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soubesse o
humano isto
a morte
não é uma praia longínqua
à qual se
adia a viagem eternamente
acabando sempre
por não ir
e jamais
teria criado as três máquinas
que fazem
rir o universo
tempo é
dinheiro
deus existe
e
aquela que
mais estremece as galáxias e as estrelas distantes
a matemática
descreve o mistério
Paulo José Miranda
exercício
50, in
Exercícios de humano.
Abysmo,
Lisboa 2014
A propósito de literatura, de grande Literatura, acabo de descobrir Paulo
José Miranda.
Comprei no supermercado (desgraçadamente, na terra que
habito não existem lojas da especialidade)
um pequeno livro invulgar. Parece um caderno de apontamentos; ou de exercícios. E é. Trata-se de um livro de
poemas. São 101, como os dálmatas. Só que estes não são bem para sensibilidades de
menina. São 101 dolorosamente lúcidos
exercícios
de humano. Contidos. Reflectidos.
Contundentes. Devastadores - como cento
e um murros no estômago; ou outros tantos pontapés nos tomates.
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Paulo José Miranda foi o primeiro prémio Saramago. Depois desapareceu.
Ao contrário dos tordos, dos peixotos, dos hugos-mães e de outros “accionistas da
própria propaganda” - ícones de uma certa literatura de massas, “laite”, ou de supermercado - Paulo nunca teve promoção com
turnê organizada, nem convite para escrever em jornais e revistas de referência (ele acha que sabe porquê – “tem a ver com a compreensão, muito correcta, do que é a minha escrita”).
Foi-se embora. Mas, ao contrário de Camões, não voltou nem vive da tença. Está agora no Brasil, onde foi descoberto por
João Paulo Cotrim, da editora Abysmo,
que lhe está a editar a obra.
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Herberto Helder disse dele
que é o único dos novos escritores portugueses
que consegue ler. Acho que percebo porquê. Deve ser pelas mesmas razões por que
Van Gogh dizia de Rembrandt que este pintava “como um ressuscitado”.
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2 comentários:
Eu, garimpeiro dessa poesia, tenho que encontrar o livro.
Eu também vou à procura
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