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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Arte como apologia do crime e o Direito como prerrogativa da palermice

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Muito há a dizer sobre os desígnios da Arte neste início de século.
Depois de sucessivas gerações de artistas de “vã guarda” levarem o rodriguinho conceptual para lá do grau zero da comunicação, eis que Gil Vicente (não, não se trata do “nosso“ mestre Gil; apenas de um seu homónimo pernanbucano) dá um bom contributo para a assunção da Arte como uma linguagem inteligível.
Deixando de lado quaisquer devaneios ou elucubrações conceptuais e usando os meios mais elementares (carvão sobre papel) o artista - que, convenhamos, não é nenhum Picasso - realizou o ensejo em termos muito literais: concebeu uma série de desenhos em que se auto-retrata executando garbosamente alguns conhecidos e contumazes cretinos.
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O público, entendendo perfeitamente a mensagem do artista, exulta com o facto, inédito, de pela primeira vez um artista contemporâneo apresentar uma obra sem o suporte de um tratado, isto é, numa linguagem perfeitamente acessível.
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O artista, por sua vez, também está feliz (o escândalo é o sal da arte - redimensiona as reputações e expande o negócio): a secção paulista da Ordem dos advogados do Brasil (acho que é assim que se chama esta entidade de defesa dos direitos dos animais) fez chegar à organização da Bienal de S. Paulo uma nota de protesto e tentou mesmo impedir a exposição pública das obras de Gil Vicente, alegando que se trata de apologia do crime.
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Concluindo, esta estória tem moral: ficamos a saber que não se pode contar com os mestres do Direito para discutir os desígnios do futuro da arte (o conceito de liberdade de expressão é-lhes visivelmente estranho).
Mas podemos temer pelo seu passado.
Se a figuração ou representação de um acto criminoso é passível de ser encarada como apologia do crime (desde que Caím matou Abel que a arte não trata de outra coisa) aguardam-se pois providências cautelares sobre quase todo o património artístico e literário ocidental: de Sófocles a Caravaggio e de Shakespeare a Picasso. Ou a Agatha Christie. Sobretudo Agatha Christie.
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