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Nunca gostei do actor Rui de Carvalho.
Acho-o o protótipo
do canastrão. Alguém que faz sempre o
seu próprio papel.
Seja de Rei Lear
ou de Ofélia, de Romeiro ou de Ninguém,
Rui de Carvalho faz sempre o papel de Rui de Carvalho.
Todavia, este género de
actor não faz isto por narcisismo (embora a falta de verdadeiro talento também tenha
alguma influência) mas sim por puro cálculo: ele sabe o que agrada ao seu
público. O público de Rui de Carvalho não aprecia o desconhecido, o génio, a transfiguração,
o milagre do improviso; limita-se a gostar do que já conhece. E, como só o
conhece a ele, ele serve-lhe o prato cheio: recita, muito profissionalmente, as suas deixas decoradas, sem surpresas nem
remorsos. Presumo que até como Godot Rui de Carvalho haveria de arrancar
lágrimas aos tansos que apreciam este género de desempenhos.
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Também não aprecio nenhuma das causas que defende enquanto
cidadão. Sempre pelo mesmo puro cálculo, são invariavelmente causas que agradam ao que ele julga o seu público alvo. Do apoio pessoal aos
partidos da coligação que governa o país à defesa comovida, e um tanto tonta, de
Zico, o canzarrão que estrafegou uma criança.
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Recentemente, no seu habitual tom choroso, o velho
canastrão endereçou uma carta aberta aos ministros
que ajudou a eleger na qual se mostra desiludidíssimo com toda a classe
política (!) e indignadíssimo pela forma como está a ser tratado pelo fisco. Só
visto.
Curiosamente, este parece-me ser o seu melhor desempenho.
O velho histrião, mesmo tendo deixado cair a máscara, consegue finalmente ser
convincente na pele de Pantalone, o
personagem da commedia dell’arte veneziana
- um mercador avaro, libertino e calculista
porém crédulo, que acaba sempre enganado por aqueles a quem quer agradar.
A vida é uma comédia das antigas.
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1 comentário:
“A carta do artista” um excelente guião para o Ruy (com ípsilon) representar no Dona Maria. Ia ter muita freguesia; Ia, ia…
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