.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Pedro Cruz e a exposição-panfleto

.
Quando, há uns anos, me debrucei sobre o já então notório talento do jovem foto-jornalista Pedro Cruz, o que nele me chamou a atenção foi que, entre outras coisas, ele não era bem-bem um jovem como os outros. O tempo tem vindo a dar-me razão.
.
Neste tempo em que, por ignorância, egoísmo, medo do compromisso ou estupidez natural, os jovens manifestam  grande desprezo pela vida cívica e um quase total desinteresse por tudo o resto, o jovem foto-jornalista é uma excepção nessa espécie de abulia colectiva que contamina toda uma geração.
.
Em Janeiro deste ano, uma sua exposição de fotografia (um alerta sobre a tragédia ambiental que é a desagregação do litoral costeiro a sul da foz do Mondego) foi objecto de um alvar acto de censura na junta de freguesia de S. Pedro, posteriormente reiterado em assembleia municipal pelo garboso voto de qualidade do seu presidente. O argumento era que o jovem Pedro teria inconfessáveis propósitos políticos.
.
Pois bem, Pedro acaba de dar de novo provas - não de talento que isso ele já não tem que provar - mas de génio (engenho e orgulho). E um exemplo, raro, de activismo cívico consciente, de cidadania generosa.  Eu explico:
- em vez de simplesmente não “mexer” mais no assunto, ou de as expôr noutro local mais permissivo ou tolerante, Pedro pegou nas fotos da exposição censurada e, com a ajuda de alguns amigos - que  fizeram a composição gráfica - concebeu e pagou do seu bolso uma edição de quinhentos exemplares em papel e formato de jornal da sua exposição maldita - o lançamento foi na Casa do Pescador, Costa de Lavos, na passada Segunda-Feira, dia dos Oceanos. 
Uma exposição-volante. Uma espécie de panfleto ilustrado que distribui gratuitamente, com o objectivo de divulgar e sensibilizar o maior número possível de cidadãos para um problema que ele acha que é de todos. Junto a isto providenciou uma pequena caixa de pau-feita para recolher donativos, que se compromete a desbaratar na aquisição de árvores, de cujo plantio metódico depende a consolidação do areal da sua praia. No fim da “apresentação”, Pedro Cruz proferiu: “a areia que quiseram atirar-me para os olhos faz muita falta na praia de S. Pedro”. Segundo os jornais, foi a sua única declaração “política”.
.
Eu acho que este jovem é admirável. Na razão directa, e inversa, da demissão massiva de todos os da sua geração.
A verdade porém é que se houvesse mais alguns como Pedro talvez a arte neste país não fosse a pessegada da Joana Vasconcelos em grande no Portugal dos pequenitos; talvez a literatura não fosse o desfile merdiático de hugos-mãe e demais peixotos em sentimentais e monetários concursos Leya; talvez a educação não fosse a ignóbil doutrinação nessa praxe obrigatória que é o novo catecismo do empreendorismo; talvez a cultura não fosse esse entretenimento triste; talvez a comunicação social não fosse o meio onde triunfa este analfabetismo cínico e acanalhado; talvez a religião não fosse esta idolatria e o futebol esta religião; talvez a economia não fosse esta alarve transfega de escravos; talvez que um imbecil jamais pudesse ser eleito deputado ou presidente de Câmara, de assembleia municipal, da República - ou sequer de junta, em S. Pedro.
.

Que diabo, nem era preciso que todos tivessem o talento do Pedro. Apenas um cagagésimo da sua consciência moral e da sua atitude cívica.
.

3 comentários:

trepadeira disse...

Já ganhei o dia.
Vou surripiar.

Abraço,

mário

cid simoes disse...

Sem beliscar o mérito do Pedro, temporão na tomada de consciência.
Nem todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, há por aí muito Pedro Cruz a amadurecer. Estou confiante.

Carlos Ramos disse...

Venham mais Pedros