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O jornalista e, digamos assim, escritor Hugo Gonçalves escreveu
um artigo no Diário de Notícias no qual conta, com pormenores, a dificuldade
que tem em traduzir para o português o romance Psico, do norte-americano Bret Easton Ellis. Gonçalves queixa-se
amargamente da língua portuguesa que, segundo ele, é muito limitada para
exprimir as subtilezas do riso ou as delícias da fruição do sexo sem pecado nem
vulgaridade.
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-O pobre Hugo, que ganha a vida a escrever em português, acha que não há palavras no
seu idioma para exprimir todas as gradações do riso ou da gargalhada.
O desgraçado nunca leu Camilo. Nem Aquilino. Nem João de
Araújo Correia sequer. Não casquina, não rinchavelha, não racha-o-bico. Não
debocha, nem chicarreia, nem derriça, nem cafanga. Nem moteja, nem empulha, nem
embolora; nem sequer trota, chasqueia ou apepina. Não manga, não palheta, nem
faceta.
A tragi-comédia de escritores portugueses como este jovem
Hugo é o vocabulário. Conhecem todos os refêgos mais íntimos do idioma
estrangeiro que pretendem traduzir, mas manifestam uma tão perplexa como
aparvalhada ignorância do seu. E tornam público esse garboso inconseguimento em ufanos e descomplexados artigos de jornal. A parte cómica (ou a trágica, já nem sei bem) é que são remunerados por isso.
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- O jovem Gonçalves
queixa-se também da conotação vulgar que adquirem em português os palavrões
para os orgãos genitais. Por isso lamenta as
dificuldades na tradução de cenas de sexo “porque
ganham, muitas vezes, um carácter grosseiro e pouco sexy, que não têm no
original”.
A ele soa-lhe melhor o palavrão in ingliche. Para ele, “pussy” é muito melhor – muito mais “suave”
- que “o seu equivalente em português, com origem no latim - cunnus –“ (diz-se cona ou cono, já agora, Huguinho). E que tal “pássara”; ou “pêssega”; ou “bichana”;
ou “concha”; ou “pomba”; ou qualquer das
suas declamações diminutivas, Huguinho? (mas há mais, Huguinho.
Muito mais. Aqui.)
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Hugo Gonçalves culmina o artigo com uma
questão que exprime uma incomensurável perplexidade: “Se o riso é insurgência e o
prazer do sexo se pode (e deve) vocalizar, questiono-me por que, sabendo que os
portugueses se riem e se vêm, ainda somos tão desajeitados e constritos na hora
de falar e escrever sobre o assunto - como evidencia o facto de não ter usado,
até ao final deste texto, um único palavrão em português.”
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- Ora, essa é fácil, meu jovem Hugo. Em português técnico, chama-se a isso, receio, incompetência. E deve-se à desinfeliz conjugação
de falta de talento e de conhecimento vocabular com um exagerado cultivo do eufemismo.
Já em bom
português, pode ser resumido muito mais sucintamente. Assim: porque a quem não sabe foder até os colhões estorvam.
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