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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Sérgio Amaral

Acredito que a faculdade estética foi um meio de que o homem se serviu, primeiro para adquirir, depois para  aperfeiçoar a sua consciência. A forma, a organização progressiva dos elementos que de outro modo seriam caóticos, é dada na percepção. Ela está presente em qualquer habilidade - a habilidade é o instinto da forma que se revela na acção. 
Para além deste nível fisiológico e instintivo, todo o progresso na evolução humana dependeu sempre da realização de valores formais.
A realização de valores formais é a actividade estética. A actividade estética é biológica na sua natureza e funções; e a evolução humana em particular, no que constitui uma excepção, diferencia-se da evolução animal pela posse dessa faculdade. 
Herbert Reed, in A Filosofia da Arte Moderna

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É de uma perversa e triste ironia que o trabalho da vida de um mestre das artes de dominar o fogo de forma criativa seja destruído em minutos pelo mesmo fogo, estúpido, brutal e descontrolado. 
Os recentes incêndios que devastaram o país não pouparam quase nada. Atingiram também violentamente e devastaram a casa-atelier e as colecções do escultor e ceramista Sérgio Amaral, em Stª Luzia, Mangualde. 
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O Sérgio é um dos mais notáveis ceramistas portugueses da actualidade. Artesão cônscio de uma longa tradição popular (conhece bem, e pratica-a ainda, a antiga técnica da “soenga” que é a arte de cozer o “barro negro” da sua terra natal), Sérgio aprendeu também a trabalhar a roda e as modernas técnicas do raku e da redução, o que faz dele um técnico competente, condição que, aliada a uma irreprimível imaginação, o transformam num formidável artista criativo.
Os seus poderosos matarrachos, aparentemente de uma ingenuidade de “cunho popular”, são seres fabulosos que, ainda que ele afiance que lhe vêm da memória, transbordam de uma nonchalance premeditada, de um humor bizarro e atrevido e de um nonsense por vezes delirante.
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Sérgio fez, no FaceBook, um apelo lancinante à aquisição de obras do seu acervo (que tinha a salvo, noutros lugares) para que possa reconstruir o seu belo espaço, (que visitei no Verão do ano passado, quando lhe ofereci o desenho reproduzido acima - o seu retrato com um dos  matarrachos).
Existe também uma petição na net, para que chegue ao maior número de pessoas possível e dessa forma o Sérgio consiga vender algum do seu trabalho e assim recuperar o equipamento consumido pelo fogo e, tão breve quanto possível, retomar o seu labor criativo. 
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