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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

a expressão do subtil, em português

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O jornalista e, digamos assim, escritor Hugo Gonçalves escreveu um artigo no Diário de Notícias no qual conta, com pormenores, a dificuldade que tem em traduzir para o português o romance Psico, do norte-americano Bret Easton Ellis. Gonçalves queixa-se amargamente da língua portuguesa que, segundo ele, é muito limitada para exprimir as subtilezas do riso ou as delícias da fruição do sexo sem pecado nem vulgaridade.
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-O pobre Hugo, que ganha a vida a escrever em português, acha que não há palavras no seu idioma para exprimir todas as gradações do riso ou da gargalhada.
O desgraçado nunca leu Camilo. Nem Aquilino. Nem João de Araújo Correia sequer. Não casquina, não rinchavelha, não racha-o-bico. Não debocha, nem chicarreia, nem derriça, nem cafanga. Nem moteja, nem empulha, nem embolora; nem sequer trota, chasqueia ou apepina. Não manga, não palheta, nem faceta.
A tragi-comédia de escritores portugueses como este jovem Hugo é o vocabulário. Conhecem todos os refêgos mais íntimos do idioma estrangeiro que pretendem traduzir, mas manifestam uma tão perplexa como aparvalhada ignorância do seu. E tornam público esse garboso inconseguimento em ufanos e descomplexados artigos de jornal. A parte cómica (ou a trágica, já nem sei bem) é que são remunerados por isso.
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 - O jovem Gonçalves queixa-se também da conotação vulgar que adquirem em português os palavrões para os orgãos genitais. Por isso lamenta as dificuldades na tradução de cenas de sexo “porque ganham, muitas vezes, um carácter grosseiro e pouco sexy, que não têm no original”. 
A ele soa-lhe melhor o palavrão in ingliche. Para ele, “pussy” é muito melhor – muito mais “suave” - que “o seu equivalente em português, com origem no latim - cunnus –“ (diz-se cona ou cono, já agora, Huguinho). E que tal “pássara”; ou “pêssega”; ou “bichana”; ou “concha”; ou  “pomba”; ou qualquer das suas declamações diminutivas, Huguinho? (mas há mais, Huguinho. Muito mais. Aqui.)
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Hugo Gonçalves culmina o artigo com uma questão que exprime uma incomensurável perplexidade: “Se o riso é insurgência e o prazer do sexo se pode (e deve) vocalizar, questiono-me por que, sabendo que os portugueses se riem e se vêm, ainda somos tão desajeitados e constritos na hora de falar e escrever sobre o assunto - como evidencia o facto de não ter usado, até ao final deste texto, um único palavrão em português.
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- Ora, essa é fácil, meu jovem Hugo. Em português técnico, chama-se a isso, receio, incompetência. E deve-se à desinfeliz conjugação de falta de talento e de conhecimento vocabular com um exagerado cultivo do eufemismo.

Já em bom português, pode ser resumido muito mais sucintamente. Assim: porque a quem não sabe foder até os colhões estorvam.
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