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quinta-feira, 16 de junho de 2011

O tremendismo neurasténico



Pessimista é alguém que podendo escolher entre dois males, escolhe ambos.

Oscar Wilde
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O tremendismo é um determinismo lusitano. Trata-se de uma filosofia política redundante. Consiste na demonstração enfática da decadência inexorável do país e de que não há nada a fazer, a não ser, deixar fazer (não se trata do laissez faire dos iluministas, mas de algo mais genuinamente português, o deixa correr). Os seus defensores esmeram-se numa dedicada catequese para a qual nunca lhes falta púlpito em conferências nem coluna nos jornais. Já retratei alguns deles: aqui, aqui, aqui e aqui.
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Mas o mestre-escola de todos eles é Vasco Pulido Valente.
Vasco é o mais erudito. É um historiador especialista no século dezanove português. Sabe tudo dos costumes políticos venais desse século premonitório do quotidiano actual da ditosa pátria. E tem obra publicada. Sabe mais do século dezanove do que Herculano, Antero, Oliveira Martins, Rafael Bordalo Pinheiro, Ramalho, Eça - ele conhece a obra de todos eles (até a de Bulhão Pato) e eles nunca conheceram a sua. É pois neste seu conhecimento profundo, e abrangente, deste século seminal que ele fundamenta todo o seu fatalismo fadista, ou cepticismo pessimista, quanto a qualquer possível veleidade de regeneração cívica dos portugueses.

~.Vasco é uma espécie de Bandarra (o sapateiro-profeta de Trancoso), mas mais patético. As suas previsões são para ontem (para ele, o fim-dos-tempos já aconteceu). As suas trovas são em prosa e o seu Sebastião chama-se Mário Soares - esta é parte cómica da sua curiosa idiossincrasia, a parte trágica vem a seguir - ele detesta Cavaco, chama-lhe “camponês de Buliqueime”; mas apesar disso apoiou-o contra Soares. Segundo ele porque “O regime de Cavaco Silva permite-me conduzir a minha vida privada, sem sobressaltos, nem acidentes públicos. Não lhe peço mais e não me propõem nada de melhor. A culpa é minha?"
É esta a tragicomédia do tremendismo: o mal do país é bom para o tremendista. O tremendista, sempre crítico do regime, tem sabido sempre, afinal, apoiar a solução vigente. Bate certo. Este é um filho da puta de um país tremendo.
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.O pobre Vasco vive pois enredado em compulsões contraditórias e tremendas, num frenesim desesperado e em perpétuo conflito interior. Diz mal de tudo e por vezes com razão (acontece aos franco-atiradores que disparam de rajada, de vez em quando, acertam).
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Vasco agora até diz mal do tremendismo oratório de António Barreto (o tremendista oficial do regime). Mas eu suspeito que se trata não de uma verdadeira discordância intelectual mas de algo mais genuinamente português: a inveja. A sua voz de cana rachada, vagamente alcoolizada e demasiado estridente não se compara com o timbre solene, de barítono bem colocado e melancólico, da voz do circunspecto mestre-de-cerimónias do 10 de Junho do cavaquismo triunfante.
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2 comentários:

cid simoes disse...

Se poucochinhos nos sentirmos presa fácil seremos. E eles sabem.

Pata Negra disse...

Não me ocorre sequer um comentário.
Valente prosa, crítica sem pulidos,caricatura apenas no valente desenho com arestas vivas.