Isto é um país de infâmias.
Diz-se que Portugal está prosperando. De feito, isto é um país rico, o país do
provérbio, que é senhor de todo o mundo porque não tem vergonha. Esta coisa que
encomiamos como liberdade, bem definida, é o indiferentismo que vem
de par com a grande corrupção. Não queremos república, porque não queremos que
nos remexam a latrina. Fazemos parede com o rei porque ele é digno de nós e
está bandeado com a nossa porca existência.
Camilo
Castelo Branco, 11
de Março de 1873 (carta ao visconde de Ouguela)
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Sábado,
14 de Dezembro de 2013 -
Tudo leva a crer que a criação do
novo partido desquerda, o LIVRE, não terá satisfeito todas as
expectativas. Os comunas, esses malvados, continuam a subir nas sondagens.
Carvalho da Silva vai, também ele, lançar um movimento. Desquerda. O jornal do inginheiro
Belmiro já deu a conhecer o novel movimento
cujo “objectivo
- segurem-se - é a unidade de esquerda para influenciar
um futuro governo. O manifesto é divulgado para a semana. A ideia é juntar
famílias políticas diversas, do BE ao LIVRE, passando por católicos e ex-PCP”.
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Segunda-Feira, 16 de Dezembro de
2013 -
Ah, espera aí, afinal não é
verdade. O proprio Carvalho da Silva desmentiu – que não lançou nem pretende
lançar nenhuma espécie de movimento - disse ele à Lusa.
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Terça-Feira, 17 de Dezembro de 2013
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Não. Afinal sempre é
verdade. Carvalho da Silva (embora contrariado, dizem) é um dos subscritores do
tal manifesto. “Nesta terça-feira, na apresentação do Manifesto 3D, em Lisboa, Carvalho da Silva não apareceu. Mas o seu nome aparece em 48º lugar na lista organizada por ordem alfabética dos 65 subscritores iniciais do documento”, todos muito estimáveis,
todos muito importantes, todos muito conhecidos (da têvê), todos muito ex-qualquer
coisa (ex-PC, ex-PS, ex-BE, ex-PRP, etc.) enfim, todos muito desquerda e sem filiação partidária.
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Trata-se portanto de um
movimento realmente unitário. Um autêntico rassemblement, só que desquerda.
Não sei se estão a ver. E não deixa ninguém para trás, pois também apela aos católicos desquerda e, imaginem, aos abstencionistas desquerda, coisa que eu nem sabia que existia. Mas não há nada que
não exista neste país. Diga-se, por exemplo, que em Portugal não há família que
não tenha a sua ovelha negra - uma
prima que se portou mal, um tio idiota ou excêntrico – por isso é natural que as
famílias políticas desquerda também tenham os seus marginais: são os que se abstêm, os que
não querem saber, os sem-abrigo desquerda.
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Já Mário Soares - o gaveta-funda,
lembram-se? - é um político bem-abrigado,
que tem ultimamente apostado na muito ecuménica ideia de federar as esquerdas. Apesar de achar que um
comunista bom é um comunista morto, Soares não se importa nada de até elogiar
os comunistas (já elogiou, por exemplo, Álvaro Cunhal) mas - e é aqui que
reside a sua intransigente coerência - só o faz desde que estejam mesmo mortos.
Talvez tenha sido por isso que um belo dia dirigiu rasgados
encómios a Carvalho da Silva, quando este ainda era sindicalista.
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Mas agora Carvalho da Silva é professor universitário e investigador.
E, para Soares, um príncipe encantado. Ou melhor, uma espécie de novo condottiere, mas desquerda. Mas não daquela
esquerda que quer a sociedade sem classes
e justiça, saúde e educação e oportunidades iguais para todos, não. Nem da que pretende uma maioria, um governo e um
presidente, que é a única via de tornar tudo isso (ou parte) possível. Não
- trata-se de uma esquerda diferente.
Mais maneirinha. Mais fluidazinha. Enfim, mais pífia. Esta é uma
esquerda que não pretende mudar nada. Muito menos perturbar os mercados.
O seu único desígnio
confesso é “influenciar um futuro governo”. Exactamente. O sonho molhado de
Soares.
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2 comentários:
Gostei :)
O Sr. Carvalho já se vê como um Lula, também da Silva, sem se aperceber(?)que vive entre polvos.
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