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terça-feira, 27 de outubro de 2015

a língua portuguesa

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«(...) E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura. Para falar, é engraçada com um modo senhoril; para cantar é suave, com um certo sentimento que favorece a música; para pregar é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para história, nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias. A pronunciação não obriga a ferir o céu-da-boca com aspereza, nem arrancar as palavras com veemência do gargalo. Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala. Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé de sua antiguidade; e, se à língua hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta, quanto a nossa. E, para que lhe diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte.»
Francisco Rodrigues Lobo, in "Corte na Aldeia" 
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