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sábado, 6 de março de 2010

A arte de agradar

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O fim da arte inferior é agradar,
o fim da arte média é elevar,
o fim da arte superior é libertar
Fernando Pessoa
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O corajoso anónimo que me descompôs a respeito da minha opinião sobre a nova unanimidade das artes nacionais levou-me a algumas reflexões sobre uma recente mas notória mudança de gosto e de atitude dos portugueses (até mesmo dos menos alfabetizados) em relação à arte.
Trata-se de uma mudança, subtil mas drástica, de paradigma.
Como tenho vindo a observar e a referir em vários posts, o que há uns anos agradava aos portugueses eram coisas que eles reconheciam e em que gostavam de se rever (paisagens, retratos, marinas etc.).
Agora já lhes agrada a abstracção, o happening, a performance e até, imagine-se, a instalação. Dito de outro modo: se outrora só gostavam de merdas bonitas, agora também gostam de merdas patuscas.
Nesta mudança de atitude mental não foi despiciendo o papel de um conhecido especulador bolsista que alguma imprensa refere generosamente com o eufemismo "empresário": Joe Berardo; foi ele o matuto connoisseur que mostrou aos tugas que um “comentário à contemporaneidade” pode ser um “activo que não desvaloriza”; o que, isso sim, não só lhes agrada como, sobretudo, entendem.
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Devo contudo dizer que não subscrevo a citação de Fernando Pessoa em epígrafe; não compartimento a arte por castas e não partilho da sua visão messiânica da arte “superior”. Depois de anos de trabalho e de pensar nisso todos os dias, creio mesmo que só existe “uma” Arte, embora não seja capaz de lhe atribuir um “fim” específico - talvez o conseguisse com o recurso a extravagantes paradoxos, como Camões no soneto em que definiu o amor - mas não sou suficientemente bom com as palavras.
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Em breve inaugurarei uma exposição: 8 achados e 1 ready-made (em premiére mundial – uma paráfrase da célebre fountain, de Duchamp). Esta mostra será, no entanto, um “comentário à contemporaneidade” cuja capacidade de agradar me causa muitas dúvidas.
Mas vivo bem com isso: nem mais elevado, nem menos liberto.
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4 comentários:

CS disse...

À qual muitos se vão habituando.

Kap disse...

Por lo menos esta merda es bonita... hay algunas que ni eso...

Daniel Abrunheiro disse...

Rico post.

Anónimo disse...

Comentário do corajoso anónimo que afinal o fez sentar e escrever uma interessante e bonita epístula:
-Pq n apostar em sanitas? Já estão ready made e prontas a entregar na Sanitana!
Entretanto, felicidades para a sua estreia mundial.