.

sábado, 15 de janeiro de 2011

"A lucidez é um sorriso triste"


É o maior pensador angolano. Formado em Filologia Clássica em Lisboa e em Sociologia na Sorbonne, Mário Pinto de Andrade conhecia tão bem o Cancioneiro Medieval português como os problemas do pan-africanismo, da negritude e das lutas de libertação anti-colonial. Foi ele quem melhor reflectiu sobre o que é ser “africano” ou “angolano”. O seu pensamento livre de verdades insofismáveis custou-lhe a indiferença, a marginalização e o exílio (quase toda a sua vida adulta).
.
O seu país (e meu, já agora) tão atreito ao pensamento único, à estupidez natural e ao seguidismo cego suporta mal a memória irreverente de um homem cuja vida foi “uma constante pregação pela lucidez de espírito”. Ainda há pouco tempo, em Luanda, levantou enorme celeuma o facto de um conhecido escritor ter dito uma verdade de la Palisse: que os versículos do poeta-pai da pátria não eram lá grande espingarda.
.
Contudo a sua viúva tem fé que “o Mário vai ter importância daqui a 10 anos, quando os angolanos escreverem verdadeiramente a história do seu país. (…) Nessa altura toda a sua dimensão – política e intelectual – será reconhecida”.
Mas eu tenho as minhas dúvidas - a estupidez é rancorosa. E tem memória de elefante - o país que logo após a independência e, guiado (como numa parábola de cegos) por dirigentes tão mal formados como sedentos de poder, foi devastado sucessivamente por um socialismo esquemático e por uma guerra civil indecorosa e interminável, descobriu recentemente as delícias do capitalismo, igualmente selvático e devastador. As suas elites têm mais predisposição para o hedonismo, a palermice e a corrupção do que para a reflexão, essa paixão da lucidez.
.
.

Sem comentários: