verbal nas arábias, onde – à mesa lauta de
nababos de turbante - se lambuzou deleitada e ignobilmente a desfeitear as
irmãs, as mães e as filhas de todos os portugueses.
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Dedico-os também à televisão em causa que, não
satisfeita em desautorizar e humilhar publicamente um dos seus jornalistas, se
apressou a pedir desculpas a “suaxelência”.
Repugnante.
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Mas se me perguntassem o que mais queria neste momento, responderia
como o Padeiro Velho do Assis: “Assar-lhes até a memória”.
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2 comentários:
Conheci-o no Diário de Lisboa.
Tomámos um ou outro copo ali em frente à politécnica e dois dedos de conversa que eram sempre de mão cheia.
Recordo aquela expressão magnífica, reservada a alguns amigos:
"Ó minha vaca.".
Abraço,
mário
Mesmo assando-lhes só a memória deve feder.
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