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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O materialismo místico





A bela cidade da foz do Mondego, fiel à tradição, já não muito recente, de ser “balão de ensaio” para “gestas” colectivas abrangentes, curiosamente sempre de feição “regeneradora”, acaba de dar à luz outro destes fenómenos.
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Medina Carreira, o filósofo do tremendismo, veio outra vez à Figueira e ao seu casino (que, depois do jantar se encheu, como de costume, de uma selecta audiência que o ouviu, enlevada) enunciar uma nova e curiosa filosofia que dá todo o primado à economia (mais à finança, sobretudo à alta) em detrimento da política, ou da ideologia.
.Ao invés da filosofia “tradicional”, cujo foco de reflexão é o “ser”, o fulcro da reflexão deste génio do pensamento abstracto situa-se, exclusiva mas paradoxalmente, no conceito de “ter”; embora também condescenda em reflectir, ainda que circunstancialmente, sobre o conceito de “haver”.
.Trata-se pois de uma estirpe totalmente desconhecida, até agora, de materialismo; Ou seja, neste sentido a coisa apresenta-se como uma espécie de marxismo, só que invertido; isto é, ao contrário deste, nada tem de “científico” ou “histórico”. Trata-se mais de uma coisa mística, uma nova teoria de libertação (tem propósitos redentores), só que às avessas.
Ao contrário de Karl Marx, que escreveu “Das Kapital”, o “Manifest der Kommunistischen Partei” e o caralho, Medina Carreira não escreve nada fundamentado ou sequer propagandístico - ele fala; dá palestras nos casinos. A sua boca é uma torneira a deitar enormidades; que não caem em saco roto: a sua audiência é um imenso balde sem fundo e de boca aberta.
.E claro, como todo o messias, também tem os seus convertidos, prosélitos e divulgadores. O director do jornal “O Figueirense” (que como se sabe é a voz da empresa que detém a empresa que detém o casino que patrocina as palestras e a carreira de Medina) é um deles.
Como S. Paulo, o apóstolo, é ele que - em esclarecedoras epístolas aos figueirinhas - vai explicando (o mestre “não gosta de particularizar”) e espalhando por toda a parte a boa-nova do novo messias.
A Praia da claridade continua pois, fiel aos seus pergaminhos. Uma verdadeira Meca de cretinos. E Medina é o seu profeta.

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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O rosto da classe dirigente (II)



Daniel Proença de Carvalho é “amigo de toda a gente que importa”.

Ou “um dos homens mais influentes” de Portugal.

Em todo o caso, ele é o "rosto perfeito” do bloco central.

Todavia, se observardes bem, haveis de convir que Georges Grosz tinha razão: vistas de muito perto, todas as coisas acabam, inexoravelmente, por parecer mesmo “gastas, feias e de uma ambiguidade sem sentido”..

Mas se porventura tal não vos acontecer, é porque este é um desenho falhado. Terei decerto exagerado na verosimilhança.
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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A eminência parda



Não penseis que este desenho, por vir na sequência de outro nas mesmas tonalidades orientais, significa que eu, tal como Picasso com o seu período rosa, esteja a atravessar uma espécie de período monhé. Nada disso. Penso todavia que o termo que melhor definiria este breve interlúdio seria mesmo o de rosé, que como sabeis, é relativo a tudo aquilo que não é branco nem é tinto.
Tal é o caso de António Costa. A eminência parda do PS é uma espécie de tremelga, que como também sabeis, é um termo que define tudo aquilo que não é carne nem é peixe.
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O edil da mouraria, acaba de soltar esta pérola de sabedoria (oriental): “O PS está na oposição, mas não é um partido de oposição. Sabemos bem aquilo que só agora a direita aprendeu: que as crises não se vencem por demagogia. Não há milagres. Governar é muito exigente e difícil”.
Elucidados? – o maharaja do partido sucialista esclareceu as hostes do partido, demais apaniguados e potenciais sponsors, da verdadeira índole da súcia: o pêésse é um partido da situação. E mainada.
O problema é que a situação do PS é a de suplente. Só quando passar à titularidade, o líder-sombra do Largo do Rato avançará para o sol. isto não quer dizer que o actual líder recue (um líder nunca recua, avança noutra direcção); avançará também, fermoso e quiçá também Seguro, mas pla sombra, rumo ao bilhar grande. Mas sem volta, está claro. Clarete. Eu diria mais: rosé.

