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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Da figueira e seus contornos - notícia do lançamento

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Correu bem. Quero dizer, não aconteceu nada de especial; nem um apelo ao crime ou à subversão da ordem instituída, nem um viva a anarquia ou um morra o dantas pim, nem sequer qualquer espécie de tumulto ou terramoto. O evento, anunciado durante semanas para a Biblioteca Pública Municipal e transferido na véspera para o Auditório, decorreu na mais perfeita normalidade.

O Auditório Madalena Biscaia Perdigão esteve cheio como um ovo – de calor humano e da mais selecta audiência, que ouviu com elegante e circunspecta urbanidade o meu amigo Daniel Abrunheiro dizer coisas que talvez eu não mereça.

Daniel, que é o melhor escritor português do século vinte e um e arredores (ele sabe - e disse-o – que eu sou tão parco em elogios como inflexível com a verdade) desvaneceu-me ao aceitar apresentar o meu pobre feixe de rabiscos e tentar disfarçar a minha irracional incapacidade para falar em público. “Fazemos assim” - disse-me ele: “tu grunhes como o de Niro e eu faço como o Billy Crystal”. Assim foi. E não podia correr mal. Não houve croquetes mas figos pingo-de-mel. No fim até assinei autógrafos. Os livros que sobraram estarão disponíveis à entrada dos espectáculos do EnCantar pela Paz, que acontecerão até ao fim do mês no Auditório Madalena Biscaia Perdigão.

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Daniel Abrunheiro, de cuja generosidade incompreensivelmente sou alvo desde os tempos em que ele foi cronista do jornal A Linha do Oeste, foi também o “padrinho” deste blogue (a posta inaugural, em 2007, foi um soneto que ele escreveu para ilustrar um desenho meu). O texto que escolhi para epígrafe do livro que lançámos também é de sua autoria e foi escrito para o folheto da minha primeira exposição de caricaturas em 2012 no tubo d'Ensaio d'Artes. Quanto aos seus livros, podeis encontrá-los nos sites das melhores livrarias ou em qualquer biblioteca pública que se preze.

domingo, 7 de setembro de 2025

Caricaturas em livro

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Vou finalmente lançar um livro de caricaturas. Trata-se da primeira publicação impressa de uma colecção de desenhos que viram a luz do mundo nesta mundial e ampla rede nebulosa de palermices e iniquidades.

Chama-se da Figueira e seus contornos e, como o sub-título sugere, é um livro de 27 retratos da Figueira ilustrados com textos coloridos e tem tudo o que têm todos os livros: capa, contracapa, prefácio, epígrafe e uma porção de páginas pintadas com tinta.

O grande Daniel Abrunheiro concedeu-me a honra de fazer a sua apresentação e Odezanovedejunho o prazer de patrocinar o seu lançamento - no âmbito do EnCantar pela Paz, o evento que esta Associação de Ideias está a tratar de fazer acontecer por estes dias e até ao fim do mês na Figueira da Foz .

A coisa vai acontecer na Biblioteca Pública Municipal Pedro Fernandes Tomás, que nos cedeu amavelmente o espaço para a cerimónia - no próximo Sábado, dia 13 de Setembro, às cinco e meia em punto de la tarde. Tomai nota.

A entrada é livre e não há croquetes; mas eu levo o lápis para assinar autógrafos e tudo, se for caso disso. Não falteis.

sábado, 30 de agosto de 2025

Luís Fernando Veríssimo (1936-2025)


 

Sou um gigolô das palavras. Vivo à custa delas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Exijo submissão. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família, nem o que os outros já fizeram com elas. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito

Luís Fernando Veríssimo



Um dia chega a Cântaro um jovem trovador, Lipídio de Albornoz. Ele cruza a Ponte de Safena e entra na cidade montado no seu cavalo Escarcéu. Avista uma mulher vestindo uma bandalheira preta que lhe lança um olhar cheio de betume e cabriolé. Segue-a pelos becos até um sumário — uma espécie de jardim enclausurado — onde ela deixa cair a bandalheira. É Lascívia. Ela sobe por um escrutínio, pequena entrada estreita, e desaparece por uma porciúncula. Lipídio a segue. Vê-se num longo conluio que leva a uma prótese entreaberta. Ele entra. Lascívia está sentada num trunfo em frente ao seu pinochet, penteando-se. Lipídio, que sempre carrega consigo um fanfarrão (instrumento primitivo de sete cordas), começa a cantar uma balada. Lascívia bate palmas e chama:

Cisterna! Vanglória!

São suas escravas que vêm prepará-la para os ritos do amor. Lipídio desfaz-se de suas roupas — o satrapa, o lúmpen, os dois fátuos — até ficar só de reles. Dirige-se para a cama cantando uma antiga minarete. Lascívia diz:

Cala-te, sândalo. Quero sentir o seu vespúcio junto ao meu passepartout.

Atrás de uma cortina, Muxoxo, o algoz, prepara seu longo cadastro para cortar a cabeça do trovador.

A história só não acaba mal porque o cavalo de Lipídio, Escarcéu, espia pela janela na hora em que Muxoxo vai decapitar seu dono, no momento entregue ao sassafrás, e dá o alarme. Lipídio pula da cama, veste seu reles rapidamente e sai pela janela, onde Escarcéu o espera.

Lascívia manda levantarem a ponte de safena, mas tarde demais. Lipídio e Escarcéu já cavalgam por motins e valiuns, longe da vingança de Lascívia.”

Luís Fernando Veríssimo, in Palavreado - em que se fala do reino de Cântaro. Mas também de Pantufo, Rei da Cizânia, cuja capital é Nova Velha (a Velha Velha fora destruída por um paroxismo).