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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

da incontinência


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Mais um cromo para o meu álbum do rosto da classe dirigente. Este é um predestinado. Para o mando. Já foi uma vez secretário d’estado, sete vezes deputado, ministro cinco vezes. Já mandou em quase tudo: na Educação, na Cultura, na Defesa, nos Assuntos Parlamentares. Não se lhe conhece obra de jeito em nenhuma destas áreas.
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Augusto Santos Silva começou no Liceu pla extrema esquerda revolucionária; depois fez-se trotskista; apoiou Otelo e depois Ramalho Eanes; a seguir Pintasilgo e, na segunda volta, Mário Soares. Entretanto fez-se académico. E descobriu o Partido Socialista. É um sábio. Com obra publicada e tudo. Mas tornou-se conhecido pela incontinência com que larga bojardas a despropósito de porra nenhuma. Como esta, que lhe valeu o cognome de  “o malhador”: “Eu cá gosto é de malhar na direita e gosto de malhar com especial prazer nesses sujeitos e sujeitas que se situam de facto à direita do PS e são das forças mais conservadoras e reacionárias que eu conheço e que gostam de se dizer de esquerda plebeia ou chique, estou-me a referir ao PCP e ao Bloco de Esquerda”. Agora manda nos negócios estrangeiros.
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Negócios estrangeiros, salvo raras excepções na história de Portugal (como, por exemplo, no tempo de Pombal, em que foram realmente relações exteriores), sempre foi o eufemismo mais ou menos pomposo e elegante que qualifica a forma, quase sempre canhestra, como o país faz alinhar a sua diplomacia com a da potência que protectora a sua “independência” - é verdade, meus bravos heróis do mar, somos um protectorado. Antigamente (desde D. João I) era o império Britânico. Agora (desde o final da segunda guerra) são, como é sabido, os Estados Unidos da América.
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Neste sentido, Augusto Santos Silva limita-se a ser o porta-voz da Secretaria de Estado. O “malhador” está finalmente sentado na sua “cadeira de sonho”, o ex-esquerdista nas suas sete-quintas.
Deve ter sido aliás nessa qualidade que se largou, com mais uma das suas irreprimíveis bojardas. Manifestando o seu pleno respeito “à vontade inequívoca” (!!!!) mostrada pelo povo da Venezuela (!!!) disse esperar que Nicolas Maduro “compreenda que o seu tempo acabou”.
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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O cómico da situação (1)


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Sendo o cómico a intuição do absurdo, ele afigura-se-me mais desesperante do que o trágico.
Eugène Ionesco

