.
.
A Figueira da Foz confronta-se há muitos anos com um dos
efeitos mais visíveis do prolongamento dos molhes (obras projectadas pelo
estado para beneficiar a navegabilidade fluvial e o acesso ao porto comercial).
Sem responsabilidade na obra, o município ficou, desde então, com o ónus dos
seus efeitos colaterais: o
crescimento exponencial da sua praia urbana, a Praia da Claridade.
Assim, todos os anos, em vésperas de época
balnear, o município tratava de, como se diz por cá, alindar uma praia cada vez mais interminável - o que consistia em
revolver, crivar e terraplanar, por
métodos mecânicos, aquelas finas areias
de modo a impedir que aí medrasse a menor réstia de vegetação.
Este deserto, esmeradamente
cultivado ao longo de décadas, formatou
no imaginário dos figueirinhas o postal
da praia; tornou-se, com o tempo, numa espécie de imagem d’Epinal. Muitos deles não concebem uma praia com dunas e
vegetação. O seu entusiasmo com o “oásis do Santana” só confirma aliás a
concepção arraigada da praia como um deserto, um berço de sereias terraplanado até à rebentação.
.
Por isso, a atitude sem precedentes do actual executivo
camarário de, contrariando uma longa tradição, decidir deixar pura e
simplesmente de subvencionar o cultivo anual do deserto, foi uma pedrada no
charco que me pareceu desde logo algo realmente “fora-da-caixa”.
E, ao deixar
de “lavrar a praia”, o município permitiu-se poupar, ao que me dizem, cerca de 150
mil euros por ano (seiscentos mil num mandato, para o lobi do tractor).
Amplamente criticado pela oposição e por um certo
beautiful people que pontifica nas
redes sociais, o executivo de João Ataíde resistiu galhardamente às críticas e
aos remoques com o argumento de que essa simples decisão de tesouraria lhe
permitiria ainda deixar crescer espontâneo um coberto vegetal natural que fixaria as areias (protegendo a avenida
do assoreamento sazonal pelos ventos) e potenciaria a prazo a consolidação de
novas áreas aprazíveis, aproveitáveis para a fruição dos cidadãos.
.
Parecia-me um “ovo de colombo”, tão simples e evidente que
era um espanto que nunca ninguém se tivesse lembrado de tal – não só sensato e
avisado, mas genial - o verdadeiro sonho
molhado de qualquer autarca minimamente honesto e inteligente numa época de
vacas magras: a possibilidade de “fazer obra” sem gastar um chavo do erário
público.
Estive mesmo para escrever e publicar (neste blogue, where else) um preito de desagravo ao
executivo municipal quando correu nas redes sociais uma petição ao senhor
presidente para que se dignasse “limpar a praia” (sim, porque para este beautiful people a vegetação que cresce
no areal é uma “prcaria”, “uma vergonha”).
.
Ainda bem que o não fiz. Porque não há boa-vontade que
não colida com a estupidez mais explícita.
-João Ataíde tomou duas decisões e
uma atitude que o devem reconciliar de vez com a oposição e com a turba de
labregos que o destratam nas redes sociais: ao tomar conhecimento de que a
Agência Portuguesa do Ambiente (APA, ou lá o que é) aprovou o projecto de requalificação do areal urbano
da Câmara Municipal, esta apresta-se para lá edificar “uma pista de atletismo, uma via mista para ciclistas e peões, um novo
parque de skate” e, entre outras obras realmente estruturantes, soterrar as
valas do vale do Galante e de Buarcos (o que deve significar, suponho, o
emanilhamento dos esgotos que desembocam na ante-praia directamente para a
rebentação, numa solução ecológica certamente do agrado do bom povo das redes
sociais). E, numa “segunda fase” virá “uma piscina”, um anfi-teatro redondo” e,
segurem-se, uma “ala das artes”. Tudo na ante-praia.
-Depois, João Ataíde admitiu candidamente, em assembleia
municipal, que ele próprio também não gosta de ver a erva na praia.
Mas não é só.
-O executivo que, resistindo a imensas e
insanas críticas e dixotes, “investiu” pacientemente na criação espontânea de
um coberto vegetal autóctone na
ante-praia, acabou por autorizar para
lá uma concentração de veículos
todo-o-terreno* - um cumbíbio, motorizado. Nem mais.
A oposição, a restauração (que adoram eventos) e os pacóvios
amantes da higienização balnear devem estar que nem podem de contentamento.
Eles adoram veículos todo-o-terreno; se pudessem todos teriam um, mas como não
podem devem ter lá ido em romaria só para os ver de perto. E como eram às centenas,
deve ter sido uma autêntica orgia a céu aberto, uma liturgia, uma missa campal
em louvor do ambiente e do motor a diesel, com milhares de labregos a
apascentarem alegremente os veículos enquanto estes lavravam as finas areias, berço de sereias.
.
Não há pachorra. Vá-se foder, senhor presidente.
E leve consigo todos os seus cinco vereadores,
e a
oposição,
e os milhares de labregos que se sentem vexados porque nascem
tomateiros na praia mas não se sentem indignados pela “erecção” do busto de
Aguiar de Carvalho à porta do município (não o acham obsceno); nem atingidos
com o fecho da maternidade (não a acham necessária); nem ofendidos por o seu
hospital público funcionar dentro de um parque de estacionamento privado (não
acham ultrajante). A estes pacóvios nunca ocorreria assinar petições contra
nada disto. Nem sequer a favor, por exemplo do cultivo da várzea (não o acham
estruturante), ou da reflorestação da serra (não a acham imperativa). Porque nada
disto os afecta.
O que realmente os tira do sério é o que vegeta na praia. A
cultura do deserto.
*Ao tomar conhecimento desta notícia (da
edição do “jornal” As Beiras do dia 22 de Abril) também fiquei a saber várias
coisas que não sabia.
-Em primeiro lugar, que a Figueira possuía um canil municipal
(pensava que a actividade já tinha
sido toda entregue à iniciativa privada);
- em segundo, que o município necessita que alguém lhe
aponte os locais onde existem lixeiras a céu aberto no concelho (pensava, oh
santa ingenuidade, que além de mais de uma dezena de presidentes de Junta de
Freguesia, o município também tinha fiscais para o efeito);
e, last but not
least, fiquei desvanecido por o município estar interessado em apoiar esse
desporto popular (ou laifestaile ou
lá o que é) amigo do ambiente e dos animais que é o todo-o terreno.
Há coisas do caralho não há? Quero dizer, fantásticas.
.
1 comentário:
YANIS VAROUFAKIS PARA Mª.LUIS ALBUQUERQUE
(ao ouvido)
:
"ou aprendes a dizer o meu nome
ou dou-te dois murros no focinho"
(sugestão para desenho -abraço)
Enviar um comentário