.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

un certain regard

Duas anedotas. Sem moral e sem sentido (trata-se de humor cruel).
.
A primeira passou-se diante dos olhos do meu amigo Agostinho que a conta aqui, mas que eu sintetizo assim:
Manuel Luis Pata tem noventa anos. É um velho marinheiro que fez inúmeras campanhas do bacalhau e já navegou de trás para diante por todos os mares conhecidos. Quando por fim se reformou, dedicou-se a escrever a história marítima da Figueira; uma coisa monumental, em vários volumes e que está sempre a fazer-se: da construção naval e das viagens e naufrágios às linhagens dos seus marinheiros. 
Para além disso, Manuel Luis Pata ainda teve tempo e disponibilidade para se dedicar a apontar a dedo, em público e de forma completamente desinteressada, a rotunda imbecilidade de todas as grandes obras, patrocinadas pelo estado e apoiadas pela autarquia, executadas na orla marítima figueirense. O tempo, para sua grande tristeza, só lhe tem dado razão.
Pois bem, na Cova-Gala, durante o lançamento de mais um livro seu – cuja edição só foi possível pela colaboração de várias entidades, entre as quais a Câmara Municipal - o inevitável presidente desta, convidado para a mesa de honra, ao usar da palavra, começou por confessar que não conhecia o autor da obra e acabou por, a pedido de várias entidades presentes, lhe prometer a medalha de mérito cultural.
.
A segunda anedota passou-se diante dos meus olhos. No CAE, durante a breve inauguração do Festival de Cinema da Figueira da Foz, onde me dirigi na segunda à noite para ver a exposição do espólio de José Poeta e um belo filme japonês sobre a memória e o reconhecimento.
Também convidado para a mesa de honra (talvez por ser o anfitrião) o vereador da Cultura, ao usar da palavra (depois de um elemento da organização, que explicou o evento) congratulou esta pela dimensão e prestígio crescentes do Festival, por ter conseguido expor o espólio de José Poeta (coisa que ele próprio já havia tentado e nunca logrado) e, como se nunca o tivesse visto, pelo cartaz, “que é lindíssimo”.
.
A primeira anedota mostra como um homem decente e digno pode ser enxovalhado em público aos noventa anos por cretinos que o desprezam e lhe ignoram a obra.
A segunda não tem sentido nenhum, mas também é humor negro. Ou seja, também faz o riso amarelo.

Em todo o caso ambas ilustram uma certa visão da cultura na Figueira da Foz.
.

Sem comentários: