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A actual ministra da
cultura do país de André Malraux confessou recentemente que não lê um livro
há dois anos. Também recentemente, uma secretária d’estado da saúde do mesmo
país aconselhou os sem-abrigo “a não saírem de casa”, por causa da vaga de frio
que assola a velha Europa.
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É desta matéria,
e de outra de igual jaez, que se faz o assunto
quotidiano do jornal satírico “Charlie Hebdo” (mas também do seu
irmão-gémeo desavindo “Siné-Mensuel” e do semanário “Le Canard Enchainé”. Estas
três publicações devem ser aliás um fenómeno único no mundo: todas vivem
voluntariamente sem publicidade nem qualquer prolongamento na net, exclusivamente da sua venda nas bancas.
O seu humor político, de
agressão e sem concessões à psicofoda
do politicamente correcto, é o riso de Voltaire: a expressão escrita e
desenhada do livre pensamento contra a estupidez, o conformismo, a ignorância,
o preconceito e o fanatismo. As suas armas são o humor livre, o riso e a mofa, a
caricatura, o grotesco, até a obscenidade e a blasfémia. O objectivo não é matá-los.
É moê-los. Pelo escárnio, confrontando-os com a sua verdadeira dimensão - o
ridículo.
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A conclusão a que isto permite chegar é que existe em
França, embora residual e minoritário, um mercado
para o riso – ou seja, existe um público que se ri do patrão, da padralhada,
da alta-finança, da baixa-política, da justiça, da religião, de deus e dos
profetas. E não o fazem à socapa, como os portuguesinhos
valentes que agora também são charlie. Não, fazem-no em público. Comprando
os jornais, esses papéis pintados com
tinta, divertindo-se à grande e à
francesa e assim fazendo viver, e morrer
de riso, os que os assinam. Mesmo não sendo fácil, sob a ameaça constante
de infindáveis processos judiciais e, agora, até de lunáticos assassinos.
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Em Portugal por exemplo, onde se descobriu de repente um generalizado
amor pla liberdade de expressão, o
único caso comparável ao destes bravos humoristas gráficos é o de José Vilhena, silenciado há muito - levado várias vezes à falência -
pelos pruridos de respeitinho e por convenientes processos de difamação.
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A verdade é que em Portugal ninguém se ri dos milagres de
Fátima, nem dos aventalinhos da maçonaria, nem dos látegos da opus dei; nem dos consórsios de advogados; nem dos pareceres dos catedráticos de coimbrameudeus; nem sequer do empreendedorismo, da caridadezinha, das
imagens de marca e da cultura gurmê; nem do “universo
espíritosanto” do doutoricardosalgado e do seu sobrinho angolano ou dos outros
escroques condecorados plo presidente; nem do presidente.
Os tugas, esses carlitos
parvenus, acham graça é aos anúncios.
O humor em Portugal está todo na publicidade.
É por isso que não existe nenhum jornal satírico. Par contre, existem três diários de
futebol e, num país que não produz um prego, outros tantos “de negócios”.
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É também por isso que ninguém se ri de um estafermo
imbecil como Vera Jardim. No país dos charlies de geração espontânea uma abécula que já foi ministro da
justiça (é autor da lei da liberdade
religiosa) acha que o seu amigo Sócrates não tem que cumprir as leis penais que ele próprio e o partido de ambos aprovaram.
E nem sequer é
escarnecido, como merece. Pelo contrário, no país do respeitinho, o desinfeliz é levado
a sério. Passeia-se incólume, como um pavão ou um príncipe, plos jornais que
dizem que são charlie.
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4 comentários:
OBRIGADO.
Abraço solidário.
mário
Muito bem!
Ver uma manifestação pela liberdade encabeçada por assassinos ultrapassa a mais fértil imaginação. (Paris 11/1/2015)
Será que temos em quem apoiou o bombardeamento da Líbia e incentivou a invasão da Síria um defensor da liberdade?
As raposas guardam as galinhas. Estou lcouco.
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