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sábado, 10 de setembro de 2011

A bava do zeinaldo e a língua PTguêsa




Os países atrasados padecem de uma patologia tão mórbida como sintomática. Chama-se complexo do colonizado. Nutrem um fascínio pacóvio por tudo o que se relacione com a ideia que têm de desenvolvido.
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Em Portugal, por exemplo, existe uma fascinação infantilóide com a língua inglesa que é transversal a toda a sociedade, isto é, tanto afecta a classe dominante como a dominada: desde a classe A ao lumpen proletariat, aos portugueses soa-lhes melhor a língua inglesa do que a puta da sua língua mãe.
Da promoção turística oficial (o Allgarve) à publicidade dos grandes grupos empresariais, das cançonetas (songs) dos cantores pop ao linguajar dos executivos das grandes companhias, a lingua-franca articulada por estes pacóvios é uma espécie de pidgin da língua oficial dos treinos do Chelsea Futebol Clube.
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O segredo do atraso destes países deve-se, no entanto, à sua peculiar predilecção por se deixarem governar exclusivamente por cretinos. Neste aspecto, Portugal nem sequer é muito exigente, esquisito ou racista; deixa-se facilmente governar tanto por arianos como por monhés – desde que sejam mesmo imbecis e o articulem em inglês.
É o caso de Zeinal Bava. Bava é “chairman” da PT, uma das maiores companhias do país, e o executivo mais bem pago de Portugal. Penso que tal se deve a um peculiar conhecimento da língua inglesa (para os portugueses, esse é um item que eles conotam com a erudição) que lhe permite expressar-se naquele pitoresco e inenarrável pidguin que alguns apelidam de portuguesing, mas que eu prefiro chamar de PTguês.
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Pois bem, o PTguês acaba de invadir a toponímia, tal como a privataria o espaço público.
A este tipo de morbidez, que eu acho sintomática de uma certa patologia do atraso, também se pode chamar parolice..


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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A presidenta



A democracia em Portugal é assim uma espécie de sistema de partido único com uma espécie de partido suplente, em modo de alterne. Dizem que a coisa funciona.
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Assim, com o PSD o país inteiro é uma espécie de grande aldeia da coelha: tem uma maioria, um governo e um presidente. A maioria é constituída por uma mole imensa e flutuante de apoiantes cretinos e por uma pequena mas selecta quantidade de senadores, quase todos presidentes de conselhos de administração de grandes empresas cotadas em bolsa; o governo é presidido por um tal de Coelho; e o presidente, é um tal de Silva, Cavaco Silva.
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Já o PS, agora na oposição, não tem maioria, nem governo nem presidente; a minoria flutuante que sustenta este partido fez aliás com que os seus senadores, que eram presidentes, alternassem para vogais nos conselhos de administração das mesmas empresas cotadas em bolsa que são, agora, presididas pelos senadores do partido rival.
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Em democracia, tudo depende de uma espécie de "flutuação de ânimo" de uma ampla maioria de imbecis (como é sabido, é este ânimo flutuante que faz o regime funcionar, no seu característico alternar).
A luta política em democracia é, pois, uma eterna guerra não declarada; e não de rosas, mas de espinhos. Se um mata, o outro esfola. Assim, como os suciaisdemucratas têm um Silva a presidente, os sucialistas não fazem a coisa por menos: acabam de eleger uma Roseira para presidenta. Nem mais. Roseira, Maria de Belém Roseira.

E é este o género de frémito democrático que, pensam eles, faz flutuar os ânimos..

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Barreto e a universidade abécula




