Os recentes episódios caricatos que envolveram “a origem do mundo”, de Courbet e o “intendente” da polícia de Braga, (que prontamente reagiu a uma denúncia popular para preservar a ordem pública, a moral e os bons costumes) lembraram-me um episódio recente, também em Braga, onde um emigrante português terá chamado a polícia para expulsar de um parque público uma criança negra “porque os parques públicos portugueses não deviam ser para estrangeiros”.
Isto tudo mais a anedota do carnaval de Torres Vedras e outros episódios cada vez mais habituais, revela um triste caldo de cultura e corrobora uma tese que venho acalentando segundo a qual não há nada mais reaccionário do que “o povo”. Esta tese pode ser ilustrada à saciedade pelas suas antigas e recentes opções políticas e culturais.
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Isto tudo mais a anedota do carnaval de Torres Vedras e outros episódios cada vez mais habituais, revela um triste caldo de cultura e corrobora uma tese que venho acalentando segundo a qual não há nada mais reaccionário do que “o povo”. Esta tese pode ser ilustrada à saciedade pelas suas antigas e recentes opções políticas e culturais.
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“O Povo”, essa vaga entidade adulada pelos políticos, apenas preza a “segurança”, a “estabilidade” e o “emprego” ou os seus alter-egos eufemísticos: a ordem pública, a moral e os bons costumes. As coisas do espírito são-lhe completamente estranhas, assim como conceitos como liberdade, igualdade ou fraternidade, devaneios de artistas e desocupados, certamente.
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O “povo” acredita piamente que o mundo foi criado há precisamente seis mil anos em seis dias. Por isso ficou chocado com “A origem do mundo”. Esta gente, quando nasceu, não se lembrou de olhar para trás. Se o tivesse feito saberia ao que Courbet aludia quando baptizou o quadro, criado de encomenda para um diplomata otomano (ao contrário do que as doutas ignorâncias escrevem nos jornais, esta pintura nunca fez escândalo no seu tempo simplesmente porque nunca foi exibido em público, até há cerca de vinte anos, quando deu entrada no museu d’Orsay, vindo directamente do consultório do psicanalista Jacques Lacan onde estava escondido por detrás de um outro, pintado pelo surrealista André Masson, cunhado do bom doutor - a história toda aqui.)
Sempre que os seus “valores” estão em crise, os recursos do “povo” parecem ser invariavelmente a inveja e a sua irmã predilecta, a denúncia. Quase todos os crimes do século vinte (do holocausto ao gulag, da revolução cultural a Pol Pot) foram possíveis graças a estas virtudes populares: a inveja e a denúncia. As maiores atrocidades do século passado foram cometidas em épocas de “crise de valores” e sempre em nome do "povo", com a sua anuência, aprovação, participação activa ou omissão.
O libertário Gustave Courbet era amigo do anarquista Pierre-Joseph Proudhon, que achava que “ a propriedade é um roubo” (uma heresia que decerto horrorizaria o bom povo de Braga) e do dandy licencioso Charles Baudelaire, poeta que escreveu “As flores do mal”, “os paraísos artificiais” e imenso sobre arte; descobriu e traduziu para francês, a língua “culta” de então, Edgar Alan Poe e amou demais uma mulata, Jeanne Duval, de quem Edouard Manet (outro escandaloso) haveria de fazer um retrato magistral. Esta paixão foi um escândalo na sua época. Suponho que ainda hoje o bom povo de Braga, ou d’ailleurs, ache o amor inter-racial uma espécie de perversão zoófila, ou assim.
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Sempre que os seus “valores” estão em crise, os recursos do “povo” parecem ser invariavelmente a inveja e a sua irmã predilecta, a denúncia. Quase todos os crimes do século vinte (do holocausto ao gulag, da revolução cultural a Pol Pot) foram possíveis graças a estas virtudes populares: a inveja e a denúncia. As maiores atrocidades do século passado foram cometidas em épocas de “crise de valores” e sempre em nome do "povo", com a sua anuência, aprovação, participação activa ou omissão.
O libertário Gustave Courbet era amigo do anarquista Pierre-Joseph Proudhon, que achava que “ a propriedade é um roubo” (uma heresia que decerto horrorizaria o bom povo de Braga) e do dandy licencioso Charles Baudelaire, poeta que escreveu “As flores do mal”, “os paraísos artificiais” e imenso sobre arte; descobriu e traduziu para francês, a língua “culta” de então, Edgar Alan Poe e amou demais uma mulata, Jeanne Duval, de quem Edouard Manet (outro escandaloso) haveria de fazer um retrato magistral. Esta paixão foi um escândalo na sua época. Suponho que ainda hoje o bom povo de Braga, ou d’ailleurs, ache o amor inter-racial uma espécie de perversão zoófila, ou assim.
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Não me admiraria que, se estes cinco estarolas hipoteticamente passeassem hoje pela idolátrica o seu esplendor (no caso de Baudelaire e Poe, o seu spleen) fossem irremediávelmente linchados pelo povo ou, no mínimo, que este os denunciaria ao “intendente”.
Os tempos que aí vêm parecem-me aziagos para os espíritos livres.
Os tempos que aí vêm parecem-me aziagos para os espíritos livres.
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