Um cidadão português que, acabando de assistir a uma infame arbitrariedade policial, teve um desabafo indignado (parece que exclamou qualquer coisa como “bosta de bófia”) logo foi estrafegado (nas redes sociais) por milhares de ululantes boas-almas cujos santos valores patrióticos foram vilmente ultrajados.
Logo-a-seguir, mais de uma dezena de milhar de pessoas assinou uma petição de uma cidadã que se declara «Portuguesa e civilizada» e que não pode permitir que o «tipo de pessoa» a que o Mamadou Ba pertence tenha uma palavra a dizer na gestão do país. Tudo isto acontece no país que não é racista, masele que vá lá prá terra dele. Ora, não querem lá ver o filho-da-puta do… do… do… preto”.
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A verdade é que eu também sou português, como Mamadou Ba. E não preciso de ser negro, como Mamadou, para me indignar com a prepotência e com a injustiça. Por isso compreendo o seu desabafo. Eu penso que violência arbitrária sobre gente já segregada é uma baixeza. Até porque na minha família sempre ouvi dizer que ”polícia é abaixo de cão cinco graus”.
Mas o facto de isto ser aprovado por uma mole humana que se diz “civilizada” e chocada por alguém insultar a santa corporação que o pratica não deixa de ter um certo potencial por assim dizer, cómico.
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É, portanto, no campo aberto do cómico, que estamos. E já que aqui chegámos, resolvi esmiuçar, não o humor dos portugueses, que sei que é melancólico e ressabiado, mas o dos humoristas de que eles se riem. Os profissionais. Aqueles a quem os portugueses pagam para que lhes suscitem o riso. E seleccionei dois que devem ser os mais unânimes e requisitados pois são autênticas vedetas, verdadeiras instituições no seu género, ou ramo: Ricardo Araújo Pereira, no humor televisivo e Luís Afonso, no humor gráfico (mas este fica para outra posta, que bem o merece).
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Esmiucemos então Ricardo Araújo Pereira. 
Embora seja um fenómeno televisivo, Ricardo está por todo o lado (tal como o Afonso, aliás): na televisão, na rádio, nos jornais, na publicidade. O rapaz é um deus, omnipresente. É bem-parecido diga-se, e tem uma cultura geral bem acima da média, reconheça-se também. Teve uma educação religiosa, em colégios exclusivos, onde viu a luz e se fez ateu. Hoje é perfeitamente de esquerda (vota no Livre, que é de um rapaz lá amigo dele); o que não o impede, contudo, de sujeitar as filhas a frequentar também muito exclusivos colégios. Confusos?
É a estas extravagâncias de dândi que os tugas acham um piadão (mais as tugas, de meia idade - eu já referi que ele era bem parecido?). Ah, também é um assumido benfiquista, o que o identifica à partida, com a imensa maioria da “moldura humana” que assiste às suas performances, desde logo muito mais predisposta à condescendência.
Ricardo também alimenta uma espécie de ódio d’estimação pelo seu homónimo Salgado porque, ao que sei - e só o sei por ele próprio, nos programas de entretenimento em que participa (eu não leio revistas de celebridades) – a conselho de Cavaco, Ricardo terá confiado no BES e Salgado ter-lhe-á dado sumiço ao pecúlio de poupanças zelosamente ganho a fazer rir os portugueses.
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Mas de que se riem os portugueses?, perguntais vós.
 - Não de si próprios, claro, isso nunca (os tugas têm a auto-estima em alta estima). Nem dos milagres de Fátima, nem dos aventalinhos da maçonaria, nem dos látegos da opus dei; nem dos consórcios de advogados; nem dos pareceres dos catedráticos de coimbrameudeus; nem sequer do empreendedorismo, da caridadezinha, das imagens de marca e da cultura gurmê, muito menos do racismo larvar, da polícia, do exército ou dos tribunais (os portugueses têm também muito alta estima plo respeitinho).
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Então, perguntais vós, de quê ou de quem é que Ricardo Araújo Pereira faz rir os portugueses, porra?
- Pois eu digo-vos: de tudo o resto.
Ricardo Araújo Pereira, no seu mais recente programa televisivo, um suplemento humorístico do noticiário da noite dominical da TVi (digam lá que as piadas não se fazem sozinhas) faz o que, na opinião de gente que eu considero, é “humor inteligente e com qualidade” e “sem medo de afrontar os instalados do regime. Da esquerda à direita do espectro político nacional, varreu tudo e todos”.
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E quem são os instalados do regime que Ricardo supostamente “varreu”?
- Pois bem, são os que erram (Bernardino Soares), os vencidos (Luís Montenegro), os falhados (Rui Rio), os que caem (o já condenado Armando Vara). Porque é disso que o povo gosta. De ver escarnecer os infelizes, de ver bater em mortos. É isso, e apenas isso, que realmente faz rir os portugueses. E é assim que Ricardo alcança a sua imensa popularidade. Sem jamais arriscar a mais leve dissonância ao ululante e inflexível senso comum das maiorias.
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É por isso que estou convencido de que ele é um verdadeiro, um autêntico, cómico da situação.
O que não estou certo é se ele já se apercebeu do absurdo da coisa – enfim, se captou totalmente a piada, ou seja, se intuiu todo o potencial realmente desesperante, ou desanimador, da comicidade de tal situação. Receio que não.
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quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

sem dar por ela – a arte de mandar sem saber

Em 2010, a propósito da bárbara atrocidade que tinha vitimado os plátanos do Largo da Feira Velha, em Maiorca (foto da esquerda), o vereador do ambiente de então, o inefável António Tavares, soltou esta pérola que, na época, eu considerei de “suficiência, humor duvidoso, superioridade presumida e, quiçá também, alguma estupidez natural"ainda são vícios do passado, difíceis de controlar, porque estamos aqui há pouco tempo".
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Volvidos oito anos e, ano após ano, os plátanos do Largo da Feira Velha têm resistido; reflorescendo estoicamente a cada inverno (e à sua consuetudinária sessão de serração). Todavia, na ânsia agónica de sobreviver, rebentam, furiosa e desesperadamente, todos os anos na Primavera, com uma nova folhagem tão densa que acumula, de Verão, emaranhados de galhos cruzados em copas cerradíssimas, propensas à proliferação de todo o tipo de insectos perniciosos e de parasitas, e ao desenvolvimento de podridões e outras patologias fito-sanitárias, até à decrepitude fatal.
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Hoje, Tavares já não é vereador, mas a espécie de organização política que ele representava ainda é o poder local que decide este género de atrocidades. Filipe Dias também já não preside à Junta. O novo presidente, há apenas ano e meio, é da mesma cor de quem manda na câmara municipal.
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Em todo o caso, e quanto a mim tanto um como o outro, já “estão aqui” há tempo de mais. Até porque, entretanto, o Largo da Feira Velha foi de novo palco de mais uma das suas alarves performances, a exemplo aliás do recentemente perpetrado em Buarcos e, receio, do que se vai perpetrando por todo o concelho (se existe algum método, digamos assim, no processo mental psicopata, é, como se sabe, o método serial, o do trabalhinho em série ou seja, a produção em massa; é isso, suponho, que lhes desperta - em alguma obscura, viciosa e retorcida glândula cerebral - a tão almejada associação entre prazer e poder).
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De maneiras que hoje deparei com o que a foto da direita documenta. E dei comigo a pensar que podar sem saber é como “poder” sem “saber”: invariavelmente dá merda.
E é assim em tudo; não apenas na poda do arvoredo; manda-se porque se pode, sem perguntar a quem sabe, e mainada. E obedece-se sem pensar nem, muito menos, objectar; porque sim, prontos.
Porque o que realmente informa, ou inspira, o exercício deste poder não é uma razão (qualquer razão) baseada no estudo e no conhecimento, mas sim a sua própria consciência de ter poder, razão última porque a sua jactância apenas se completa - ou complementa - na reverência geral, no medo ou na indiferença. E isto é mais verdade quando o poder é absoluto.
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Trata-se, receio, de um atavismo consuetudinário; uma tradição, portanto – mui vetusta e mui portugueza - com certeza. E estamos nisto. Ano 2019. Século vinte e um. Depois de Cristo.
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sábado, 12 de janeiro de 2019