A cidade alentejana de Castelo de Vide transforma-se, em Agosto, numa verdadeira escola de Atenas. Trata-se da “universidade de Verão do PSD”.
Contudo, não é bem bem como a escola de Atenas da antiguidade; é mais como uma espécie de secundária da Atenas da actualidade; ou seja, não há abécula que para lá não vá leccionar nem grunho que de lá não venha carregado de cunhecimentos.
.Um destes notáveis mestres do cunhecimento é António Barreto, o sociólogo que foi ministro da Agricultura e que achava que o país não precisava de produzir o que consumia, que bastava importá-lo. E que por isso, restituiu as propriedades agrícolas aos seus “legítimos proprietários”, que delas fizeram belas segundas residências com piscina, campos de golfe, reservas de caça ou estâncias (agora diz-se resorts) de turismo rural. O bom homem pensava que o futuro seriam os “serviços”: aviar copos e fazer camas aos turistas seria o glorioso desígnio para um merecido desenvolvimento.
Abandonada a agricultura, o país alegremente abandonou também a indústria e as pescas, entrou de carrinho para o Mercado Comum Europeu e, logo a seguir, para a União Europeia.
Ou seja, depois de perder o império e descer ao inferno, em 1975, Portugal depressa descobriu uma nova terra de Preste João, onde a árvore das patacas está sempre em flor; o país não precisaria enfim de fazer nada; compraria tudo feito. A Europa que lhe vendia os produtos, emprestar-lhe-ia também o dinheiro para os pagar; enfim, o paraíso na terra.
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Barreto, o sociólogo, realizou mesmo um muito celebrado documentário para a televisão onde pintava um retrato dourado e amável do Portugal dos últimos trinta anos, por fim livre do atraso da ruralidade.
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Só que, entretanto, o país descobriu de repente que está endividado. Que não faz a ponta de um corno e consome mais do produz. E Barreto, eureka, descobriu a pólvora. E foi a correr anunciá-la ao Alentejo, à "lusapenas" do PSD: que a culpa não é toda da Constituição de 1976 (revista todos os três quinze dias desde então) mas que ela “é um horror”. É “barroca”, disse ele. E disse mais: que “urge fazer uma nova e aprová-la em referendo”. Mais ou menos como se elegeu o maior português de todos os tempos..

A coisa promete.
Como Barreto acha que a justiça no anterior regime até era melhor do que a actual, não me admira que proponha o regresso à Constituição de 1933. Toda a gente sabe que depois do barroco veio o classicismo. Seria um regresso, “rapidamente e em força” claro, aos clássicos.

Faz sentido. Como “maitre à penser” de abéculas, Barreto deve pensar, naturalmente, que o regresso ao passado é a única solução com futuro.
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sábado, 3 de setembro de 2011

O rosto da classe dirigente




Em 1921, George Grosz* editou um álbum de desenhos políticos a que chamou “Das gesicht der Herrschenden Klasse” (o que, como já devem ter topado, quer dizer qualquer coisa como “O rosto da classe dirigente”). Nesses 55 desenhos, Grosz retratava o hediondo rosto da classe dirigente da República de Weimar na crise de todos os valores que se seguiu à derrota da Alemanha na primeira guerra.
Contudo, alguns anos antes da Guerra, já ele tinha planos para uma obra muito mais abrangente e ambiciosa (em três volumes), que infelizmente nunca concretizou. Grosz acreditava sinceramente que os alemães eram um dos povos mais repugnantes do mundo e propunha-se retratá-los; essa obra, “Sobre a Fealdade dos alemães” seria sobre a tendência destes assumirem, mal a breve juventude desabrochava, formas e feições fisionómicas vulgares e agressivas, correspondentes às suas respectivas abjecções morais. Grosz via a coisa com mais interesse científico do que propriamente artístico: -“Sabe-se lá porquê, mas quando observamos as coisas e as pessoas de muito perto, elas começam a parecer-nos gastas, feias, e muitas vezes dotadas de uma ambiguidade sem sentido” dizia ele.
. -Mas eu não precisaria de um álbum inteiro para retratar o rosto da classe dirigente portuguesa. Um simples desenho bastaria. Um com os traços de Ângelo Correia, por exemplo.

