O espantalho Reboredo; na bruma, ao fundo, sob o cedro, no meu jardim. Maiorca, baixo-Mondego. Hoje de manhã, pla fresca. |
No dia das eleições integrei uma assembleia de voto. A mesa nº1
de Maiorca fica no edifício decadente do Palácio do Conselheiro Lopes Branco,
mais exactamente na sala que a Junta destinou à sua biblioteca. Foi aí que, para entretecer
o tédio dos longos minutos esperando eleitores erráticos e recalcitrantes, me fui deixando absorver na leitura de um livro escolhido ao acaso. “Casa na Duna”, de
Carlos de Oliveira.
.
Li-lhe todas as quase duzentas páginas.Trata-se de um romance político sobre um tempo que já não existe. Mas também uma crónica social melancólica e
expressionista. Uma estória de miséria
humana e de decadência.
Tudo se passa aqui bem perto de onde habito, nas
terras desoladas entre a bairrada e o mar,
a Gândara. Mas é bem o mesmo ambiente funesto e a mesma decadência sem moral, quase
animal, de aqui e de agora, e de sempre; uma coisa sem redenção, opressiva como
a consciência do ciclo das estações e da inclemência inexorável dos fenómenos
atmosféricos extremos.
.
Editado em 1943, é a primeira obra de um escritor então
com apenas vinte e dois anos. Reescrita pelo autor para a sua re-edição em 1980, é uma obra-prima de frases curtas
e descrição enxuta - mas exaustiva na observação atenta ao pormenor - do tempo,
da paisagem, das personagens e do seu clima mental e motivações obscuras.
Escrito num
português saboroso e sem ambiguidades, não há neste romance nem um advérbio a
mais; ou a menos. Tão bom como o melhor Simenon. Carlos de Oliveira haveria de
escrever apenas mais cinco antes de morrer, em 1981, sem completar sessenta anos. Dois deles, "Uma abelha na chuva" e "Finisterra", obras-primas absolutas da nossa literatura do século vinte. É uma lástima que, ainda assim, um escritor como ele seja hoje tão pouco lido e
referido.
.
Em dia de eleição presidencial não pude deixar de pensar no
país de hoje e na sua quasi unânime predisposição anímica para aceitar a ordem natural das coisas; e na acéfala aclamação
geral de Marcelo Rebelo de Sousa; mas também na triste e canhestra imaturidade
de alguns dos seus mais festejados escritores
da actualidade; e em como tudo isto pode ser afinal indício da mesma atávica e venérea
tendência para o opróbrio que o injustamente esquecido Carlos de Oliveira descreveu
com mestria na sua “Casa na Duna”.
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2 comentários:
E há também a belíssima poesia:
Vilancete Castelhano de Gil Vicente
Por mais que nos doa a vida
nunca se perca a esperança;
a falta de confiança
só da morte é conhecida.
Se a lágrima for cumprida
a sorte, sentindo-a bem,
vereis que todo o mal vem
achar remédio na vida.
E pois que outro preço tem
depois do mal a bonança,
nunca se perca a esperança
enquanto a morte não vem.
Carlos de Oliveira
Do mal o menos
a falta de freguesia
deu-te
boa companhia
Carlos Oliveira
tão querido
e tão pouco lido
(o poema trazido pelo CID é um espanto!)
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