O poder boçal

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Esta imagem devia ter bolinha e devia ser vedada a mentes sensíveis e impressionáveis. Mas se eu podia piedosamente poupar-vos a este espectáculo nefando, o que ela reproduz está, infelizmente, em exposição permanente num dos locais mais frequentados da Figueira da Foz, o Jardim-Parque  Dr. Fernando Traqueia, em Buarcos, como prova perene e irrefutável da estupidez, incompetência, falta de bom gosto, de bom senso, de escrúpulos e de consciência moral e ambiental dos actuais detentores dos poderes públicos na Figueira da Foz.
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Se eu alimentasse algum género de esperança no funcionamento do poder local democrático eu subscreveria uma petição à assembleia municipal exigindo a rápida destituição, e imediata expulsão a pontapé no cu, de todos os envolvidos nisto: desde o inacreditável grunho que é presidente da Câmara, ao inexplicável imbecil que é vereador do ambiente, ao inefável idiota que é presidente da Junta e a cada um dos inqualificáveis “trabalhadores” que tornaram isto possível (num país decente ninguém pode ser obrigado a executar um trabalho para o qual não está qualificado e desde Nuremberga que “cumprir ordens” não é defesa que se apresente).

Se nutrisse alguma réstia de ilusão sobre o funcionamento da justiça eu processá-los-ia a todos sem excepção para que fossem julgados e condenados por crime hediondo.
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Por isto, resta-me a minha humilde opinião, e torná-la pública, neste também humilde blogue. 
Pode haver pessoas que a achem excessiva pois “afinal, são apenas árvores”, mas eu penso que quem faz isto a uma árvore é capaz de tudo; trata-se de alguém completamente destituído de empatia. 
Também penso que os psicopatas deviam ser tratados como tal, metidos em camisas de forças nos casos mais agudos (como é manifestamente o caso) e vigiados na convivência com os seus semelhantes (nos casos mais benignos) mas sobretudo, sobretudo, rigorosamente impedidos de exercer qualquer cargo susceptível de constranger ou influenciar a vida dos outros.
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A foto acima é de Maria Teresa Rozendo Rito e foi "tirada" da net.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Evasão, descoberta e hamparte