-Sim, quem melhor do que este político e empresário de sucesso (chegou a ser administrador da Figueira Paraindústria, vejam bem) e um dos vinte “portugueses mais influentes”, poderia emprestar os seus traços ao rosto da classe dirigente lusitana?
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-Ah, e também não necessitaria de três volumes de desenhos para retratar a fealdade dos portugueses (não que eu seja mais dotado do que o genial Grosz; os portugueses é que são, helas, mais elementares do que os alemães); o estudo atento - mais científico do que artístico - dos traços do “mentor” do actual primeiro-ministro bastaria para a revelar.
Sim, porque se repararem bem (de mais perto), o rosto da classe dirigente portuguesa é, sem tirar nem pôr, o reflexo invertido (na vertical) da classe portuguesa dirigida. Vejam bem. A cara de um é o focinho do outro. E vice-versa.
Depois, não estranhem que tudo vos pareça dotado de uma “ambiguidade sem sentido”.
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*George Grosz foi um dos mais notáveis artistas alemães do século vinte. Pintor, escritor e caricaturista, integrou o grupo dada de Berlim e durante os anos vinte (entre as guerras) transformou-se no mais impiedoso e odiado detractor da burguesia alemã, do militarismo e da estupidez em geral. Os seus desenhos políticos, satíricos e jocosos, eram publicados nos jornais da época ou em álbuns, edições de autor. O seu traço firme e incisivo impregnou-os de um humor feroz, ácido e corrosivo que lhe valeu vários processos judiciais e outras tantas condenações por “ofensas à moral pública”, “blasfémia”, “conspurcar os valores do povo alemão”, “difamação”, “incitamento ao ódio de classe”, “pornografia”, “atentado ao pudor”, etc..
Foi dos primeiros a avisar para o perigo do nazismo. Em 1933, cansou-se de ser ignorado (ou processado) e desistiu. “Tinha combatido e perdido”. Foi para a América ensinar o desenho a senhoras da high-society. Aí viveu confortavelmente e nunca mais fez ondas. Enquanto isso, grande parte da sua obra pictórica (285 obras foram colocadas no índex da “arte degenerada”), foi sendo destruída pelos nazis em alegres e pitorescos autos-da-fé. Em 1959 regressou por fim a Berlim, embebedou-se, caiu de umas escadas, sufocou e morreu. Dizem que de ataque cardíaco.

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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O nobél do Crato





Nunca permiti que a escola interferisse na minha educação Mark Twain



Há pessoas, como o grande Victor Hugo, que acreditavam piamente que “abrir uma escola é fechar uma prisão”. O novo ministro da Educação do governo de Portugal é um matemático e estatístico que acredita, também ele, nos poderes salvíficos e regeneradores da escola.

Recentemente, na “universidade de Verão” do PSD, em Castelo de Vide, ele perorou aos betinhos do partido. Que estudar “compensa” e que “ter boas notas significa empregos que dão mais dinheiro”, disse ele, falando-lhes ao coração. O que não lhes disse, mas eles já sabem, é que além dos méritos adquiridos também compensam as relações convenientes e, claro, as ascendências reconhecidas; ou seja, a inevitável cunha e o incontornável pedigree (o berço, caralho). Ele próprio, por exemplo, é filho de um “primo-sobrinho-trineto” em 2º grau do 1.º Barão e 1º Visconde de Nossa Senhora da Luz .
. No entanto, e além disso, Nuno Crato é o prócer de um novo paradigma (trata-se, nem mais nem menos, do paradigma de Victor Hugo - só que invertido; ou seja, virado às avessas) que é todo um programa:
- o homem propõe-se fechar escolas, despedir professores e funcionários e, não só não abrir novas prisões (isso será, receio, função de um outro qualquer ministério) como, ainda assim, segurem-se bem, “melhorar resultados”. Ou seja, vai fazer mais com menos. O que colide contra a lógica matemática, que afiança que, invariavelmente, mais vezes menosmenos (+X-=-). Porém, se a coisa funcionar, isto é, se contra todas as probabilidades Crato provar que funciona, está criado (e solucionado) um novo "problema matemático" com inúmeras e incalculáveis, mas valiosíssimas, aplicações: o paradoxo Crato , ou de Crato. O que quer dizer que o próximo nobél da economia pode muito bem ser português (sei que isto também pode parecer um paradoxo, mas não é; trata-se da mais pura lógica, ainda que da mais transcendente, reconheço).
. Dito isto, ao contrário de muita e boa gente, eu não acredito na escola como a panaceia para toda a espécie de males sociais.
Se não concordo inteiramente com aqueles, como João César Monteiro, para quem a escola “é a retrete cultural do opressor”, também não me entusiasmo demasiado com outros, como Victor Hugo, para quem “abrir uma escola é fechar uma prisão” (isso seria encarar os homens como autómatos programáveis por iluminados).
Eu prefiro acreditar no livre-arbítrio; na simples vontade. Na liberdade individual.
Por isso mesmo toda a minha vida fiz como Mark Twain...
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