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Há quem ache estranho o silêncio dos “intelectuais”,
sobretudo dos artistas angolanos, a propósito do suplício “voluntário” de Luaty Beirão -
o activista angolano em greve de fome numa prisão de Luanda há 30 dias. Está detido
preventivamente desde Junho com outras quatorze pessoas acusadas de ”actos
preparatórios de rebelião e atentado contra o Presidente”.
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Eu, como tenho opinião e não me importo de a usar, também
acho.
O silêncio das elites intelectuais é, de facto, estranho. Não apenas sobre
o causo específico de Luaty, e de
cada um dos seus quatorze companheiros, mas sobre a sua causa: a de um estado cujo regime político que, suportado por uma
elite inepta e venal, em quarenta anos de independência já possui o exército e
a polícia mais bem equipados de toda a África mas não foi sequer capaz de tentar
implantar o mais tímido esboço de um sistema de saúde ou de ensino universais, ou
uma simples estratégia de distribuição de correio em todo o seu território. Um estado de um país estupidamente rico de
recursos tornado refém de uma elite cujo transformismo cínico passou, em poucos
anos e sem pruridos nem sobressaltos de alma, de um marxismo esquemático à mais pertinaz e sôfrega apropriação primitiva de riqueza - sonegando-a
a todo um povo que definha inerme na mais infame miséria e degradação.
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Claro que nada disto seria possível sem a caução internacional
dos santos mercados e sobretudo sem a
colaboração interessada da elite portuguesa
dos negócios, cuja corrupção moral e cupidez sem escrúpulos a leva, aceitando
proveitosos dividendos e comissões, a acolher no seu seio os investimentos de figurinhas mais ou
menos obscenas ou sinistras como Isabel dos Santos, Álvaro Sobrinho, seus consortes
e generais.
Neste contexto, o silêncio
de certos artistas não é tão estranho como isso. Colaboracionista ou apenas pusilânime, trata-se afinal da posição natural dos que também prosperam - como jacarés
na água turva deste rio podre de
escravatura.
É contra o sórdido festim de fusões, aquisições, kuduro,
fadinho e concursos de misses e contra
o glamour de celofane desta nova high-society luso-tropical que se insurge
a gesta patética e desesperada de Luaty e dos seus companheiros. E esta pequena
obra, improvisada, que lhes dedico.
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