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Quando os dias se tornam insuportáveis e tudo o que os envolve demasiado deprimente, resta-me sempre a evasão. Por estes dias (noites) tenho andado por outros tempos pela serra d’Arga, pla mão de Aquilino, acompanhando as grandezas e misérias da casa grande de Romarigães. A narrativa dos tormentos eróticos de D. Telmo no assalto à sua cunhada Dionísia é do melhor sexo em português, e do melhor português já agora (bom de lei), que alguma vez li. O tesão, o grande tesão, vivo, brutal e imemorial - descrito em palavras, todas portuguesas - a rebentar de testosterona e de humor, sem eufemismos nem vulgaridades.
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Mas não me evado nem despaíso, apenas pla literatura. Agora descobri o Youtube. É verdade. Não o youtube das palermices virais, claro. Descobri que para além disso, mais fundo, numa espécie de nicho, é uma plataforma óptima para imensa gente cheia de muito talento. Gente de todo o mundo. 
São os makers, gente que faz coisas, que mostra como o faz e até se mostra a fazê-las, partilhando com o mundo os seus conhecimentos. São artistas e artesãos das mais variadas especialidades: carpinteiros, gravadores, escultores, impressores, soldadores, cuteleiros, serralheiros, jardineiros, construtores de instrumentos, etc. Gente como o norte-americano Mike Siemsen. Aqui, o velho mestre carpinteiro explica como executa excelsamente todos os trabalhos de marcenaria numa bancada sem prensa. Ou como o também norte-americano Frank Howarth, um artista sofisticado, que construiu para si próprio, ao lado da sua casa, no lugar de uma velha piscina, um atelier de carpintaria modernamente equipado onde se deleita fazendo coisas magníficas, como hobbie. Ou o australiano Neil Paskin, fotógrafo-carpinteiro-serralheiro-desenhador faz-tudo. Ou o francês Olivier Verdier, que construiu o seu atelier de marcenaria num velho celeiro algures no sul de França e tem como ferramenta fetiche uma maceta redonda de cantoneiro português. Ou o divertido canadiano (dos que comem ervilhas) Alain Vaillancourt, l ’gosseux d’bois. Ou o maker/artist alemão Hassan abu-izmero, que faz todo o tipo de things engenhosas. Ou Uri Tuchman, também alemão, que grava metais, pinta óleos, talha madeira e inventa as próprias ferramentas com que cria complexos mecanismos para autómatos bizarros. Ou o engenhoso turco Cemal Açar, outro faz-tudo num espaço reduzidíssimo. Ou o talentoso uruguaio Elias Maximiliano que, num espaço despojado e num silêncio quase monacal, faz carpintaria usando as mãos como ferramenta principal.
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Mas também há outros. Que além de fazerem coisas, falam sobre elas e sobre o mundo. Têm opinião. É o caso do pintor e meticuloso e exaustivo crítico de arte mexicano Francisco Soriano. Ou do brasileiro Eduardo Bueno, histriónico contador de estórias e divulgador de História que, em cada filme de poucos minutos, conta um episodio da história do Brasil, sempre repleto de pormenores pícaros ou picantes. Neste, por exemplo, conta como foi projectada a capital do país; não a actual Brasília, mas a primeira, Salvador (plos tugas). Vejam, também é história de Portugal, como a coisa foi realmente edificante.

E do pintor espanhol (de Sevilha) Antonio Garcia Villarán, que retratei acima.. As suas opiniões devastadoras (sobre algumas das unanimidades nacionais aqui ao lado) têm causado um impacto que ultrapassa já o youtube. Em filmes curtos e bem humorados, Villarán mostra as suas pinturas, desenhos e projectos de livros e fala do que gosta e do que não gosta. Sem eufemismos. Miró é o pior pintor de todos os tempos. Tapiés idem aspas aspas. E Salvador Dali. António Lopez, o autor do “hiper-realista” e fotográfico retrato oficial  da família real que alegadamente lhe custou “vinte anos de trabalho”, merece-lhe o mais vivo sarcasmo. Pollock, um embuste. E Frida Khalo, também. E Keith Haring. E todos os bonzos reconhecidos da chamada actual arte contemporânea internacional. Como Yoko Ono; ou Damien Hirst; ou Banksy.
Villarán criou mesmo um termo algo burlesco e subversivo, hamparte, que designa todo este tipo de arte que é arte apenas porque é designada como tal e porque a sua exibição é autorizada pelo mercado em locais apropriados, as galerias comerciais. 
Em 2018 este termo tornou-se viral. É verdade, ultrapassou mesmo o âmbito do seu canal do Youtube (que ainda assim ultrapassa já os 150 mil seguidores, contra os trinta mil da página de um gigante como o Museu do Prado) ganhando outras plataformas e chegando mesmo à imprensa. 
Villarán, que já considera que o seu neologismo seja acolhido pela Real Academia Espanhola criou, para evitar equívocos quanto ao seu significado, um manifesto em sete pontos que estipulam quando e em que circunstâncias uma obra deve ser considerada hamparte.
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É evidente que nada disto fez desvalorizar uma merda como Damien Hirst, que no final do ano voltou a pulverizar records de facturação vendendo pontinhos coloridos e tubarões em formol. Diz que mais de 140 milhões de euros. Em verdade, quem lhe compra aquilo continua a lavar dinheiro, mas plo menos todo o mundo ficou a saber que não compra arte. Compra hamparte.
Também é verdade que o dadaísmo e as boutades anti-arte de Duchamp foram um sulfuroso sarcasmo dirigido aos valores que o mercado considerava arte… até serem apropriados pelo mercado.
Cabe aos espíritos livres e inconformistas criar sempre mais e mais sarcasmos; e cada vez mais sulfurosos. E assim sucessivamente, como dizia João César monteiro, outro grande subversivo.
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