.
«(...) E verdadeiramente que não
tenho a nossa língua por grosseira nem por bons os argumentos com que alguns
querem provar que é essa; antes é branda para
deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar,
breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e
escritura. Para falar, é engraçada com um modo senhoril; para cantar é suave,
com um certo sentimento que favorece a música; para pregar é substanciosa, com
uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem
tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para história,
nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.
A pronunciação não obriga a ferir o céu-da-boca com aspereza, nem arrancar as
palavras com veemência do gargalo. Escreve-se da maneira que se lê, e assim se
fala. Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina, a origem da
grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da
italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé de sua
antiguidade; e, se à língua hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram
santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria
descomposta, quanto a nossa. E, para que lhe diga tudo, só um mal tem, e é que,
pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de
pedinte.»
Francisco Rodrigues Lobo, in "Corte na Aldeia"
.
1 comentário:
Lindo texto.
Enviar um comentário