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Como todos os pobres não tenho férias. Nunca tive. Não
conheço locais longínquos e mais ou menos paradisíacos ou exóticos. ”Nunca
lá estive”, como escreveu Joaquim Namorado a propósito dos mares do sul. Contudo,
como também não sou inteligente, como Luis Buñuel, tenho muita imaginação.
Agora, por exemplo, estou em Noventa e três. 1793. O quinto
ano da revolução francesa. O ano do terror e da guerra civil na Vendeia,
orquestrada pelos monárquicos e financiada pela pérfida Albion e por todas as outras
velhas monarquias da Europa.
“93 é a guerra da Europa contra a França e da França
contra Paris. E o que é a Revolução? É a vitória da França sobre a Europa e de
Paris sobre a França. Daí a imensidade desse minuto espantoso, maior que todo o
resto do século.” E é o último romance (editado em 1874) desse
génio de imaginação prodigiosa e verbo luminoso que é Victor Hugo.
Já estive na taberna da rua do Pavão e escutei Marat,
Danton e Robespierre. E na Convenção que, logo em Janeiro, votou a morte do rei
“Quem via a assembleia deixava de pensar na sala. Quem via o drama
deixava de pensar no teatro. Nada de mais disforme e de mais sublime. Um monte
de heróis, um rebanho de cobardes. Feras sobre uma montanha, répteis num
pântano. Ali formigavam, acotovelavam-se, ameaçavam-se e viviam todos esses
combatentes que hoje são fantasmas.” E já conheci o impiedoso marquês
de Lantenac, o magnânimo Gauvin e o implacável Cimourdain e muitas outras personagens
latejantes de vida saídas de uma pena incandescente de puro génio e fervilhante
imaginação.
Por isto não estou cá. Tirei apenas uns minutos para
rabiscar um retrato do velho mestre. Fui.
Se me procurarem digo como o abade Sieyés ao seu criado: ”Si M. de Robespierre vient, vous lui direz que je n’y suis pas”. Estou em Noventa e três.
1 comentário:
É isso: "a inteligência vai sempre a reboque da imaginação."
Doas não férias!
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