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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Custódio Cruz




A Figueira da Foz não é uma pátria amável para as virtudes cívicas (já aqui sugeri como a Figueira pode ser uma curiosa paráfrase do país).
O caldo de cultura em que marinam os hábitos sociais dos figueirinhas é uma estranha emulsão, composta em partes iguais por ingredientes provenientes do terroir local; tais como a inveja (da mais ignóbil); a cobardia (da mais soez); a mediocridade (da mais envaidecida); a ignorância (da mais impávida); o lambecusismo (uma variedade local da subserviência, mas mais convicta); a pura maldade e requintes de estupidez.
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O figueirinhas é um gebo. Tem problemas na coluna vertebral. É incapaz de, às claras, desobedecer a uma ordem, discutir uma directiva, discordar de uma opinião, ter uma opinião, discutir uma ideia.
O figueirinhas considera, aliás, que a crítica “tem sempre a ver com o pior: a inveja, a cobiça, o ressentimento”.


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O figueirinhas é incapaz de exprimir um protesto, uma dúvida, uma reclamação, uma indignação, um sobressalto cívico, nada.
Na sombra sim. Disso e de muito mais. À sombra do anonimato, o figueirinhas é capaz de tudo. De mijar num lavatório, de cuspir na sopa que serve, de denunciar iniquidades, de exigir retaliações, de destruir reputações, de desprestigiar chefias, até de derrubar poderes instituídos. Na Figueira da Foz, o poder (qualquer poder) sabe-o e teme-o mais do que à própria oposição, ao comunismo ou à anarquia..


O figueirinhas e o poder são, aliás farinha do mesmo saco: com esta coisa da democracia um elege o outro e este retribói: - cultivando com desvelo - a inveja, a cobardia, a mediocridade, a ignorância, a subserviência, a maldade e a estupidez, enfim, todos os ingredientes do caldo infecto que alimenta esta cidadania..


Todavia, se bactérias num meio é cultura, é natural que alguns figueirenses não se sintam bem em tal meio. Os de mais talento, coragem, e possibilidades, põem-se a milhas. Uns andam sempre em viagem. Outros, optam simplesmente por ir morrer longe. Há deles contudo, que se instalam noutros lugares e regressam de vez em quando. Outros ficam amargos, tornam-se humoristas e nunca mais voltam. Outros ainda, como eu, tornam-se refractários à vida social (o conhecimento profundo do associativismo local é uma das razões de uma melancólica e assumida misantropia).

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Por isso mesmo não deixo nunca de me espantar que tal meio cultural, tão propício à prosperidade das mais diversas taras colectivas como hostil a qualquer tipo de virtude cívica produza, ainda assim, exemplos de cidadania como Manuel Fernandes Tomaz. Ou Cristina Torres..


Ou como Custódio Cruz.
O herói (ou mártir) do mercado - cuja voz é crapulosamente distorcida nos jornais e o carácter é impunemente escarnecido e assassinado nos blogues por indómitos figueirinhas anónimos - é alguém que sente o que pensa e di-lo em voz alta, afirmativo, sem pruridos de boas maneiras.
Este é um estranho e misterioso paradoxo.
Um verdadeiro milagre. Vai já direitinho para o meu Álbum Figueirense..


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