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sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Mogais Sagmento e o “full-service”



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Nuno de Albuquerque de Morais Sarmento é um político português. Vice-presidente do PSD. Já foi a ministro duas vezes. Também é comentador político, na SIC Notícias, na RTP e na TSF. E advogado e tudo. O Mogais Sagmento já era maizómenos conhecido do grande público, mas só agora é que se tornou realmente popular. Desde que se viu o seu nome escrito nos papéis de Pandora. Foi aí que ficámos a saber que o Mogais Sagmento também é um investidor no estrangeiro.

Ele é um dos rostos mais emblemáticos da velha classe dirigente lusitana, mais precisamente da sua ala mais ressessa, reaccionária e ultramontana, aquela onde abundam os apelidos de consoantes dobradas que são invariavelmente precedidos pela partícula “de”. Esta ala da classe dirigente nacional é uma excrescência medieval que, apesar de todos os avanços sociais, políticos e científicos do século vinte, do ensino obrigatório ao direito ao voto e ao DDT, conseguiu sobreviver até aos nossos dias - como os padres, as pulgas e os chatos. Trata-se de uma classe social favorecida pela sorte nos negócios e nos acasalamentos (perpetua-se por endogamia) e por uma sempiterna proximidade do poder. Também presume grande prurido pelos pergaminhos de uma tão suposta como antepassada fidalguia. Esta curiosa e um tanto mórbida fixação pelo título de nobreza e por uma lânguida e ressabiada nostalgia do privilégio, sublimadas mais recentemente por igual fascinação pascácia pelo doutoramento no estrangeiro, faz desta elite do atraso - cem anos após a implantação da República e cinquenta depois do 25 d’Abril de 1974 - um caso patológico que seria apenas risível se não fosse também bastante confrangedor.

Assim, embora tenha pinta de meteco, ou talvez por isso, o seu verbete na wikipedia afiança que Mogais Sagmento é o garboso “terceiro filho e terceiro varão de João Vilaça de Morais Sarmento, pertencente à família Botelho de Morais Sarmento, dos Guardas-Mores do Sal de Setúbal de juro e herdade, e dos Condes de Armamar -. Licenciado em Engenharia Química (IST e Universidade de Louvain, Bélgica) e Administrador de Empresas, e de sua primeira mulher Maria Madalena de Miranda Ferrão de Albuquerque. É bisneto ainda pelo lado paterno, do Par do Reino António Eduardo Vilaça, que foi Ministro dos Estrangeiros várias vezes, dos Reis D. Carlos I e D. Manuel II”.

Mas não é só. Ou apenas. Há mais: “Casou em Óbidos na Quinta das Gaeiras, a 9 de Julho de 1988 com Ana Filipa de Moser Lupi), 5.ª neta dum italiano, neta materna duma judia sefardita, 5.ª neta do 1.º visconde do Cartaxo, sobrinha-5.ª-neta do 1.º Conde da Póvoa e 1.º Barão de Teixeira e bisneta do 2.º Conde de Moser da qual se divorciou em Fevereiro de 2016.”

Gostaram? Reparam nos “de”?

Mas muito para além deste arrazoado imbecil, quase cómico de tão vácuo e tão tosco, o que me chamou a atenção foi a sua actividade, digamos assim, causídica, que pode talvez explicar o seu envolvimento no caso dos papeis da Pandora.  Reparei que Mogais Sagmento é atualmente sócio da PLMJ - A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados, RL. Um consórcio de advogados.

Pois bem, segui o link e entrei num outro mundo. O mundo maravilhoso de uma sociedade Full-Service.

Esta preciosidade, que pode ser aferida clicando em quem somos, revela o que pode ser realmente uma sociedade de advogados para todo o serviço. Segurem-se e leiam. São apenas dois parágrafos, mas valem por toda uma literatura.

“Somos uma sociedade de advogados com sede em Portugal que combina a oferta de um escritório full-service com a maestria e competência de uma relojoaria jurídica.

Possuímos um genuíno entusiasmo na resolução de impossibilidades que nos leva a lugares “menos comuns” que transformam velhas certezas em novas disrupções. Há mais de 50 anos que nos pautamos por abordagens arrojadas e transformadoras que se traduzem em soluções concretas que tanto respeitam as exigências da lei como promovem uma defesa eficaz dos interesses dos nossos clientes.”

Gostaram? De antologia. Pois não só è vero como è ben trovato.

Se bem entenderam, Mogais Sagmento é sócio de Júdice, sobre quem também já me debrucei aqui. Júdice, ele próprio também empresário, é um advogado com uma visão próxima do cliente; foi aliás certamente o seu genuíno entusiasmo na resolução de impossibilidades e a sua proximidade quase promiscua ao banqueiro Rendeiro que levaram recentemente este último a lugares menos comuns que transformam velhas certezas em novas disrupções. Toparam?

Não admira por isso que também Mogais Sagmento, como empresário e investidor no estrangeiro (Ilhas Virgens, Moçambique e tal), tenha afinal uma visão tão próxima do advogado.

É que o que melhor define o Mogais Sagmento e a sua classe - mais do que aquela ressessa presunção de antiga fidalguia; mais do que a sonsa nostalgia da legitimidade do privilégio e muito mais do que aquele, mais recente, fascínio laparoto pelo doutoramento no estrangeiro – é, sem dúvida, a avidez irreprimível. A atracção sórdida pelo dinheiro. E a compulsão para o full-service.

3 comentários:

Manuel M Pinto disse...

De modo muito triste, importa lembrar Morais Sarmento, o ministro que esteve na origem do fim do magazine cultural diário ‘Acontece’, transmitido na RTP 2 entre 1994 e 2003, ao afirmar, tolamente: "que saía mais barato pagar uma viagem à volta do Mundo a cada telespectador do programa do que o manter".!!?

cid simoes disse...

La cosa nostra em todo o seu esplendor com metástases em todos os governos; tudo isto se torna banal e o Zé levanta-se às duas da manhã para conseguir uma consulta na rua.

X Dias Longo disse...

La cosa nostra legal e refinada! já muitas vezes me questionei. Se não sabem do Rendeiro porque não perguntam ao Júdice, ele que faz comentário na "Chique" do Balsemão, todo deitado na cadeira porque a pança já não o deixa ficar decente e direito e parece que está em casa, ele que aparece sempre atrás de Rendeiro à saída do tribunal.
Enfim o nosso direito por linhas tortas.