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sábado, 18 de agosto de 2007

mulher sentada com máscara negra e cachorrinho branco

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(acrílico s/tela, 50x70)

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António Menano, que já por diversas vezes se debruçou sobre o meu trabalho, é ele próprio, além de poeta, também um pintor e tem uma magnífica exposição da sua pintura (até ao dia 31 de Agosto) na Casa Museu Bissaya Barreto, em Coimbra.
Foi com António Menano à frente dos Serviços Culturais da Câmara Municipal da Figueira da Foz (no final do consulado de Aguiar de Carvalho), que o Museu Santos Rocha conheceu os seus melhores tempos, no que diz respeito à atenção às artes (e a artistas vivos).

É dele o texto que se segue, sobre o meu trabalho e, um pouco, sobre esta pintura. Foi publicado no semanário “O Figueirense”, em 2001

Sobre Fernando Campos

Há alguns anos, Fernando Campos ofereceu ao Museu Municipal um trabalho intitulado “A Batalha do Huambo”. Pintado a acrílico sobre tela, de grande formato, a tela foi juntar-se a outras também oferta de pintores, cujas mostras eu “patrocinara”. Forma de divulgar valores locais, ou radicados na nossa cidade, de retrospectivas de Mário Silva a Michael Barrett, e de tantos outros.
Serão, pois, sobre Fernando Campos, radicado na Figueira da Foz após a descolonização de Angola, também do grupo “resistente” do atelier do Bairro Novo, as palavras deste texto. Não estamos perante um autor de compromissos ou cedências. Diz não ao fácil, ao imediato, ao vulgar, mesmo ao comercial. Não pactua com o “gosto” aquisitivo mais interessado em decorar as paredes da casa, da empresa, ou do comércio, do que em compreender, ser a arte mais do que cópia do real, ou o “bonito”, de que Picasso tanto fugia a sete pés.
Na pintura de Fernando Campos encontraremos o gosto pelo clássico. Miguel Ângelo e Rembrandt influenciaram alguns dos seus trabalhos. Recentemente no Art à La Carte II, do Kiwanis Clube da Figueira, expôs um quadro que fazia recordar “Leda e o Cisne” de Miguel Ângelo (1529-1530), que, posteriormente, Augusto Hesse desenhou, e Lemercier litografou, em meados do século XIX. Aparecia na obra de Fernando Campos, mais realista, no sentido “baconeano” do termo (Bacon será outro dos autores “fetiche” de Fernando Campos), uma sensualidade ilustrada pela justaposição do cisne (ou pato), ao corpo feminino.
Não se saberá hoje, precisamente, o que é a arte. Mais do que tudo será libertação, mas será uma produção solitária a cuja acção poderemos “aplicar” as palavras de Lukacs: “o homem só age realmente se imagina, pelo menos subjectivamente, um significado para a sua actividade”. Outro quadro de F. Campos, intitulado “Retrato de mulher sentada com máscara negra e um cachorrinho branco”, dá-nos pistas para entendermos a sua arte. Nele há o mistério (a máscara), a cor negra (as raízes africanas do autor), a mulher (presença constante nos seus trabalhos) e um cachorrinho (que poderá simbolizar a pureza, a busca da simplicidade).
A unidade dos trabalhos do artista, sejam eles colagens, naturezas mortas, figuras femininas, será a metamorfose de quem, ao mesmo tempo, oculta e desvenda.
Não estamos perante uma pintura de fácil adesão. Não encontraremos nos trabalhos de Fernando Campos artifícios, ou a fácil “cópia”. A sua posição é feita da harmonia entre a experiência e a técnica, ambas procurando transgredir, mas sem deixar de estabelecer a relação entre a emoção, e a mais fria racionalidade.
Nikias Skapinakis disse: “Pode considerar-se que o acto criador é egoísta, desinteressado da comunicação e da acessibilidade da obra”. Nada mais verdadeiro, em relação aos trabalhos de Fernando Campos. Neles, o amor, a dor, a solidão, e até a morte, são momentos representados no impulso criador.
Mas não nos admiremos. O autor está em boa companhia, de Durer a Ribera, de Rembrandt a Goya, em cujas obras a morte inspirou alguns dos trabalhos.
A beleza não reside só no cor-de-rosa, ou no azul, ou no verde. Considerados, isoladamente terão a sua dinâmica.
O “extravasar de emoção” de que Ricardo Reis acusa Álvaro de Campos, pertence à obra de Fernando Campos. Talvez para alguns fria e cerebral, mas, principalmente uma “viagem” sem paisagens que não sejam (quase) as interiores.

António A. Menano in "O Figueirense", de 2001/10/12

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