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Isabel Jonet é a nova diva dos descamisados portugueses – uma espécie
de madona da troyka, um rosto humano
da austeridade.
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Jonet gosta muito dos pobrezinhos porque sem os pobrezinhos
ela não poderia praticar a caridade. Jonet gosta muito de praticar a caridade –
sem esta não haveria helas sequer pobrezinhos
nem calor humano. É por isso que Jonet prefere a caridade à solidariedade social,
essa coisa fria e impessoal.
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O governo de Portugal (e a sua maioria e o seu presidente)
também gosta aliás muito da caridade e dos pobrezinhos. Por isso mesmo patrocina,
com o dinheiro dos impostos dos portugueses, a empresa da doutora Jonet, o Banco Alimentar contra a Fome. É assim: lança
os cidadãos na pobreza (liberalizando despedimentos, aumentando impostos,
reduzindo salários e pensões) e sonega verbas à solidariedade social, que deposita,
como investimento, no Banco Alimentar
da doutora Isabel Jonet.
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Mas os portugueses em geral também gostam muito da
caridade e dos pobrezinhos e da doutora Jonet. Para além do contributo em cash, via orçamento de estado (com o
alto patrocínio do governo, da maioria e do presidente), os tugas também
contribuem, em géneros, para a
empresa Jonet, em alegres e televisionados donativos para as grandes
superfícies comerciais. É um espectáculo. Só visto.
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No entanto, Isabel Jonet acha ainda assim que não existe
miséria em Portugal - os portugueses é que têm “que se habituar a viver com
menos”, ou seja, têm que gostar de
ser pobrezinhos. Isto, claro, se quiserem continuar a ser ajudados pelo Banco
Alimentar, a empresa Jonet contra a fome.
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2 comentários:
José Pacheco Pereira escreveu na revista Sábado, edição desta semana, um texto exemplar. Recomendo vivamente a sua leitura, que, além do mais, prova que o alinhamento político, ideológico ou partidário não tem que significar necessariamente cabotinismo, seguidismo, carreirismo e o fim da capacidade de pensar por si próprio (e isto vale para todo o espectro político-partidário). Diz ele, a determinado passo: Este tipo de ideias sobre a pobreza são ofensivas da dignidade humana e implicam uma relação humilhante entre quem dá e quem recebe, em particular quando a caridade se mistura com conselhos de como se deve viver, uma arrogância moral insuportável face a quem não pode viver como queria. “Leve lá uma esmola, mas não a gaste em vinho”.
Nesta mesma semana, numa reportagem da RTP sobre a pobreza e as crianças, Isabel Jonet explicava – e sem se rir, reparem! – que as crianças que têm como única refeição a do almoço na cantina escolar não passam fome; passam algumas carências alimentares; fome passarão as crianças de África, que comem, quando muito, uma tigela de arroz por dia! Entende-se a filosofia subjacente: sendo assim, a caridade resolverá os problemas, que não são de tão grande monta assim. Então não dizia, já, o banqueiro, acerca do povo e da austeridade: ai aguenta, aguenta? Aliás, eu próprio já aqui expliquei, há dias, que o mal foi terem deixado o povíléu patusco e labrego habituar-se ao leitinho matinal, aos hambúrgueres e outras guloseimas, a frequentar a escola e a aprender a ler, tudo levando a que agora tenham de ser reajustados em baixa. Valh-nos que não são muito recalcitrantes!
E se essas crianças pudessem dizer e explicar-nos – e já agora também aos donos da caridade – se o que sentem é carência alimentar ou, ao invés, é mesmo fome?!
Quando as barrigas estiverem ainda mais vazias, e forem vergonhosamente muitas, vão ver que as almas caritativas arranjarão outros argumentos e justificações. Ao tome lá, mas não o gaste em vinho, acrescerá o ora essa, ainda ontem lhe dei, já o comeu todo? lá está outra vez você no vício. E então, à semelhança do que nos contam Aquilino Ribeiro e Miguel Torga acerca dos bandos de pobres que vagueavam de aldeia em aldeia, os novos pobres terão que vaguear também, e de mostrar as mazelas, as peles ressequidas, as feridas e os dentes escorbutados, condição necessária para comover as tais almas caridosas e sensíveis. Vá lá, vocêzimho, tome lá um prato de sopa, e não abuse, volte prá semana que o seu mal não é fome, é só carência alimentar.
Ai não, que não aguentam!
Entretanto, os jornais dão conta de que um banqueiro - de entre muitos outros - continua a levar, dos cofres públicos ou do dinheiro roubado, € 170.000,00 por mês de aposentadoria – isso mesmo, cento e setenta mil euros, ou seja, o correspondente a 450 (isso mesmo, quatrocentos e cinquenta) salários mínimos nacionais.
Está tudo muito justo, ou não?
O que você tem é inveja - que eu saiba, nem sequer vai à televisão!
O que me preocupa é se a Jonet cai sobre o marzápio que está em baixo.
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