“Meteu silenciosamente pela alameda e mal chegou à cancela aspirou o perfume da madressilva. A casa encontrava-se às escuras, silenciosa e imóvel, como se o refluxo de todo o tempo a tivesse encalhado no espaço. O concerto dos insectos estava reduzido a um murmúrio monótono, exausto, espalhado por toda a parte e por lado nenhum, como se o som fosse a agonia química de um mundo abandonado, nu, e moribundo, na superfície do fluído onde vivia e respirava. A Lua pairava em cima, mas sem luz; a Terra jazia em baixo, mas sem trevas. Abriu a porta, dirigiu-se às apalpadelas para o quarto e acendeu a luz. A voz da noite – os insectos ou lá o que fosse – entrara como ele em casa. Compreendeu de súbito que se tratava do atrito da Terra no seu eixo, ao aproximar-se o momento em que decidiria se continuaria a girar ou se pararia para sempre, transformada numa bola imóvel no espaço que arrefecia e através do qual o odor forte da madressilva serpenteava como fumo frio.”
in Santuário (tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, edição Minerva de bolso, 1973)
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1 comentário:
Magnífico!
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